Fio-de-prumo
A culpa é do polvo
16 Outubro 2012
A
ideia de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque andaram
a viver acima das suas possibilidades, é um enorme embuste. Esta
mentira só é ultrapassada por uma outra. A de que não há alternativa à
austeridade, apresentada como um castigo justo, face a hábitos de
consumo exagerados. Colossais fraudes. Nem os portugueses merecem
castigo, nem a austeridade é inevitável.
Quem
viveu muito acima das suas possibilidades nas últimas décadas foi a
classe política e os muitos que se alimentaram da enorme manjedoura que é
o orçamento do estado. A administração central e local enxameou-se de
milhares de "boys", criaram-se institutos inúteis, fundações
fraudulentas e empresas municipais fantasma. A este regabofe juntou-se
uma epidemia fatal que é a corrupção. Os exemplos sucederam-se. A Expo
98 transformou uma zona degradada numa nova cidade, gerou mais-valias
urbanísticas milionárias, mas no final deu prejuízo. Foi ainda o Euro
2004, e a compra dos submarinos, com pagamento de luvas e corrupção
provada, mas só na Alemanha. E foram as vigarices de Isaltino Morais,
que nunca mais é preso. A que se juntam os casos de Duarte Lima, do BPN e
do BPP, as parcerias público-privadas e mais um rol interminável de
crimes que depauperaram o erário público. Todos estes negócios e
privilégios concedidos a um polvo que, com os seus tentáculos, se
alimenta do dinheiro do povo têm responsáveis conhecidos. E têm como
consequência os sacrifícios por que hoje passamos.
Enquanto
isto, os portugueses têm vivido muito abaixo do nível médio do europeu,
não acima das suas possibilidades. Não devemos pois, enquanto povo, ter
remorsos pelo estado das contas públicas. Devemos antes sentir raiva e
exigir a eliminação dos privilégios que nos arruínam. Há que renegociar
as parcerias público--privadas, rever os juros da dívida pública,
extinguir organismos... Restaure-se um mínimo de seriedade e
poupar-se-ão milhões. Sem penalizar os cidadãos.
Não
é, assim, culpando e castigando o povo pelos erros da sua classe
política que se resolve a crise. Resolve-se combatendo as suas causas, o
regabofe e a corrupção. Esta sim, é a única alternativa séria à
austeridade a que nos querem condenar e ao assalto fiscal que se
anuncia.
Paulo Morais, Professor universitário
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