terça-feira, 20 de setembro de 2011

SABER MATEMÁTICO E CULTURA INDÍGENA





 
SABER MATEMÁTICO E CULTURA INDÍGENA
                                        Por NASCIMENTO, J.B
UFPA/ICEN/ Fac. Matemática
http://lattes.cnpq.br/5423496151598527
www.cultura.ufpa.br/matematica/?pagina=jbn
 
No JC e-mail, http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=57396, 17/07/2008, foi republicado artigo original da BBC Brasil, Tribo da Amazônia contradiz noção de que contar é capacidade 'inata', o qual é parte do estudo recém publicado na revista científica Cognition do professor Edward Gibson (MIT), tese essa fundamentada na seguinte constatação: ¨os Pirahã (tribo que vive às margens do rio Maici, em Rondônia) não têm palavras para expressar o conceito de "um" ou de outros números específicos.¨
 
Não acontece só com Matemática, mas com todo saber, guardar sentido distinto quando há elementos culturais dispares na ação. Assim, quando relatório MEC/INEP/SAEB diz que apenas 6% dos concluintes do ensino médio apresentam um de nível de aprendizagem adequado, quem aceita que a base de moralidade pública que subsidiou tais provas conclui sem nenhum remorso que 94% deles não aprenderam e/ou os seus docentes nada ensinaram da Matemática em doze anos de estudos.
 
No entanto, o elemento cultural que sustenta a tese, o que venha ser moralidade pública, faz com que essas provas usadas na produção de tais dados sejam sigilosas, ser criminoso querer saber e até vergonhoso publicá-la. Nem mesmo tal conclusão carregar conjuntamente uma crença dos estudantes ter alguma debilidade cognitiva, não o faz desconfiar de nada. E nem mesmo dados de cotistas, e de todos os casos, provar que esses são até melhores em alguns cursos superiores é capaz de acender uma reflexão de alerta sequer.
 
Da mesma forma, ¨contar¨ é cultural. Um exemplo disso é quando em feira de municípios paraenses, como Igarapé-Mirim, Cametá, São Miguel do Guamá, Viseu, etc encontrarmos quem venda açaí em cacho, sendo esse um fruto da base alimentar regional – juçara no Maranhão. Se alguém perguntar para ele o que vende, dirá que é cacho de açaí. Se aquele retirar alguns frutos e depois faça a mesma pergunta, obterá a mesma resposta. Transparece então que esse não sabe contar, pois ante a retirada de frutos esse continuar concebendo permanecer a mesma coisa.
 
Essa é uma conclusão falsa. Contar ele sabe, só não é da forma que tal pessoa foi treinada. Assim como, não é que ele seja incapaz de aprender contar tal, mas apenas pode ser que isso não o interesse. E, tudo tem que ser concebido ao natural, sem qualquer conotação quanto à capacidade cognitiva deste. Se perceber que tal pergunta é para inferiorizá-lo quanto ao saber é muito capaz dizer quantos frutos havia antes e quantos sobraram depois. E complementando, caso expresse dúvida, precisarás contar todos e ele sabe como mexer no cacho, fazendo você perder tal contagem. Deixar que  tome-o por otário é o que ele nunca venderá barato. Sendo esse outro aspecto cultural.
 
O óbvio que é um professor do MIT no meio de uma tribo indígena, e mesmo entre poucas do espectro social brasileiro, já não é natural. Depois, mesmo que isso fosse possível, para precisar que esse sabe contar deveria, por exemplo, ir numa pescaria com um desses e quando esse já achasse que tinha pescado o bastante, tentasse fazer com que ele trouxesse um peixe a mais ou de menos. Ele iria mostrá-lo que sabe quantos precisa alimentar com o quantitativo que já pescado, em quantos pedaços os peixes serão repartidos, quem comerá cada pedaço. Ou seja, ele sabe contar, só não é usando ¨um¨,  ¨dois¨, ¨três¨..., como o professor decorou que se conta na tribo dele.
 
Outro exemplo bem simples é: se você perguntar para uma jovem indígena de algumas tribos brasileiras o porquê das listas que aparecem no seu rosto ser retas paralelas, ela não vai entender nada por não saber o que seja ¨retas paralelas¨. No entanto, caso você proponha pintá-la de tal forma que, quando ela ao olhar-se em espelho, perceba que os riscos se encontram, sabe qual seria a cara dela? Tal qual se uma jovem da cidade lhe pedir, digamos, antes de sair para sua festa de casamento, que você lhe passe batom e você lambuze todos os lábios dela.
 
Ou seja, culturalmente a indígena sabe o conceito matemático de paralelismo e concorrência de retas, aplica-o no seu cotidiano, mas não é da mesma forma que em outras tribos. Portanto, o conhecimento matemático é o mesmo, mas com diferentes formas de expressá-lo, aplicá-lo, denotá-lo, etc. Isso fica visível em quesito de prova de matemática aplicado em escala mundial pelo PISA/OCDE. Em língua inglesa, antes de perguntarem esclarecem que chamam dado como sendo um cubo especial em que suas faces opostas foram pintadas de tal forma que: a soma dos pontos dessas faces sejam sempre sete. Já para países como o Brasil, a mesma pergunta é como se essa hipótese que o caracteriza já fosse verdade sempre para todo que chamam por dado.
 
Entretanto, crianças muitas do Brasil, como foi o meu caso, para brincar de dado precisam, por exemplo, assar caroço de  mucunã (fruto seco), fazer um cubo e pintá-lo. Quanto o mais importante é pintar de um ao seis nas faces, independentemente de quais números fiquem em face opostas, pois isso não importa para jogar dado. E ninguém poderia chamá-las por isso, como fizeram com os resultados do PISA, de otária, dado que isso é da vivência, das oportunidades de cada um e do gosto pessoal até. Porquanto, não serve para dizer quem sabe mais ou menos matemática. Pior ainda, para fazer o que não existe: induzir qual é mais ou menos inteligente.
 
Finalmente, isso acontece no macro, mas não deixa de ocorrer no mundo micro de uma aula e isso explica muito, não tudo eu sei, do que estão chamando de fracasso do ensino da matemática no Brasil.
 
 

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