quinta-feira, 10 de maio de 2012

DAVID CRYSTAL E O 1º COLÓQUIO DA LUSOFONIA


 Recentemente o emérito linguista anglófono Professor David Crystal escrevia dizendo ”O Português parece-me que tem um futuro forte, positivo e promissor, garantido à partida pela sua população-base de mais de 200 milhões, e pela vasta variedade que abrange desde a formalidade parlamentar até às origens de base do samba. Ao mesmo tempo, os falantes de português têm de reconhecer que a sua língua está sujeita a mudanças, tal como todas as outras, e não se devem opor impensadamente a este processo.”

     “Quando estive no Brasil, no ano passado, por exemplo, ouvi falar dum movimento que pretendia extirpar todos os anglicismos. Para banir palavras de empréstimo doutras línguas pode ser prejudicial para o desenvolvimento da língua, dado que a isola de movimentações e tendências internacionais. O inglês, por exemplo, tem empréstimos de 350 línguas, incluindo Português, e o resultado foi ter-se tornado numa língua imensamente rica e de sucesso. A língua portuguesa tem a capacidade e força para assimilar palavras de inglês e de outras línguas mantendo a sua identidade distinta. Espero também que o desenvolvimento da língua portuguesa seja parte dum atributo multilingue para os países onde é falada, para que as línguas indígenas sejam também faladas e respeitadas, o que é grave no Brasil dado o nível perigoso e crítico de muitas das línguas nativas.[1]

Posteriormente contactei aquele distinto linguista preocupado com a extinção de tantas línguas e a evolução de outras, manifestando-me preocupado pelo desaparecimento de tantas línguas aborígenes no meu país e espantado pelo desenvolvimento de outras. Mostrava-me preocupado sobretudo pelos ismos que encontrara em Portugal após 30 anos de diáspora.

Mesmo admitindo que as línguas só podem ter capacidade de sobrevivência se evoluírem eu alertava para o facto de recentemente terem sido acrescentadas ao léxico 600 palavras pela Academia Brasileira em 1999 das quais a maioria já tinha equivalente em português.

Sabendo como o inglês destronou línguas em pleno solo do Reino Unido, tal como Crystal afirma no caso dos idiomas Cúmbrico, Norn e Manx, perguntava ao distinto professor qual o destino da língua portuguesa, sabendo que o nível de ensino e o seu registo eram cada vez mais baixos, estando a ser dizimados por falantes ignorantes, escribas, jornalistas e políticos sem que houvesse uma verdadeira política da língua em Portugal e alguns esforços para criar uma no Brasil.

A sua resposta[2] em março último pode-nos apontar um de muitos caminhos, que espero ver tratados neste fórum aqui hoje. Diz Crystal:

As palavras de empréstimo mudam, de facto, o caráter duma língua, mas como tal não são a causa da sua deterioração. A melhor evidência disto, é sem dúvida a própria língua inglesa que pediu de empréstimo mais palavras do que qualquer outra, e veja-se o que aconteceu ao Inglês. De facto, cerca de 80% do vocabulário inglês não tem origem Anglo-Saxónica, mas sim das línguas Românticas e Clássicas incluindo o Português. É até irónico que algumas dos anglicismos que os Franceses tentam banir atualmente derivem de latim e de Francês na sua origem.

Temos de ver o que se passa quando uma palavra nova penetra numa língua. No caso do Inglês, existem triunviratos interessantes como kingly (Anglo-saxão), royal (Francês), e regal (Latim) mas a realidade é que linguisticamente estamos muito mais ricos tendo três palavras que permitem todas as variedades de estilo que não seriam possíveis doutro modo. Assim, as palavras de empréstimo enriquecem a expressão. Até hoje nenhuma tentativa de impedir a penetração de palavras de empréstimo teve resultados positivos. As línguas não podem ser controladas. Nenhuma Academia impediu a mudança das línguas.

Isto é diferente da situação das línguas em vias de extinção como por exemplo debati no meu livro Language Death. Se as línguas adotam palavras de empréstimo isto demonstra que elas estão vivas para uma mudança social e a tentar manter o ritmo.

Trata-se dum sinal saudável desde que as palavras de empréstimo suplementem e não substituam as palavras locais equivalentes. O que é deveras preocupante é quando uma língua dominante começa a ocupar as funções duma língua menos dominante, por exemplo, quando o Inglês substitui o Português como língua de ensino nas instituições de ensino terciário. É aqui que a legislação pode ajudar e introduzir medidas de proteção, tais como obrigação de transmissões radiofónicas na língua minoritária, etc. existe de facto uma necessidade de haver uma política da língua, em especial num mundo como o nosso em mudança constante e tão rápida, e essa política tem de lidar com os assuntos base, que têm muito a ver com as funções do multilinguismo.

Recordo ainda que não é só o inglês a substituir outras línguas. No Brasil, centenas de línguas foram deslocadas pelo Português, e todas as principais línguas: Espanhol, Chinês, Russo, Árabe afetaram as línguas minoritárias de igual modo.”

Por partilhar a opinião do professor David Crystal espero que no final deste encontro possam os presentes voltar para os seus locais de residência com soluções e propostas viáveis deRepensar a Lusofonia como instrumento de promoção e aproximação de culturas sem exclusão das línguas minoritárias que com a nossa podem coabitar.



[1] Carta de David Crystal 16/02/2001 a Pedro Kaul do governo brasileiro, citada no fórum Ajudar Timor em 16/03/2001
[2] Carta de David Crystal ao autor (Chrys Chrystello) em 25 Março 2002

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