Timor-Leste. “Cada colher de arroz que os jovens comem, logo a seguir levam uma bofetada dos pais”
Por Edgar Xavier, publicado em 16 Maio 2012 - 03:10 | Actualizado há 16 horas 32 minutos
O novo presidente de Timor-Leste sucede a José Ramos-Horta no domingo, dia em que se assinala também o décimo aniversário da independência do país. Ao i garante que quer usar o serviço militar obrigatório para combater o desemprego
A expressão que está no título é usada por Taur Matan Ruak para descrever o estado actual da maioria dos jovens timorenses. O desemprego preocupa-o, mas defende e deseja que o serviço militar obrigatório seja visto como uma forma de “integração dos jovens no desenvolvimento do país”. A falta de acompanhamento dos jovens timorenses que estudam no estrangeiro é outra das suas preocupações e não se coíbe até de falar no “paternalismo” português que leva a que os estudantes que vêm estudar para Portugal não enfrentem o grau de exigência que deviam. “União” é a palavra de ordem e garante que “os timorenses estão determinados a avançar e não querem perder tempo.”
O bispo de Baucau diz que lhe falta “um bocado de ginástica diplomática”. Como reage a um comentário destes?
Ninguém nasce ensinado, estamos sempre em processo de aprendizagem, e se formos a ver a nossa vida é uma gestão de interesses na sociedade.
Mas não acha que este comentário foi um pouco desadequado?
Não, mas ainda bem que o bispo levantou esta questão. “Então de repente um militar torna-se presidente da República? O que é isto?”, terá ele pensado. Pessoalmente, não é o que me preocupa, mas sim o combate à pobreza e o desemprego. Todos os anos a taxa de desemprego entre os mais jovens sobe a um ritmo vertiginoso e a determinada altura não sabemos como resolver este problema. O serviço militar obrigatório é uma forma, mas não a única, de combater o desemprego e espero que seja compreendido unicamente como forma de integrar os jovens.
Mas esta medida também tem como objectivo pôr os jovens timorenses “na linha” e acabar de uma vez por todas com os grupos de artes marciais?
Durante a campanha presidencial estive em contacto com grupos de artes marciais e a grande preocupação deles era o desemprego. Muitos são casados, vivem com os pais e é uma pressão constante. “Cada colher de arroz que comemos, logo a seguir levamos uma bofetada dos pais”, dizem. Às vezes fico muito emocionado quando ouço histórias deste género.
E em alturas de maior aperto vai saber separar o coração da razão?
Cada decisão tomada é um teste ao nosso espírito de justiça. Punir os culpados e louvar os mais competentes é um dos traços de qualquer governante. Daí que cada caso seja um caso e não haja confusão entre o coração e a razão. As duas complementam-se e foi isso que guiou toda a minha vida. Depois de 36 anos dedicados ao nosso país, o facto de até hoje ser aceite na sociedade, ser respeitado, mostra uma total confiança do povo. Por exemplo, na crise de 2006, não há nenhum outro país no mundo que tenha conseguido resolver um problema como o nosso, com os rebeldes no mato, e sem disparar um único tiro.
Recentemente, a unidade hoteleira detida pela Fundação Oriente, o Hotel Timor, foi apedrejada por um grupo de pessoas no âmbito de uma manifestação não autorizada para assinalar o Dia do Trabalhador. O diferendo laboral com quatro funcionários do estabelecimento esteve na origem desta confusão. Que ilações se podem retirar deste tipo de comportamentos?
Eu não tenho informações pormenorizadas da situação, só pela imprensa. Já viu como é a reacção das pessoas quando perdem o emprego? São respeitados em casa e de repente são despedidos. No final acabam por se descontrolar, porque o pensamento vai logo para o passado. O acto em si é condenável. Apesar do direito ao protesto, partir vidros não é solução. O gerente do hotel até se disponibilizou para dialogar e é de louvar este acto.
É o que tem faltado, o diálogo.
Na minha opinião, perderam a paciência e aproveitaram o facto de ser o Dia do Trabalhador. Muitos dos que participaram na manifestação telefonaram para mim e para a minha mulher. Pusemos à disposição advogados para os ajudar, mas desta vez ultrapassaram os limites, é muito triste.
E relativamente à confusão gerada durante o congresso extraordinário da Associação Social- Democrata Timorense (ASDT), com a presença do ainda presidente José Ramos-Horta? [A meio do congresso, os militantes do partido envolveram-se numa zaragata, com cadeiras e mesas a voar na sala.]
É caricato. Isto mostra que é preciso, em primeiro lugar, haver um entendimento e só depois agir. Ramos-Horta juntou-se a uma facção ilegal, e que não é reconhecida pela lei. Mas tudo isto é um exercício de aprendizagem. [A ASDT foi fundada e presidida por Xavier do Amaral. A relação entre este último e o vice-presidente Gil Alves, ministro do Turismo, Comércio e Indústria, não era pacífica e as divergências políticas levaram à criação de um outro grupo dentro do próprio partido, o Bloco Proclamador. Antes de falecer, Xavier do Amaral pediu a Ramos-Horta que servisse de mediador entre a ASDT de Gil Alves e o Bloco Proclamador, de João Correia. No passado dia 28 de Abril, as divergências chegaram a vias de facto.]
Por falar em Ramos-Horta, o mesmo aconselha-o a enterrar o machado de guerra eleitoral e dialogar com a Fretilin de forma humilde e honesta. Conseguirá ser o árbitro e não apitar e jogar ao mesmo tempo?
Tem de haver um esforço de parte a parte e também de todos os timorenses. O nosso Estado almeja dois grandes objectivos, a paz e o bem-estar. Como presidente, naturalmente, tenho mais responsabilidade e tentarei imunizar interesses e pontos de vista para o bem do nosso país. Irei, obviamente, continuar a dialogar, não só com a Fretilin, mas também com os restantes 26 partidos, muitos deles recém-criados e que não têm a experiência e a forte liderança que a Fretilin detém. Com certeza será mais fácil lidar com a Fretilin, mas espero que não seja o contrário.
E receia que isto venha a acontecer?
A acontecer, será mais pela vaidade e o orgulho, mas espero que isso não suceda. Acredito na liderança da Fretilin e espero que continuem a contribuir para o bem do país. A função do presidente da República é unir os timorenses. Os líderes têm uma responsabilidade maior que todos os cidadãos e sabem como agir.
Numa entrevista recente, disse que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) não tem feito o suficiente para apoiar Timor-Leste no que à divulgação da língua portuguesa diz respeito. Na sua opinião, qual tem sido o maior entrave?
Primeiro há um desnível de desenvolvimento entre os membros da própria CPLP, daí as prioridades serem diferentes. Segundo, não há um esforço comum entre os membros da CPLP. É uma organização com um forte cariz político, os cidadãos pouco sentem essa união. No caso da língua, há dois países que se têm esforçado, Portugal e Brasil, os restantes têm os seus problemas.
O bahasa indonésio e o inglês não representam uma ameaça?
Sim, mas ainda não fizemos o suficiente. Fico contente por saber que recentemente 80 estudantes arrancaram para Portugal para prosseguirem os seus estudos. No entanto, em 2002 entristeceu- -me quando mandámos 300 estudantes e a maior parte deles foi parar a Inglaterra e à Irlanda, para trabalhar. Na altura faltou-lhes um acompanhamento intensivo.
E não receia que venha a acontecer o mesmo com estes 80 estudantes?
Tudo vai depender da forma como os formos acompanhando, porque trata-se de um problema de integração. Sei que hoje a nossa embaixada tem adidos da educação, que acompanham permanentemente a situação dos jovens. É importante verificar se está tudo a correr bem, desde o alojamento, passando pela alimentação, entre outras coisas.
No entanto, os alunos que vão estudar para a Austrália ou mesmo os Estados Unidos também enfrentam as mesmas dificuldades mas acabam por alcançar os objectivos propostos. A integração dos estudantes também tem a ver com a maneira como o país anfitrião os recebe?
O maior problema é o acompanhamento e os alunos enfrentam problemas de variadíssima ordem, desde assistência médica até outros mais simples. Tudo isto influencia o seu pensamento e por vezes ficam de rastos e desistem facilmente. Cuba e Filipinas são bons exemplos, os alunos adaptaram-se bem e é importante a preparação que levam daqui de Timor-Leste. Eu receio que em Portugal possa haver um pouco de paternalismo. Enquanto os estudantes que vão para Cuba ou as Filipinas estão sujeitos àquelas regras e cumprem-nas, em Portugal há muita permissividade, tudo porque é o “timorense coitadinho”.
Mas este estigma do “timorense coitadinho” devia ser afastado.
Mas não afastam e muitas vezes este tipo de atitude faz com que não haja um sentido de disciplina e de entrega. Por exemplo, há uma estudante timorense em Coimbra a estudar Medicina já faz dez anos. Qualquer estudante português que chumbe é corrido da universidade. E isto não é nada benéfico. Em contraste, existem estudantes que são enviados para a Austrália para estudar na Academia Militar. Numa primeira fase têm três anos de Inglês e só depois é que se mudam para a Austrália. Só com nível 6,5 é que estão habilitados a entrar na Academia Militar. No Japão o problema é bem mais complexo. Nos testes é-lhes pedido que respondam a dez perguntas em dois minutos, uma coisa básica para estudantes da primária. Os nossos estudantes timorenses, mesmo com grau universitário, não conseguem resolver e da embaixada japonesa questionam: “General, isto é básico, como é que eles podem aguentar o ritmo se lhes faltam as bases?” Mas nem tudo é negativo, porque em Cuba a melhor estudante entre os estrangeiros era timorense e foi ela a representante para discursar ao lado de Fidel Castro.
Em jeito de conclusão, quais as suas expectativas para as eleições legislativas do dia 7 de Julho?
Para as presidenciais tivemos 12 candidatos e isto representou um teste à paciência do nosso povo. Agora, com 26 partidos, é necessária muito mais. Estou muito optimista e os timorenses estão determinados a avançar, não querem perder tempo. Timor-Leste tem condições financeiras, tem vontade política e acho que este é o momento para avançarmos. Até lá vamos continuar a trabalhar em prol da paz.
Em Dili, Timor-Leste
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