quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Acordo ortográfico: contra fatos não há alfaiates

04/01/2010 @17:30

Acordo ortográfico: contra fatos não há alfaiates

por Marco Santos
O que escrevi em Junho de 2008 continua a ser a minha opinião, quase dois anos depois. O acordo ortográfico não me causa taquicardia literária. Mais tarde ou mais cedo, acabarei por adaptar-me à nova grafia e escrever exactamente como tenho escrito até hoje. Também não me sentirei menos português por causa disso.
Chateia-me ouvir portugueses dizer que estão contra o acordo ortográfico porque não querem escrever como os brasileiros. Eu ficava mais descansado se essas tomadas de posição fossem em defesa da língua portuguesa bem escrita, com ou sem acordo. E acho notável que se fale de uma revisão ortográfica como se esta implicasse uma mudança na estrutura do nosso idioma.
Sempre me ensinaram na escola que ortografia é uma coisa, gramática é outra. Talvez um professor de Português tenha a amabilidade de explicar ao pessoal qual delas é mais importante para a consistência da nossa língua, a ortografia ou a gramática.
Estejam descansados: mesmo depois desse detestável acordo ortográfico entrar em vigor à séria, uma portuguesa continuará a ter um cu e uma brasileira uma bunda.
Mas a propósito de não querer escrever como os brasileiros, experimentem dizer bunda e cu em voz alta e depois digam-me lá qual das palavras vos parece mais rechonchuda. Cu têm as mães de Bragança. E quem tem cu tem medo. Medo de mudar.
Vivemos demasiados anos sob uma ditadura que incentivava a ignorância. Fizeram-nos uma lavagem ao cérebro de tal maneira que continuamos a sentir o «orgulhosamente sós» do Salazar como a manifestação de um sentimento patriótico – o que essa expressão realmente revela é estupidez e uma mentalidade bota-de-elástico. Desejo que o meu país acompanhe a evolução dos tempos, não o quero ver refugiado numa redoma linguística à conta do orgulho. E digam-me, qual orgulho? O orgulho de ser um país prestador de serviços em vez de ser um país produtor?
Há outro pormenor que escapará a algumas pessoas: desde a Revolução de Abril que deixámos de ser donos da Razão e, por conseguinte, desculpem-me os detractores do acordo, é uma enorme pretensão da nossa parte afirmar que ocupamos o incontestável trono da língua portuguesa quando não somos a única nação a escrevê-la e falá-la. Soberba Universalidade! Se pensássemos sempre desta forma, ainda estaríamos todos a pedir dinheiro emprestado em Latim. Este não mudou, realmente, e se calhar é por isso que se diz que é uma língua morta.
Portanto a questão aqui é deixar de nos vermos como os reis da moralidade linguística e aceitar que a nossa maravilhosa língua está viva e é para partilhar, não para se deixar segregar neste pequeno retângulo.
Por último, essa história do facto que passa a fato é a maior treta de todas. Em primeiro lugar, porque o «c» só cai quando é mudo – não é o nosso caso, pois dizemos facto e não fato. Ainda assim, quem ouve este pessoal falar em «vestir factos» julga que foi este acordo ortográfico a introduzir na nossa língua as palavras homónimas, ou seja, palavras que se escrevem e pronunciam da mesma maneira, mas têm significados diferentes.
Que vamos fazer então ao rio, que tanto pode ser verbo como nome comum? Vamos drená-lo? O rio atravessa a cidade, eu rio com facilidade. Não causa estranheza porque já estamos habituados, não é? E que vamos fazer nós ao ser, valha-nos Deus? Vocês são gajos porreiros, mas aquele ali não é um indivíduo são da cabeça. E a pobre rapariga que se chamar São? Já devia ter mudado de nome! E os nossos pobres santinhos? Isto é um escândalo!

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