Português do mar alto
Não sei já a que propósito, num qualquer escrito que enviei para oExpresso das Nove, ironicamente, localizei o texto na ilha de Coimbra. O Eduardo Jorge Brum achou piada (ainda bem que ainda há quem decifre o humor…) e, vai daí, agita esse chiste e devolve-mo como assunto sério. E é! Quem disse que a ironia era coisa mesquinha?
Pois pede-me ele agora que deslinde a ironia. Aqui vai, portanto, este depoimento quase catártico, baseado, antes de mais, no aprendizado de Ortega y Gasset (ainda há quem dele se lembre?) que proclamava "eu sou eu e a minha circunstância". Circunstância dos tempos e tempo de circunstâncias – eis, pois, por que Coimbra, aonde aportei há quarenta e cinco anos, seja para mim um espaço rarefeito, de onde se deve partir no momento em que se aviste no Mondego um cais de aventura.
Para que não haja insularização, entenda-se. Pressupõe esta legítima viagem um aprendizado de navegante pela cultura europeia e um afastamento das margens localistas, regionalistas, nacionalistas, chauvinistas, pechenchinhas. E exige atentos olhos de arrais para a decifração das tormentas e das bonanças – porque são imprevisíveis as rotas europeias e os seus campos magnéticos desregulam amiúde as agulhas de marear.
Ora, isto vale tanto para Coimbra como para qualquer povoado, ainda que não seja praia nem tenha rio. Navegar é preciso…estão-me entendendo?
Vem isto a propósito da estafada insularidade como desculpa ou fatalidade, como prosápia ou jactância, como, pior ainda, como afeição masoquista ou cançoneta de bonifrate. Basta ler um jornaleco insular para que a aflição se instale perante a iminência da mediocracia.
Vale a pena recordar o que Miguel Torga registou no Diário XI, quando passou pela Terceira, no dia 18 de Março de 1970 :"Insularidade! – ponderei. – Mas insular é o próprio continente português, cercado de solidão por todos os lados! Insular é o próprio globo em relação ao mundo universo! O que são as viagens à lua, senão tentativas de fuga à insularidade da Terra? A insularidade é uma situação, não é uma condenação".
E a terminar a reflexão: "«Português do mar alto» chamou alguém ao homem açoriano. Mas não é fácil às vezes compreender que empoleirado numa gávea de terra se pode ver mais do que sentado num café de Paris…".
A questão está, com efeito, em enxergar o mundo, em decifrar o planeta como casa comum – ser "português do mar alto". E, assim, cá estou eu no ilhéu de Santa Clara, ao largo da ilha de Coimbra, teimando em não ser insulado – enquanto a vida me conceder esta vantagem e puder esbracejar contra qualquer território intelectual exíguo.
Pois pede-me ele agora que deslinde a ironia. Aqui vai, portanto, este depoimento quase catártico, baseado, antes de mais, no aprendizado de Ortega y Gasset (ainda há quem dele se lembre?) que proclamava "eu sou eu e a minha circunstância". Circunstância dos tempos e tempo de circunstâncias – eis, pois, por que Coimbra, aonde aportei há quarenta e cinco anos, seja para mim um espaço rarefeito, de onde se deve partir no momento em que se aviste no Mondego um cais de aventura.
Para que não haja insularização, entenda-se. Pressupõe esta legítima viagem um aprendizado de navegante pela cultura europeia e um afastamento das margens localistas, regionalistas, nacionalistas, chauvinistas, pechenchinhas. E exige atentos olhos de arrais para a decifração das tormentas e das bonanças – porque são imprevisíveis as rotas europeias e os seus campos magnéticos desregulam amiúde as agulhas de marear.
Ora, isto vale tanto para Coimbra como para qualquer povoado, ainda que não seja praia nem tenha rio. Navegar é preciso…estão-me entendendo?
Vem isto a propósito da estafada insularidade como desculpa ou fatalidade, como prosápia ou jactância, como, pior ainda, como afeição masoquista ou cançoneta de bonifrate. Basta ler um jornaleco insular para que a aflição se instale perante a iminência da mediocracia.
Vale a pena recordar o que Miguel Torga registou no Diário XI, quando passou pela Terceira, no dia 18 de Março de 1970 :"Insularidade! – ponderei. – Mas insular é o próprio continente português, cercado de solidão por todos os lados! Insular é o próprio globo em relação ao mundo universo! O que são as viagens à lua, senão tentativas de fuga à insularidade da Terra? A insularidade é uma situação, não é uma condenação".
E a terminar a reflexão: "«Português do mar alto» chamou alguém ao homem açoriano. Mas não é fácil às vezes compreender que empoleirado numa gávea de terra se pode ver mais do que sentado num café de Paris…".
A questão está, com efeito, em enxergar o mundo, em decifrar o planeta como casa comum – ser "português do mar alto". E, assim, cá estou eu no ilhéu de Santa Clara, ao largo da ilha de Coimbra, teimando em não ser insulado – enquanto a vida me conceder esta vantagem e puder esbracejar contra qualquer território intelectual exíguo.
VASCO PEREIRA DA COSTA
Poeta
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