Diálogo inter-religioso e intercultural – Um Desafio adiado
Será que o Islão é agressivo?
António Justo
O
incremento do diálogo inter-religioso e intercultural, necessário para
assegurar a paz e a boa convivência entre os diferentes grupos, é
contrariado por uma praxis agressiva que se dá em nome da ideologia e da
religião. Actualmente, a religião mais perseguida é a cristã com um
número de vítimas superior a 105.000 em 2012, segundo regista o
“Observatório da Liberdade Religiosa”. A grande maioria das vítimas
regista-se nos países islâmicos e comunistas. Um outro aspecto muito
dificultador do diálogo intercultural é o facto de os grupos islâmicos
imigrados se isolarem e exigirem para os seus grupos direitos que não
reconhecem aos outros nos seus países. Isso é sentido por muitos
cidadãos europeus como uma atitude não transparente numa tática de
conquista suave. A Noruega já proibiu a Arábia Saudita de financiar
mesquitas enquanto não permitirem a construção de igrejas no seu país. O
ministro dos negócios estrangeiros norueguês Jonas Gahr Stor defende a reciprocidade de relações entre países e culturas e já anunciou que a “Noruega levará este assunto ao Conselho da Europa”.
Cada
cultura nasceu duma religiosidade que se expressa num conteúdo de fé à
volta do qual construiu a correspondente identidade. Assim se foram
formando identidades contra identidades: umas mais guerreiras, outras
mais pacíficas. Sob a capa da luta religiosa escondem-se tendências
hegemónicas que em nome da religiosidade afirmam constructos de poder
dominadores da pessoa e doutros grupos. O islão é hoje, com o sistema
político chinês, o sistema com mais potencialidades de expansão e
“conquista”, porque não permitem a formação de consciência alternativa.
Experiência acrescida
O
escritor Martin Walser, ao falar de religião, diz: “Religião é uma
maneira de expressão como literatura, pintura, música…, fé é uma
capacidade, um talento”. Religião é também uma experiência humana
enriquecedora que fomenta a vida interior e alarga o horizonte humano ao
procurar o desconhecido. A experiência da fé é pura e única, acontece
para lá dos credos, das imagens, dos dogmas, dos mitos e das culturas.
Estas deveriam preparar o caminho para a vivência do inefável na
vivência da paz universal. O brilho não vem da capacidade lógica mas do
talento da fé (vivência) amorosa, ao contrário dos poderes que se
aproveitam daquela ânsia genuína humana.
Só
temos uma terra com muitos sistemas ecológicos naturais/culturais e com
grande diversidade. A diferença é uma constante num mundo feito de
retalhos complementares. Se se pretende a paz verdadeira, a afirmação da identidade pela diferença não pode deixar de reconhecer o seu caracter subsidiário em relação ao todo.
Iniciativa histórica
Uma
iniciativa histórica em prol do diálogo inter-religioso foi a criação
da “Jornada Mundial de Oração pela Paz” em 1986 (em Assis, Itália), por
iniciativa do papa João Paulo II, onde cristãos, judeus, budistas,
muçulmanos e representantes de religiões africanas e americanas se
reuniram para rezar pela paz mundial. Joao Paulo II queria iniciar assim
uma “viagem fraterna” dos diferentes caminhos das religiões na procura
da Verdade. Isto pressupõe o diálogo inter-religioso como caminho das
religiões no sentido de afirmar a dignidade do Homem e da natureza, onde
todos se empenham em minorar as causas do sofrimento de pessoas e
grupos e onde verdades coexistem de modo a possibilitar a probabilidade
que leva ao desenvolvimento.
Para
se falar dum diálogo inter-religioso que honre o seu nome teria de se
pressupor que cada um dos parceiros reconhecesse a liberdade religiosa e
respeitasse a decisão individual. O Vaticano II reconheceu esse direito
mas as elites do islão não o reconhecem, tropeando assim qualquer forma
de diálogo. Aposta no querer ter razão, substituindo assim a
experiência interior (fé) por um sonho intelectual, por uma estratégia
de dividir para dominar. Os muçulmanos que vivem no ocidente, talvez,
num dia distante, provoquem uma espécie de concílio islâmico que o torne
compatível com outras culturas.
Direitos humanos em conflito com direitos culturais
Na
sociedade ocidental domina o primado do direito (direitos do Homem) e
da democracia enquanto nas sociedades de influência árabe domina o
primado da religião e do grupo. Enquanto o Ocidente educa o cidadão para
o respeito dos direitos individuais, as elites muçulmanas empenham-se
na afirmação dos seus valores culturais religiosos à custa dos direitos
pessoais; partem também duma posição dogmática que não reconhece à
sociedade permissiva o direito de exigir contrapartidas na práxis.
Muitas vezes, lutam pela imposição e reconhecimento legal dos seus
costumes (direitos culturais contra direitos individuais) sem se
preocuparem com o espírito base das leis dos países de acolhimento. O
próprio direito europeu e direitos nacionais europeus já têm sofrido
retrocesso chegando a consignar valores culturais como superiores ao
valor da pessoa humana: prática da circuncisão (RFA), imposição das leis
da sharia em questões de divórcio (Inglaterra), imposição de ementas
próprias em instituições públicas, isenção de aulas de biologia e de
ginástica para mulheres, etc.
Uma minoria hermeticamente fechada e uma maioria indiferente
É
notória a falta de cooperação entre os grupos minoritários e o grupo
maioritário. Praticamente este só cede, sem contrapartidas. Da parte da
sociedade acolhedora (cristã) observa-se uma atitude que vai da
tolerância à indiferença. A parte maometana permanece dogmática. Quem se
julga na posse da verdade não está disposto a procura-la. Não há
disponibilidade enquanto dominar a doutrina declarada dum Islão
autossuficiente, hegemónico, totalizante e intolerante. As comunidades
maometanas encontram-se demasiadamente preocupadas na sua afirmação como
grupo para poderem reconhecer os outros bem como a diversidade de
necessidades individuais dos próprios membros. Não comportam lugar para a
diferença. Por isso os países muçulmanos oprimem e discriminam quem não
professar a sua fé porque consideram a opinião diferente como um
atentado a uma ideologia que quer tudo igual. Talvez vejam na religião
muçulmana o potencial de poder a contrapor ao imperialismo económico.
Respondem a um imperialismo com outro imperialismo; um abusa dos
cidadãos (democracia), o outro abusa da crença.
Cada
cultura faz a sua interpretação do mundo, do homem e da sociedade com
diferentes metáforas. Cada religião tem a sua maneira de equacionar e
enroupar o misterioso transcendente. Este não pode ser exclusivo dum
biótopo religioso nem duma experiência cultural antropológica ou
sociológica. Cada pessoa, cada biótopo natural/religioso tem algo de
diferente que o vizinho não tem. Para se reconhecer a diferença é
necessário depor-se as armas do combate e da conquista para se permitir o
crescimento espiritual no próprio biótopo religioso.
No
reino da ecologia os biótopos, as realidades/verdades encontram-se,
umas ao lado das outras, sem a necessidade de se negarem. Também deveria
ser lógico e natural que num ‘biótopo’ cultural muçulmano fosse
possível a coexistência, sem perseguição nem discriminação de outras
religiões e vice-versa. Também deveria ser natural que cada religião se
sentisse, intra muros, como a melhor sem necessidade de negar as outras.
A não existência de acordos bilaterais suborna a cultura ocidental
Na
Europa, a discussão intercultural e inter-religiosa é orientada apenas
para o folclore religioso cristão, judeu, hindu e muçulmano sem que se
expresse algo das suas filosofias, antropologias, sociologias e
teologias. Assistimos a abordagens superficiais em curto-circuito ou com
afirmações e negações reducionistas à medida do politicamente correcto.
Os governos e a sociedade laica não estão interessados numa discussão
pública objectiva porque, a fazê-lo, o seu actuar seria questionado
pelos interesses democráticos da sociedade acolhedora. Nos conflitos
específicos maometanos com a sociedade maioritária, o politicamente
correcto está interessado em reconhecer neles apenas questões de
religiosidade individual. Reina o interesse, o medo. Também a Igreja não
pode falar claro porque se o fizesse logo os cristãos que vivem em
estados muçulmanos seriam objecto de maior discriminação e perseguição.
Por
várias razões, o Estado laico não se tem preocupado com o diálogo
intercultural internacional nem em estabelecer acordos bilaterais a
nível de direitos de religião. Com o tempo, devido à presença massiva
muçulmana, os estados europeus ver-se-ão na necessidade de reconhecer
valor ao diálogo inter-religioso, tendo de o colocar na agenda das
convenções internacionais.
A
sociedade civil, ao não exigir bilateralidade na concessão de direitos
religiosos, está a subornar a cultura ocidental e a contribuir para um
futuro muito problemático. Enquanto o mundo cristão se empenha em
propagar a tolerância possibilitando o exercício livre do islão e a
construção de mesquitas na Europa, os estados muçulmanos como a Arábia
Saudita, a Turquia e os países muçulmanos em geral, proíbem a construção
de igrejas, sinagogas e escolas nos seus países, e, por outro lado,
financiam a promoção do islão e a construção de mesquitas no
estrangeiro. A tolerância religiosa ocidental é por vezes interpretada
pelos que se aproveitam dela como sinal de fraqueza e como
reconhecimento da superioridade do islão. Não compreendem que um grupo
com convicção de verdade religiosa possa aceitar o outro. Em
termos de poder e de estratégia, a atitude hegemónica muçulmana tem-se
revelado como óptima para a sua ofensiva. Os estados europeus, ao
considerarem a religião subjacente à própria cultura como coisa privada,
e ao reconhecerem, por outro lado, o islão, como expressão religiosa,
política e social desestabilizam o Estado laico e ao mesmo tempo reduzem
a posição da maioria cultural e cristã ocidental ao nível duma minoria.
Aquela
tolerância que parecia haver na Europa entre crentes, agnósticos e
ateus tornar-se-á cada vez mais frágil atendendo à afirmação dum islão
rígido, resistente à integração, que tende a qualificar e legitimar os
cidadãos na categoria de crentes e de ímpios. Na Post-democracia a
sociedade dá indícios de querer orientar-se já não por princípios de
democracia partidária mas, paulatinamente, possibilitar a representação
do poder estatal por grupos étnico-religiosos. A sociedade cede assim a
sua concepção duma sociedade construída na base de valores e direitos
humanos (filosofia cristã) a uma sociedade construída na base de valores
e direitos não individuais mas culturais (filosofia islâmica).
Caminho difícil
O
diálogo com o islão torna-se muito complicado porque este se definiu e
define sobretudo na demarcação em relação ao judaísmo e ao cristianismo.
Uma hipótese de diálogo estaria no caracter ambivalente (confuso) em
que suras (versículos) do Corão se contradizem. A sua ambiguidade
poderia possibilitar uma interpretação que acentue as suras do Corão
benévolas em relação ao judaísmo e ao cristianismo. De facto, no Corão
há as suras provenientes da primeira fase (Meca) em que Maomé era
benévolo em relação ao cristianismo e ao judaísmo e as suras posteriores
(de Medina) que são aguerridas contra o Cristianismo e o judaísmo. Nas
mesquitas, os imames orientam-se por estas últimas. Por outro lado o
islão só reconhece os crentes de Alá, não conhecendo a ideia do amor ao
próximo como no caso do cristianismo e do judaísmo. Também por isso
nunca se ouve uma autoridade islâmica criticar publicamente os
terroristas islâmicos. Dado a ambivalência facilitar também a
arbitrariedade, seria porém fácil demostrar aos fundamentalistas
islâmicos que o seu fundamentalismo é relativizado pelo mesmo Corão,
doutro modo teriam de aceitar que Deus muda de ideia na passagem da fase
do Corão em que Maomé vivia em Meca para a outra fase em que passou a
viver em Medina.
O
diálogo entre islão e cristianismo é difícil de tratar, atendendo às
diferentes abordagens e perspectivas com que pode ser exposto e aos
interesses a elas implícitas e às diferentes sociologias e antropologias
subjacentes a cada cultura. Um outro factor dificultador do diálogo vem
da estratégia humana de argumentação, uma argumentação para ter razão, e
que para defender uma posição como verdadeira tende a declarar a outra
como falsa. Este extremismo tem sido acentuado especialmente a partir do
iluminismo sob o manto do espírito crítico e cientista.
A
discussão hodierna entre judeus, cristãos e muçulmanos procura partir
dos pontos que os une. O Vaticano II afirma mesmo que os muçulmanos
acreditam no mesmo Deus que judeus e cristãos. Isto embora entre as
concepções de Deus haja diferenças enormes.
Uma
exegese islâmica, que desse prioridade às suras do Corão da sua
primeira fase, em que Alá era benigno, possibilitaria um diálogo
autêntico.
O
diálogo entre cristãos e judeus torna-se mais fácil. As diferenças não
provocam conflitos na convivência social, dado a súmula do Antigo e do
Novo Testamento se resumirem na mesma premissa “Ama a Deus e ao próximo
como a ti mesmo”. No Cristianismo, como no judaísmo, o caminho de Deus
passa pelo próximo e o próximo é o outro, o diferente. O caminho do
Homem passa por Deus no próximo e no mundo. Na prática o resumo da
Bíblia é “não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. Deus
é o mesmo, o resto tradição.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
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