A variação linguística e o ensino de Língua Portuguesa: nota dos autores da Coleção Viver, Aprender
O ensino da norma culta x norma popular
Por Heloisa Cerri Ramos
Um item que está presente no volume “Por uma vida melhor”, da Coleção Viver, Aprender, 2º segmento do Ensino Fundamental, na seção de Língua Portuguesa, publicada pela Editora Global, está provocando estranhamento entre professores e não professores. Corresponde ao capítulo 1, de Língua Portuguesa, “Escrever é diferente de falar”.
Esse capítulo discute a diferença entre aprender a falar uma língua e aprender a escrever essa mesma língua. Aprendemos a linguagem oral (informal) desde que nascemos, ouvindo os outros falarem. O ensino para esta modalidade da língua não se dá pela sistematização. Não é necessário ir para a escola para aprender a falar. Já para aprender a escrever é preciso que alguém ensine. Intencionalidade e sistematização são necessárias para o ensino da linguagem escrita .
O capítulo chama a atenção para algumas características da linguagem escrita e para uma variedade da Língua Portuguesa (existem inúmeras outras): a norma culta, também conhecida como norma de prestígio. Pretende defender que cabe à escola ensinar as convenções ortográficas e as características da variedade linguística de prestígio justamente porque isso é valorizado no mundo do trabalho, da produção científica e da produção cultural. E ainda que o domínio da norma de prestígio não se dá de um dia para o outro, mas de modo gradual, constante e pela intensa prática e reflexão sobre seus usos.
Na p. 14, “A concordância entre as palavras”, apresenta-se como as palavras concordam em gênero e número. A seção fala da importância desse princípio da língua para a atribuição de sentidos, uma vez que a concordância ajuda a indicar a relação que existe entre determinadas palavras. Exemplifica como isso se dá na norma culta e mostra que na norma popular pode acontecer de maneira diferente. Assim, a frase: “Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados.”, onde ocorre concordância de todos os elementos que se relacionam com a palavra central “livros”, pode ser dita na variedade popular: “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”. Na variedade popular, basta que a palavra “os” esteja no plural para indicar mais de um referente. Um falante da Língua Portuguesa, ao escutar alguém falar “os livro”, vai entender que a frase se refere a mais de um livro. Isso porque a nossa língua admite esta construção. Não admitiria, no entanto, “livro os ilustrado”. Nenhum falante, escolarizado ou não, falaria assim.
Na p. 15, continua: “Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar ‘os livro’?. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. ” Aqui o importante é chamar a atenção para o fato de que a ideia de correto e incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da língua adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa. Como se aprende isso? Observando, analisando, refletindo e praticando a língua em diferentes situações de comunicação. Quando há conhecimento das muitas variedades da língua, é possível escolher a que melhor se encaixa a um contexto comunicativo.
Aprende-se a falar e a escrever a norma de prestígio praticando-a constante e intensamente. Decorar regras ou procurar palavras no dicionário têm importância para determinadas situações pontuais, mas não garantem que alguém aprenda a escrever com fluência e adequação, em diferentes situações comunicativas. É dever da escola e direito do aluno aprender a escrever, a ler e a falar os diversos gêneros textuais que circulam na sociedade em que vivemos.
O mundo contemporâneo exige pessoas capazes de usar a língua eficientemente para ler, escrever e falar tanto nas relações interpessoais, como no trabalho, nos estudos, nas redes sociais, na defesa de direitos, nas práticas culturais e até no lazer.
É um direito de todos os cidadãos ter essa formação linguística competente. É dever da escola a responsabilidade de promover tal fomação, especialmente dos profissionais do ensino da alfabetização e da Língua Portuguesa.
* Os livros da Coleção Viver, Aprender, 2º segmento do Ensino Fundamental, seção de Língua Portuguesa, publicados pela Editora Global, têm como fundamento os documentos do Ministério da Educação (MEC) para o Ensino Fundamental regular e Educação de Jovens e Adultos (EJA) e levam em conta as Matrizes que estruturam as avaliações (ENCCEJA – Exame Nacional de Certificação de Jovens e Adultos).
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