“Devemos reflectir sobre o ensino do português”: Ana Moura, directora do Centro de Estudo Portugueses
Por Helder Fernando | 24 Ago 2012 | Enviar por emailCom menos de 3 meses de existência, o Centro de Estudos Portugueses (Clube – P) encaminha as acções por processos algo inovadores. Entre cursos para crianças e adultos, está para breve uma oficina de literatura que incluirá um romance em folhetim semanal, online, de autoria do académico Luís Carmelo que deverá provocar muita interactividade. Ana Moura afirma: “é preciso utilizar o que se aprendeu”. Ou seja, continuar a falar português.
Após os Cursos de Verão, para crianças e adultos, que iniciativas próximas projecta o Clube – P?
Para além daquilo que denominamos Oficinas, vamos arrancar com novos cursos a 10 de Setembro: um curso geral para crianças, acontecendo que daremos português como língua estrangeira e português como língua materna tanto para adultos como para crianças. No ensino do português como língua estrangeira, teremos cursos gerais divididos pelos níveis iniciação, elementar e avançado. As respectivas inscrições, feitas no Centro, estarão abertas a partir do dia 3.
Porquê a opção também por crianças de língua materna portuguesa?
Para abranger as que estudam em escolas internacionais, apesar de serem crianças portuguesas. Como grande parte do dia falam e escrevem inglês, com os nossos cursos específicos a língua portuguesa acompanhará completamente a sua evolução como estudantes. Mesmo nos casos em que os pais sejam ambos portugueses, não é suficiente as crianças terem aquele curto contacto com a língua mãe, quase apenas ao fim do dia. Tal como existem os exemplos em que um dos cônjuges não domina o português, sendo o inglês a língua que mais se fala em casa.
Nas crianças, esses exemplos são numerosos. E nos adultos?
Temos também cursos de português para adultos porque há muitos exemplos em que o marido ou a mulher não é português. Por exemplo, temos uma aluna australiana, um aluno indiano, etc.
Quanto a horários?
Para crianças, o horário pós-escolar, depois das 15 horas até às 17, alguns dias até às 18 horas. Para os adultos temos cursos das 17.30 às 19 horas e das 19 às 20 e 30.
Sobre os materiais utilizados no Centro…
Estamos a utilizar manuais de Portugal e outros que nós próprios concebemos. Inclusivamente, temos material interactivo, como é o caso, por exemplo, de um quadro interactivo com o respectivo software, ou outros que nos permitem criar o nosso próprio material com grande banco de imagens, produção de áudio com múltiplos recursos, etc. Deste modo temos aulas muito mais interactivas com audição, gravação da voz do aluno e, quer a parte escrita quer a parte oral pode, ser capturados para outros computadores.
O Centro trabalha já com base no novo acordo ortográfico?
A opção que o Centro fez foi trabalhar com base no novo acordo.
Este Centro de Estudos Portugueses pretende ser alternativa ou complemento?
Claro que o Centro é um complemento, o nosso objectivo é o ensino e divulgação da língua portuguesa, da cultura da língua, como é inerente e bom que assim seja. Essa é a riqueza quando se aprende o funcionamento da língua.
E também estimulando o afecto?
Absolutamente! O que se pretende, a crianças e adultos, é que se criem laços de afectividade com a língua portuguesa, com este mundo da cultura. Não necessariamente ficarmos pela cultura portuguesa, mas a cultura ou culturas lusófonas, utilizando este termo. A afectividade entra sempre que apelamos aos sentidos e aos sentimentos, quer com os textos, quer com a música, quer com as imagens. A nossa forma de comunicar é na base do olha quem fala, olha quem cheira, olha quem sente. Em todas as nossas aulas há o apelo a este sentir, a estes laços afectivos.
Falou de Oficinas…
Vamos ter Oficinas de português língua materna – que será a “hora do conto”, “riscos e rabiscos”, “pintar a música” e “dar à língua”. Chamamos Oficinas porque pretendemos criar situações concretas de comunicação, temos várias actividades sendo o português o instrumento. Estas oficinas funcionam 2 vezes por semana. Para já, naturalmente que não temos a pretensão de que os alunos atinjam os objectivos de forma a fazerem equivalências. Até podemos vir a organizar cursos destinados a equivalências, mas nesses casos terá de existir uma carga horária muito superior, no mínimo 4 horas semanais.
E oficinas para adultos?
Essa é que é a grande novidade! A partir do dia 15 de Setembro, as inscrições já estão abertas, teremos uma Oficina de Literatura direccionada a adultos bastante fluentes em português. Será totalmente dedicada a um projecto de um escritor português, o académico Luís Carmelo que vai editar um romance em forma de folhetim semanal na plataforma internet. Inspirados neste projecto do professor Carmelo, o Centro de Estudos Portugueses criou esta Oficina de Literatura com a duração de 1 ano lectivo repartido em 2 horas por semana. Quem se inscrever terá automaticamente direito à propina do curso em geral, onde está incluído o romance que mencionei.
Falando dos programas, são reconhecidos pelos Serviços de Educação e Juventude?
Todos os programas são reconhecidos pela DSEJ, essa é a regra.
Há mais procura ou mais oferta para o ensino do português em Macau?
Não me cabe estar totalmente dentro de todos os dados e fazer esse balanço. O que sabemos é que há um alargado e crescente número de interessados em aprender a língua portuguesa.
Imaginou erguer este Centro de Estudos porque teve a ideia de haver uma corrida ao ensino do português?
Quando abri este Centro pensei fundamentalmente em duas situações: em Macau as crianças quer tenham português de língua materna quer não, têm oportunidade de aprender a língua, independentemente de ela ser ou não obrigatória na escola. Temos muitas escolas em Macau que não ensinam português. Por outro lado, temos uma Escola Portuguesa, mas temos pais que optam por colocar os filhos noutras escolas. Naturalmente que não me cabe julgar essas opções, apenas constatar a realidade. Estando as crianças numa idade fabulosa para aprender uma língua, principalmente logo depois dos 3 ou 4 anos, a minha primeira ideia foi dedicar inteiramente o Centro aos mais novos, dar-lhes oportunidade de aprender, de contactar estreitamente, metodicamente, a língua portuguesa.
Como observa o crescente número de interessados em aprender português em Macau?
Na maioria dos adultos será por razões práticas conhecidas, razões profissionais, tanto no caso de enquadramento no funcionalismo público, como nas relações da China com os países de língua portuguesa. E ainda por motivos afectivos relacionados com familiares ou amigos que falam português e o adulto quer estreitar melhor esses laços, a noção de que aprender uma língua e possuir mais um importante instrumento de trabalho.
É difícil para quem chega a Macau deparar com alguém a falar português, do polícia ao taxista.
Essa realidade pode ter a ver com políticas oficiais. Uma das razões que me levou a erguer este Centro de Estudos Portugueses foi também esse facto, e acreditar ser possível obter resultados. às vezes pode existir muito, mas depois os resultados não correspondem. Uma coisa é certa: há um grande investimento em Macau no ensino do português, essencialmente pela parte oficial. O governo da RAEM faz questão de investir fortemente nesta área. Como nós, à nossa proporção, também investimos quando resolvemos criar este Centro. Se compararmos o investimento de Portugal no ensino do português em Macau, com o modo como o governo da RAEM o faz, há uma distância muito grande.
Em termos práticos, acha que os resultados correspondem ao investimento?
Acho que não, mas estou certa que podem corresponder. Serão todas as instituições que devem reflectir sobre esta questão. Mas sei da existência de adultos que não olham para os países africanos de língua portuguesa ou para o Brasil ou Timor-Leste, como seus potenciais locais de trabalho, mas também como futuro dos seus filhos. Daí, colocarem as crianças a aprender a língua. Talvez deva apostar-se noutro tipo de ensino, criando situações concretas no uso da língua, evitando aquele ensino muito estrutural. Nesse sentido algo está a começar a mudar e muito.
Pelas realidade conhecidas, é difícil a língua, apesar de séculos de administração portuguesa, vir a ter grande dimensão no contexto social macaense.
Não podemos pensar que a língua portuguesa em Macau possa atingir esse patamar. Poderá afirmar-se como língua de trabalho em muitas situações e em muitas instituições, concretamente na área do Direito. É necessário ter muita atenção na escolha dos materiais, escolher material de autor, textos de autor, material audiovisual autêntico, mas sem ser forçado, criar situações mais concretas, derrubar alguns mitos, como aquele em que “os alunos chineses gostam é da gramática”. Claro que gostam, é fácil, é imediato, tudo resulta aprendendo bem, mas depois é preciso utilizar o que se aprendeu. Por isso falo na criação de situações concretas de aprendizagem, levando o aluno a usar, por ele, a língua; e não limitando-o à forma estrutural de ensino.
CAIXA
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