quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Há muita fome no mundo


Há muita fome no mundo

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Uma rapariga adolescente fez-me um comentário de sobremesa o outro dia num jantar: “Não haverá cousas mais importantes nas que empregar esforços e dinheiro do que fazê-lo pelo galego? Há gente que passa fome no mundo!!
A rapariga, adolescente lúzida e inteligente tapou a minha boca com uma manifestação rotunda e categórica para além de verídica e real perante a minha paixão galeguizadora acrescentada com uns quantos anos de compromisso linguístico. A sua lógica feita com a visão realista das cousas duma nena de 16 anos que começa a ver o mundo tal qual é trouxe-me à realidade.
A sua ideia simples mas impecável levou-me a cavilar toda a tarde e não pôde mais do que dar-lhe a razão finalmente. Pensei que países como Uganda ou Tanzânia, Zimbabué ou Namíbia têm prioridades mais importantes do que desterrarem o inglês dos seus territórios para fazerem das suas múltiplas línguas nativas instrumentos de cultura, comunicação ou criação literária.
É assim como neste caso o inglês se faz a língua mais poderosa do planeta; porque os pobres orçamentos desses países não vão destinados para a normalização do swahili ou o hotentote mas para erradicar a fome, vacinar as populações contra enfermidades que não conhecemos na Europa pelas nossas condições higiénicas e de salubridade ou ensinar a ler às crianças para elas poderem ver um futuro de maior qualidade de vida nos seus países.
Já o dizia Jordi Pujol a respeito do catalão: “O catalão custa dinheiro”. Tinha razão o velho dirigente catalão, como razão tem a rapariga, mas evidentemente Catalunha não é Uganda e a fome como mal social endémico não existe, como também podemos dizer que o seu sistema de saúde é dos melhores da Europa que é como dizer que está entre os melhores do mundo.
Catalunha pode portanto permitir-se o luxo de investir na sua língua milhões de Euros e fazer com que o catalão seja uma língua de cultura, arte, comunicação e seja aliás elemento gerador de riqueza material ao existir com isso a possibilidade de que haja um mercado linguístico que crie e agilize o movimento económico e enriqueça os catalães.
Por outra parte o Reino da Espanha ingressa aproximadamente um 15% do seu P.I.B. graças ao castelhano por ser esta a língua oficial de 22 países do mundo e um total de mais de 400 milhões de utentes. A política linguística da Espanha a respeito do espanhol é por isso geradora de riqueza material fazendo da língua de Cervantes uma das mais prósperas do mundo do ponto de vista criativo, cultural, artístico e literário mercê a um mercado amplo que lhe dá umas possibilidades importantes a respeito doutras línguas de países com mais poder político e económico.
No que diz respeito da Galiza podemos dizer com total tranquilidade que também não somos Namíbia; também não passamos fomes, nem andaços embora não sejamos tão desenvolvidos como a Catalunha, pois vivemos numa conjuntura económica europeia que nos faz ricos com referência ao contexto mundial embora pobres dentro do contexto europeu.
Para além de todo isto a Galiza tem uma política linguística que pelo menos na teoria -e digo na teoria, porque é isso o que se diz, não entro no que se faz- vai destinada para fazer do galego essa língua de cultura, arte e comunicação que sonharam os nossos grandes galeguistas e que não só fosse usada por razões de voluntarismo patriótico ou fervor nacionalista mas também por gerar riqueza material com o qual a nossa gente se sentisse achegada a ela por algo mais do que por sentimentalismo neo-romântico.
Mas também Galiza não ingressa o 15% do seu P.I.B. pela sua língua, mais bem neste caso tem um índice negativo. A Junta da Galiza perde dinheiro por causa do galego de tal jeito que se as nossas instituições deixassem de investir na língua -ou quiçá fosse melhor dito contra ela- o nosso P.I.B. subiria 2 ou 3 pontos. Essa situação dá asas e argumentos a pequenos coletivos kukuxklánicos que se organizam para atacarem o galego, reivindicarem o direito de ignorá-lo e agirem para que este desapareça do nosso país. Hábil política linguística que não mata mas dá para que morra.
Curiosamente, ou por acaso, o galego é reconhecido por linguistas, filólogos e cientistas como uma das três variantes do sistema linguístico galego-português (galego, português lusitano e brasileiro), falado por quase 320 milhões de pessoas por todo o mundo e os cinco continentes; é oficial em 10 países, co-oficial desde o 2007 na antiga Guiné-Equatorial espanhola, segunda língua de Uruguai e oficial lá desde 2008; segunda língua latina em número de utentes depois do espanhol, por acima do francês, do alemám e do italiano em extensão territorial e humana; terceira língua europeia depois do inglês e do espanhol, quinta do mundo depois do chinês, hindi, inglês e espanhol; língua oficial da ONU, da EU, Mercosul, Unidade Africana... Com um futuro importante por ser o Brasil uma nova potência emergente que faz da CPLP uma organização lusófona atrativa para países, mesmo anglo-saxônicos como a Austrália, que quer entrar nela quebrando com ideias quase racistas surgidas no carpeto-vetonismo histórico no que vivemos.
Com uma política linguística acertada e focada não só para a sua sobrevivência mas também para o seu florescimento, com um bom tratamento filológico e linguístico, adaptando a norma a esta realidade científica, política e geoestratégica tão favorável quiçá não chegaríamos a ingressar o 15% do P.I.B., (ou sim?) mas sim o 8% ou o 10% ou o 6%... com o qual a nossa língua geraria riqueza material para além da cultural.
E digo eu: Não haverá cousas mais importantes nas que empregar esforços e dinheiro que em eliminar a nossa língua? Em vez de gerar gastos e perdas por causa dum modelo de normalização que mata e inutiliza a língua dos galegos, fornecendo de argumentos a pequenos grupos muito ideologizados e ultras que trabalham para bani-lo da Galiza, não seria melhor fazermos da língua um autêntico setor económico com um mercado prospero que lhe desse o prestígio que teve em épocas medievais? Porque queremos um galego pequeninho e de aldeia em vez de um grande, internacional e concorrente com as grandes línguas do mundo? Não estamos para deitarmos a casa pola janela. Há muita fome no mundo!!!

José Manuel Barbosa
Membro de Número de AGLP (Academia Galega da Língua Portuguesa)
Diretor Administrativo do IGEC (Instituto Galego de Estudos Celtas)
Sócio da AGAL

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