PORQUE É QUE NÓS, PORTUGUESES, DEVEMOS AMAR A GALIZA
A primeira questão que, como portugueses, devemos colocar-nos, é se é possível, ou se algum dia teria sido possível, a existência de Portugal sem a existência da Galiza. Corria o século XIX, que entrava no seu último quartel, e num jornal do Porto, «O Primeiro de Janeiro», era entrevistado o grande historiador Alexandre Herculano. O jornalista demorava-se em pormenores do que estava nas origens de Portugal, e o historiador respondeu-lhe: “Portugal é a criação do génio galego”.
Olhemos os seguintes factos:
1- Portugal não nasceu no ano 1143. Nasceu quando da queda do império romano no ventre do reino dos suevos, que criaram as condições para que a província da Gallaecia (com forte personalidade diferencial) evoluísse, juntamente com parte da Lusitânia, de modo claramente separado do resto peninsular. É neste reino que se produzem e funcionam os mecanismos que farão que a nossa língua portuguesa nasça do latim e seja estabelecida no noroeste peninsular no velho solar da Gallaecia, no seu esqueleto fundamental no período que vai dos séculos VI ao IX. Aí já temos os primórdios da nossa atual língua e o nosso funcionamento como povo diferenciado na península e no mundo europeu. É suficiente olharmos todas as crónicas muçulmanas peninsulares ou documentos referentes à península, das longínquas terras europeias do Mar do Norte, e ali estamos nós, portugueses, trajados de galegos. Que Portugal então não se chamasse assim, pois chamando-se Galiza era já verdadeiro Portugal, tanto faz. Porventura quando nós, portugueses, ou galegos, ou galego-portugueses, estendíamos o reino para o Sul, não estávamos a fazer Portugal? O portuguesíssimo mosteiro de Lorvão (perto de Coimbra) fundávamo-lo no século IX e assim figura nas atas fundacionais “in finibus Galleciae”.
2 - Que é Portugal, o nome da cidade mais galeguíssima da Galiza, o Porto, a velha Portuscale romana, e mais tarde Portucale (Portugale), a que foi reduzido o nome para que pudesse usufruir dele o estado inteiro? E quem eram os galegos, a tribo celta achada por Decimo Junio Bruto morando ali onde o Douro se mistura com o oceano, “em Portugal”, esses calecos do Douro deram o nome a todo o noroeste peninsular? Há algo mais português que o ser galego? E galego por antonomásia só o podem ser os habitantes do Porto. Aí estão as raízes. E eles, por serem do Portucale (Porto), são os mais verdadeiros portugueses.
3 – Nós, os portugueses, os que nos fazemos perguntas acerca destas coisas (só quem fizer as perguntas dará com as respostas; em saber perguntar, pesquisar, está o segredo da sabedoria e do conhecimento), pensamos que a Galiza é uma região espanhola que vêm caindo por cima de Portugal e na qual as pessoas falam um linguajar deturpado e feio como um espanhol com muitas palavras portuguesas, e onde as pessoas do povo entendem os portugueses e não têm essa atitude antiportuguesa que se dá nos espanhóis quando o homem (ou mulher) português não é um iberista. Mas isso não é a Galiza, é somente uma parte da Galiza. A Galiza é na realidade grande parte de Portugal, de Santarém para cima, é aí que chegava o velho reino da Galiza. Haverá por acaso algo mais galego do que Braga, capital da Galiza romana, do reino suevo, da Igreja da Galiza? Lugo e Santiago sempre agiram por delegação do “verum caput” Braga, durante doze séculos a cabeça, e que por isso mesmo é ainda a cidade primaz de Portugal.
Nós, os portugueses, podemos dizer que, da Galiza, o seu cerne, a sua essência, está em Portugal, e que não temos medo de chamar Galiza a todo o Norte do nosso País, que as coisas são como são, por muito que pese aos espanhóis.
4- Portugal é a criação dos homens do Norte, eles deram-nos a língua (a sua alma coletiva essencial), eles puseram os topónimos e designaram a(s) terra(s), por isso temos os mesmos nomes do Cantábrico ao Tejo. Por isso depois da Galiza, vem a Beira (a velha Beira da Galiza), depois a Estremadura (a extrema do reino da Galiza), e ao sul do Tejo estava o Além-Tejo. Com certeza que, se os alentejanos houvessem posto os nomes, para eles os ‘alentejanos’ seriam os da Beira. Rompeu-se a Galiza no século XII e continuamos a ser galegos embora o nosso reino se chame Portugal. (Ao norte do Minho, acabaram caindo na órbita de Castela, ao sul levamos os nossos estandartes e a nossa língua pelo caminho de todos os mares). Quando os linguistas alemães e Carolina de Michaëlis difundem a nossa literatura medieval, chamam à língua ‘galego-português’, isso não o faziam porque a língua não fosse português cem per cento, que o era; mas perante o facto de todos além e aquém Minho chamarem a sua língua ‘galego’. Na corte portuguesa de Lisboa à língua que se falava ainda não se dera o nome do reino, simplesmente chamava-se-lhe galego. E os doutos criaram o ‘galego-português’ como expressão, ao parecer-lhes mais simples que explicar à população que a língua portuguesa antes se chamava galega.
5- Nós, os portugueses, amando a Galiza, estamos a amar o próprio Portugal, estamos a mergulhar nas essências pátrias. Mas deu-se a queda das fronteiras, a Espanha está a invadir-nos todos os dias – e de que maneira. Não vai sendo hora de nós, portugueses, nos comprometermos firmemente na defesa da lusofonia no além Minho?
José Chão de Lamas, patriota português, que tem a pátria verdadeira na sua língua, e a sua pátria pequena nos seus dois Portugal> Portucale (Porto) e Portugal.
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