domingo, 5 de junho de 2011

A língua é de todos, ou ...? Texto : Um cê a mais ou um pê a mais para quê?

O absurdo de todo este alvoroço que se levantou (ainda levanta?) é que as consoantes mudas que agora são eliminadas em Portugal pela adoção do Acordo Ortográfico de 1990 são apenas um pequeno resquício da enorme quantidade de letras inúteis que a grafia do português já conteve.

Por desconhecimento, muitas pessoas em Portugal pensam que o português sempre se escreveu como elas aprenderam na escola e que a alteração que agora se desenrola será a primeira de sempre. Nada mais falso! Nem Gil Vicente, nem Camões, nem Eça de Queirós, nem sequer Fernando Pessoa escreviam como hoje se escreve em Portugal.

A grande rutura com a escrita histórica deu-se, em Portugal, em 1911 quando o governo do recém-implantado regime republicano decidiu simplificar a escrita. E fê-lo de forma radical! Foi nesse momento que a "pharmacia", passou a "farmácia"; a "asthma", a "asma"; o "abysmo", a "abismo"; a "photographia", a "fotografia", etc., etc., etc. Essa sim, foi uma reforma profunda que afastou inequivocamente a escrita do português antigo do atual e que implicou uma autêntica reaprendizagem na "arte de escrever" para todos os portuguesas alfabetizados de então. No Brasil, estas alterações só ocorreram alguns anos mais tarde.

Em 1945 só foram mantidos alguns – poucos – sinais da velha etimologia. Mas, hoje em dia, que sentido fazia continuarmos a escrever "peremptório" quando já não escrevíamos "escriptório"? Porquê ainda "didáctica" quando há muito que se escrevia "prática"? Porque razão o "p" do "egípcio" continuava a justificar o "Egipto", quando o mesmo "p" do "septuagenário" já não exigia um "septenta" (e, já agora, também "septembro" e, até, "septe"!), por exemplo?

Ou seja, a ortografia não é uma ciência exata. É um conjunto de convenções que busca um compromisso entre a história das palavras e a sua forma de pronunciar. As mudanças a que agora assistimos vêm na sequência de um processo de simplificação que já decorre há um século. Da mesma forma que a língua portuguesa não morreu com as reformas anteriores, tampouco sairá chamuscada com mais esta que tem a virtude de unificar a escrita de 98% das palavras e de lograr que um só documento reja a língua em todo o mundo. Coisa que, na nossa língua portuguesa, nunca foi conseguido. E isto não é de somenos importância!


Um abraço lusófono,
Manuel de Sousa
Porto, Portugal

no fórum Dialogos lusófonos

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