O português no Brasil, o brasileiro em Portugal
Entramos de gaiatos numa proposta que nossa diplomacia tratou de incentivar... Temos que nos adaptar a uma maneira artificial e autoritária de escrever... Os portugueses não... O escritor e jornalista Fernando Molica analisa o Novo Acordo Ortográfico, que, aparentemente, foi instituído para mudar apenas o português brasileiro.
FERNANDO MOLICA www.fernandomolica.com.br Para O Dia
Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2010 - Há quase dois anos, abandonamos o trema; sem o auxílio do acento, passamos a nos confundir com a palavra "para". Tivemos que reaprender a usar os hifens, compramos novos dicionários. Isto porque fomos obrigados a reaprender a escrever em português. Tudo em nome de um acordo que prometia unificar o nosso idioma. As mudanças fizeram com que livros publicados até 2008 ficassem com a ortografia envelhecida.
Mas basta ver jornais portugueses para descobrir que, por lá, a situação é diferente, eles não parecem empenhados em adotar a nova grafia. Ontem eu li: o jogador Bent irá desfalcar a “selecção” inglesa; Chico Buarque ganhou um “prémio”; Portugal e Argélia promoverão "acções e projectos comuns".
As editoras brasileiras impuseram as novas regras aos seus escritores; as portuguesas, nem tanto: o site da editora Dom Quixote traz palavras como “contactos”. As edições - inclusive as brasileiras - dos novos livros de autores portugueses como António Lobo Antunes e Inês Pedrosa ignoram as mudanças. O Meu nome é Legião, de Lobo Antunes, traz a palavra “direcção” logo na quinta linha. Nem o governo português anda muito animado com o acordo. Seu site, afinal, divulga os correios “electrónicos” dos ministros.
Não era difícil prever esta situação. Muitos portugueses eram contra a proposta, temiam que a reforma ortográfica representasse o sinal definitivo de uma suposta colonização cultural por parte do Brasil. Ao contrário do que houve por aqui, a assinatura do acordo em Portugal gerou uma série de protestos. Agora, pelo jeito, muitos dos gajos resolveram ignorar o que foi acertado. Não os condeno por isso.
Nós, brasileiros, entramos de gaiatos numa proposta que nossa diplomacia tratou de incentivar. Ao longo dos últimos anos, acompanhamos de longe a história do acordo, achávamos que ele nunca seria implantado. Deu no que deu. Temos agora que nos adaptar a uma maneira artificial e autoritária de escrever. As alterações saíram de gabinetes, não respeitaram o processo de evolução natural da língua. Nunca antes na história de qualquer país se escrevera em português do jeito que nos mandaram escrever.
A situação é tão curiosa que, num jornal paulista, o acordo só pode ser desrespeitado por um jornalista: uma portuguesa que escreve sobre esportes. Pela lógica, os saudosos do português brasileiro terão que dar um jeito de colaborar com jornais portugueses. Que eles topem a reciprocidade.
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