in diálogos lusófonos
De como se constrói um europeu
A propósito das comemorações dos 20 anos do Programa Erasmus
por
Em 1986 entrei para a escola primária e Portugal entrou para a Comunidade Europeia.
Professores
que tinham aprendido a geografia pelos livros do Regime (e sabiam de
cor as linhas de caminho-de-ferro de Angola) fizeram-me desenhar 12
estrelas amarelas sob fundo azul vezes sem conta. Todas as semanas ia
para a janela desenhar a Europa a contraluz, para saber quais eram os 12
países da Comunidade Europeia.
No
Verão, os Jogos sem Fronteiras, mais
tarde o Erasmus, depois o Leonardo Da Vinci e assim aprendi a ser
Europeia. Tenho amigos em vários países da Europa (e saudades deles); já
estudei em escolas noutros países da União Europeia (isto ainda antes
de «Bolonha»), habituei-me às viagens de comboio, de carro, camioneta e
fiquei contente quando apareceram as viagens de avião low cost.
A
polivalência laboral erigida em precariedade actual permite-me
trabalhar (praticamente sem nenhum vínculo ou garantia social) dentro da
Comunidade à medida do meu esforço, sorte, imaginação e capacidade de
autopromoção pessoal.
A
Europa passou a ser para mim uma rede de pontos – quase sempre cidades –
que rapidamente consigo unir entre si num mapa afectivo que as aproxima
no meu pensamento, de forma directamente proporcional à
distância que sinto em relação ao interior português e a regiões onde
não conheço ninguém, não vivi nada, não sei como abordar. Lisboa, deste
modo, assemelha-se-me mais a Oxford do que a Barcelos.
À medida que vou construindo este meu mapa afectivo da Europa da qual aprendi a fazer parte (e não dizia Jean Monet, em 1956, «já construímos a Europa, falta agora construir os Europeus»!?) cada vez consigo menos ficar indiferente à violência fundadora desta Europa que eu também sou:
Leio
com atenção as notícias da chegada de mais e mais emigrantes às «costas
da Europa» (qual será a Europa deles?; em que janela a terão desenhado a
contraluz?); apercebo-me da sua presença nesta Europa em que vivo,
sinto o reforço das leis e a construção dos campos de detenção para os
acolher,
a sociedade a mudar com a sua presença, a minha presença a mudar com a
presença deles, Lisboa a ficar capital Europeia, eu a ficar Europa que
não quero ser.
Por ANA BIGOTTE VIEIRA *
sexta-feira 19 de Outubro de 2007
Sem comentários:
Enviar um comentário