CRÓNICA
A grande ofensiva contra os nossos valores
O caso da supressão do 5 de Outubro do calendário das nossas efemérides parece ter caído num inquietante silêncio. As próprias associações cívicas, que ainda as há, nada disseram, nada protestaram.
Baptista Bastos *
A ofensiva do Executivo de Pedro Passos Coelho não se restringe ao Estado Social. Possui um violento conteúdo ideológico, sem paralelo na nossa história próxima recente. E chega a atingir a simbólica da própria Resistência, configurando características acentuadamente filofascistas. A supressão do feriado do 5 de Outubro é, provavelmente, o facto mais significativo dessa avançada.
É esta data e a memória dos acontecimentos que a rodeiam, que o dr. Passos Coelho quer apagar, em nome de uma falaciosa necessidade de competição e de equilíbrio das contas. A Igreja foi ouvida nesta emergência. Num inacreditável jogo de compensações, teria sido decidido que, por dois feriados cívicos extinguidos, dois religiosos seriam abolidos. Não estamos, somente, nos domínios do delírio: assistimos a uma manobra malabar sem precedentes, que envergonha e desacredita quem nela se cumpliciou. A Igreja é uma das partes envolvidas, e sai do caso muito enlameada.
A mudança de paradigma social, económico, político e cultural é evidente. E, por arrasto, uma certa ideia de democracia, senão a própria democracia, está ameaçada. Já vivíamos numa democracia de superfície, na qual os princípios fundamentais do regime estavam a ser tripudiados. Com a extensão da ofensiva, o problema torna-se perturbador. Pouco a pouco, ou não tão lentamente quanto parece, a requalificação do ideal democrático e a recomposição das forças de Direita e de Extrema-Direita tornam-se manifestos.
A pátria tornou-se num regabofe. Enquanto as classes trabalhadoras são oneradas com o peso de uma vida que se lhes afigura sem direcção nem sentido, continua a haver ordenados e reformas insultuosos. Na Europa, uma senhora notoriamente ignara e um senhor sem qualidades apreciáveis dominam países e populações, sem que para isso tivessem sido mandatados pelo voto. A miséria alastra. E, apesar de alguns povos, o grego, por exemplo, demonstrar que não deseja ser escravo, a verdade é que parece uma situação inalterável. Periodicamente, uma que outra "cimeira" (há, agora, esta, recente) custa rios de dinheiro aos contribuintes - e tudo fica na mesma, senão pior. A senhora alemã e o senhor francês são fotografados e filmados aos beijinhos muito afectuosos, e, já se sabe!, as coisas vão piorar no dia seguinte.
A leitura exclusivamente económica do mundo, a inércia conivente das elites, o silêncio compulsivo ou deliberado da inteligência europeia está a conduzir-nos para a catástrofe. Sem que nada façamos para nos opor?
Baptista Bastos, jornalista e escritor português, assina coluna no Jornal de Negócios
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