hoje dia mundial da poesia:Para este dia um poema de amor e da resistência:
em anexo as minhas 3 versões de homenagem a este poeta e poema que me marcaram desde há mais 40 anos...Chrys Chrystello
1. e.37. tantos os sonhos (a soeiro pereira gomes) mar 16, 1973
tantos os sonhos
nunca demarcados
meu irmão de todo o tempo
insubmisso
perseguidos
por uma mancheia de quimeras
engalanámos as palavras
falaciosas ambições
imensos campos
por habitar
lezírias de lentas mortes
estioladas
gretava o verão
severos carões
ninguém cuidara
os linótipos esmaeciam
aquosos gradeamentos
da saudade
- era então o tempo –
fortunas dissipadas
amargor de mil cansaços
prematura senilidade
febril catarro
escrava luta
cifras
tabelas
gráficos
mecanizado o homem
engrenagem-sem-nome
impiedosa e febril cadeia
gangrenosos ossos
no silêncio chantagista
se diluía a sobrevivência
vasta paisagem
por entre o adobe
paredes
quatro
desfraldadas
vogando ao vento
do desprezo motorizado das sanguessugas
PERFEITA SÚCIA/DADE
irrefreado progresso
civilização do abandono
deserda-se a agricultura
cria-se ferro
cimento
fome
tímida e simples
a voz do povo
(que ainda resta)
recusa a caridade
das piranhas
secretas as greves
corrompem a opressão
selvagens se abatem
esbirros e lacaios
(ah! como é bom ser-se proletário
no feudo do patrão)
tu - meu irmão
não assististe
ao mito no apogeu
de nascença condenado
o sentenciavas
tuas mãos eram a dor
sempre retardada
escreviam a agonia lenta
dos que calam
exultante vitória dos que não consentem
militantes modelos
de rebeldes se venderam
falsos heróis
covardes de merda
felizes os traidores
pelo pão nunca trincado
pela carne inviolada e casta
pela fome mitigada
riquezas imensas
saldo de lassos músculos
quem as ergueu?
imolados os corpos
sem palavras nem gestas
abatem-se de luto aldeias
paga-se da fome
a vida
a salto se emigra
a preço de morte
- decide-te irmão –
volte a nós quem a nós pertence
connosco reagirás
à opulência de discursos em família
- obsoletas conversas que não asfixiam –
repudiamos toda a antropofagia
que nos hipoteca
não os executemos
também eles sentirão
um só dia que seja
um só instante
o vão esforço do suor grátis
nesse dia
urgente e único
inexorável
o grito
então comunitário
então revolucionário
PRESENTE!
para que não morram por desprazer
pelas dores insofridas
pelo sangue ulcerado nunca cuspido
pelas mãos imaculadas sempre assassinas
revolver-se-ão aposentados donos
deste feudo saqueado
dançaremos o cântico final
apoteose de labaredas
vossos corpos defuntos
serão nossos o chão
a pátria liberta
a vocação insubmissa
ninguém nos apode de vingativos
honraremos
das memórias a vossa
adubaremos das cinzas vossas
o pão
algo renasce das ruínas vossas
a esperança
- quem nos confortará
nesse instante ingente? -
2. 474. poesia revisitada ( de novo a ti, daniel filipe) 16 mai 1976
ALERTA! a imaginação tomou de assalto o poder!
hoje
virão talvez crianças
descendo as sagradas ruas das máquinas
acampando nas avenidas da liberdade
por inventar
dando-nos as mãos
os sorrisos
os sonhos
hoje
nas campas rasas
estarão heróis que nunca foram
perguntarão
quando somos ouvidos?
(a nossa carne encheu canhões
no-la recusam agora?)
os mendigos
desempregados
reformados
deficientes das guerras todas
as pegas
messalinas
prostitutas
meretrizes
chulos
traficantes de ilusões
os ladrões
criminosos
e demais gente ordinária e vulgar
anunciam manifs reivindicativas
“a greve será total! – dizem”)
enquanto isso
partidos
militares
sindicatos
demais desorganizações de massa
exigem
do governo
a ordem
a força
a autoridade
das armas
a repressão
o estado-de-sitio
a censura
até mesmo a pena de morte
por toda a parte
solidária é a luta dos oprimidos
– clama o poeta!
única é a voz dos marginais
- escreve o louco sensato
nas paredes sem grades
desta prisão
(aqui e além leves escaramuças populares
não há baixas dignas de registo
- asseveram fontes oficiais
geralmente desinformadas)
a sociedade é um flagelo social do indivíduo
libertemo-nos da grande ameaça
– denunciam os dissidentes
a situação é calma
assegurado o controlo total do país
militares, militarizados e milícias
em prevenção rigorosa
algures à mesma hora
num público jardim
um casal de amantes
felizes
desocupados
despolitizados
fazem amor
despreocupado
sem caráter de urgência
confundidos por vulgares agitadores da ordem
foram chacinados ao despontar o amanhã
(felizmente havia luar!
comentou lacónico o primeiro-ministro
muito dado a lucubrações intelectuais).
*****
3. 524 reinvenção do amor , revisitando daniel filipe, 18 outubro 2011
o pássaro descreve o seu voo
na sinusoide deste tempo
a voz e a palavra são campos floridos
evocam verdes infâncias
é preciso inventar o amor
com caráter de urgência
dizia Daniel Felipe
mas são precisos homens e mulheres
dispostos a amar
capazes de ouvir e perdoar
os sentimentos podem esfriar
mas não se gastam
nem devem ser mudados
com a frequência das camisas
não são fraldas descartáveis
precisam de ser regados
com a humidade das neblinas
e o orvalho das lágrimas
neste deserto com vozes
a felicidade é um mito
o mundo é um inferno
a paixão uma utopia
e tu acreditas, meu amor?
andam
- de novo -
pássaros à solta nos jardins de Eros.
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