quinta-feira, 1 de março de 2012

DANIEL DE SÁ responde a HENRIQUE MONTEIRO


Acordo ortográfico: o entusiasmo de Henrique Monteiro

Posted on 25/02/2012por António Fernando Nabais


Henrique Monteiro publicou, no sábado passado, um texto dedicado ?a  
Vasco Graça Moura e a todos os opositores do Acordo Ortográfico?. Uma  
vez que pertenço ao segundo grupo, decidi, sem me alongar, retribuir a  
gentileza da dedicatória, deixando, hoje, alguns comentários,  
começando por remeter os leitores para um outro texto do incansável  
João Roque Dias.

Henrique Monteiro começa por se referir à sua ?adesão pessoal ao  
Acordo Ortográfico (AO)?, expressão algo infeliz pelo que contém de  
entusiasmo, num assunto que exigiria ponderação. Logo a seguir,  
explica que essa adesão se baseia em ?confiança e humildade?, uma vez  
que confia na ?sabedoria de quem o fez? e é ?suficientemente humilde?  
para reconhecer que lhe escapam muitos aspectos ?que dizem respeito à  
etimologia e à fonética, tais como outros menos relevantes para este  
caso?, o que prenuncia algo de bom, uma vez que parece reconhecer  
importância à etimologia e à fonética.

No que se refere à confiança que deposita nos autores do AO, seria  
interessante que Henrique Monteiro tivesse aprofundado os motivos que  
o levam a desconfiar de quem critica o dito AO. De qualquer modo, isso  
fica resolvido de uma penada, porque os opositores são classificados  
como ?pessoas que apenas se opõem ao Acordo ?porque sim? ? sem  
quaisquer argumentos.? Talvez por distracção, Henrique Monteiro ignora  
a existência de várias críticas consistentes feitas por linguistas  
competentes, ao longo dos últimos vinte anos.

Apesar da humildade com que confessa um desconhecimento generalizado  
de etimologia e de fonética, Henrique Monteiro não se coíbe de chamar 
?pai tirano? ao Latim e acaba a defender que a escrita não tem  
influência nenhuma na aprendizagem da fala, como se esta se fizesse  
exclusivamente à custa daquilo que se ouve. A aprendizagem de uma  
língua é um processo complexo que implica a interdependência de vários  
factores: a cruzada de muitos acordistas que defendem que não há  
nenhuma influência da escrita sobre a fonética é de um simplismo  
desmentido pela realidade.

A existência de características regionais pode servir para provar o  
efectivo peso da audição e do meio em que se aprende a falar, mas não 
serve como argumento para desvalorizar a importância da escrita como  
elemento de uniformização da própria fala, ou não contivesse sinais 
diacríticos e várias regras que servem para indicar o timbre de  
determinadas vogais ou a acentuação das palavras. Aliás, Henrique  
Monteiro parece viver num país em que a aprendizagem da língua é feita  
sem recurso à escola, com os aprendizes entregues àquilo que ouvem nas  
ruas. Assim, será graças à frequência da escola que, por exemplo, um  
aluno portuense ficará a perceber que é legítimo dizer baca, mas que é  
errado pronunciar voi.

Prosseguindo um percurso delirante, defende, ainda, que não tem  
importância criar mais homografias, recorrendo ao costumeiro argumento  
do contexto para resolução de dúvidas, como se a compreensão de um  
texto não dependesse de um sistema ortográfico consistente que, no  
mínimo, não aumente o número de homografias, fonte inevitável de ruído  
na comunicação, como o próprio AO admite, nos raros acessos de bom  
senso, quando, por exemplo, defende a manutenção do acento circunflexo  
em ?pôr?.

Apesar da ignorância confessa, Henrique Monteiro não prescinde do  
direito a explicar que o desaparecimento das consoantes mudas não  
contribuirá para aprofundar o fechamento das vogais, dando alguns  
exemplos e contrariando Rebelo Gonçalves e, mais recentemente,  
Francisco Miguel Valada, autor de um artigo na Diacrítica, uma revista  
que não está propriamente aberta à colaboração de amadores nestes 
assuntos da língua.

O texto continua penosamente, com Henrique Monteiro a tentar  
demonstrar a importância de aproximar ?uma série de palavras da  
fonética?, o que é importante porque não quer uma língua que o  
distinga do Brasil, preferindo uma que o aproxime, como se o AO  
tivesse criado essa língua. É claro que o cronista queria referir-se à  
aproximação das ortografias, mas, se pensasse um pouco, facilmente  
concluiria que, ao basear-se na fonética, diferente em Portugal e no  
Brasil, o AO cria diferenças que não existiam antes, mantendo outras  
que já existiam, contribuindo para a confusão.

Já se sabe que o jornalista Henrique Monteiro escreveu um texto de  
opinião, mas nunca hei-de perceber que se possa vestir a pele de um  
cronista, despindo o salutar hábito da investigação jornalística que  
deveria estar subjacente ao tratamento de um assunto que está para  
além de entusiasmos ou de emoções.

DANIEL DE SÁ

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