Acordo ortográfico: o entusiasmo de Henrique Monteiro Posted on 25/02/2012por António Fernando Nabais Henrique Monteiro publicou, no sábado passado, um texto dedicado ?a Vasco Graça Moura e a todos os opositores do Acordo Ortográfico?. Uma vez que pertenço ao segundo grupo, decidi, sem me alongar, retribuir a gentileza da dedicatória, deixando, hoje, alguns comentários, começando por remeter os leitores para um outro texto do incansável João Roque Dias. Henrique Monteiro começa por se referir à sua ?adesão pessoal ao Acordo Ortográfico (AO)?, expressão algo infeliz pelo que contém de entusiasmo, num assunto que exigiria ponderação. Logo a seguir, explica que essa adesão se baseia em ?confiança e humildade?, uma vez que confia na ?sabedoria de quem o fez? e é ?suficientemente humilde? para reconhecer que lhe escapam muitos aspectos ?que dizem respeito à etimologia e à fonética, tais como outros menos relevantes para este caso?, o que prenuncia algo de bom, uma vez que parece reconhecer importância à etimologia e à fonética. No que se refere à confiança que deposita nos autores do AO, seria interessante que Henrique Monteiro tivesse aprofundado os motivos que o levam a desconfiar de quem critica o dito AO. De qualquer modo, isso fica resolvido de uma penada, porque os opositores são classificados como ?pessoas que apenas se opõem ao Acordo ?porque sim? ? sem quaisquer argumentos.? Talvez por distracção, Henrique Monteiro ignora a existência de várias críticas consistentes feitas por linguistas competentes, ao longo dos últimos vinte anos. Apesar da humildade com que confessa um desconhecimento generalizado de etimologia e de fonética, Henrique Monteiro não se coíbe de chamar ?pai tirano? ao Latim e acaba a defender que a escrita não tem influência nenhuma na aprendizagem da fala, como se esta se fizesse exclusivamente à custa daquilo que se ouve. A aprendizagem de uma língua é um processo complexo que implica a interdependência de vários factores: a cruzada de muitos acordistas que defendem que não há nenhuma influência da escrita sobre a fonética é de um simplismo desmentido pela realidade. A existência de características regionais pode servir para provar o efectivo peso da audição e do meio em que se aprende a falar, mas não serve como argumento para desvalorizar a importância da escrita como elemento de uniformização da própria fala, ou não contivesse sinais diacríticos e várias regras que servem para indicar o timbre de determinadas vogais ou a acentuação das palavras. Aliás, Henrique Monteiro parece viver num país em que a aprendizagem da língua é feita sem recurso à escola, com os aprendizes entregues àquilo que ouvem nas ruas. Assim, será graças à frequência da escola que, por exemplo, um aluno portuense ficará a perceber que é legítimo dizer baca, mas que é errado pronunciar voi. Prosseguindo um percurso delirante, defende, ainda, que não tem importância criar mais homografias, recorrendo ao costumeiro argumento do contexto para resolução de dúvidas, como se a compreensão de um texto não dependesse de um sistema ortográfico consistente que, no mínimo, não aumente o número de homografias, fonte inevitável de ruído na comunicação, como o próprio AO admite, nos raros acessos de bom senso, quando, por exemplo, defende a manutenção do acento circunflexo em ?pôr?. Apesar da ignorância confessa, Henrique Monteiro não prescinde do direito a explicar que o desaparecimento das consoantes mudas não contribuirá para aprofundar o fechamento das vogais, dando alguns exemplos e contrariando Rebelo Gonçalves e, mais recentemente, Francisco Miguel Valada, autor de um artigo na Diacrítica, uma revista que não está propriamente aberta à colaboração de amadores nestes assuntos da língua. O texto continua penosamente, com Henrique Monteiro a tentar demonstrar a importância de aproximar ?uma série de palavras da fonética?, o que é importante porque não quer uma língua que o distinga do Brasil, preferindo uma que o aproxime, como se o AO tivesse criado essa língua. É claro que o cronista queria referir-se à aproximação das ortografias, mas, se pensasse um pouco, facilmente concluiria que, ao basear-se na fonética, diferente em Portugal e no Brasil, o AO cria diferenças que não existiam antes, mantendo outras que já existiam, contribuindo para a confusão. Já se sabe que o jornalista Henrique Monteiro escreveu um texto de opinião, mas nunca hei-de perceber que se possa vestir a pele de um cronista, despindo o salutar hábito da investigação jornalística que deveria estar subjacente ao tratamento de um assunto que está para além de entusiasmos ou de emoções. DANIEL DE SÁ
quinta-feira, 1 de março de 2012
DANIEL DE SÁ responde a HENRIQUE MONTEIRO
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