sábado, 25 de agosto de 2012

RUY BELO POESIA AO AMANHECER

POESIA AO AMANHECER (19) – por Manuel Simões

Ruy Belo _ Portugal

( 1933 – 1978 )

MORTE AO MEIO DIA

No meu país não acontece nada

à terra vai-se pela estrada em frente

Novembro é quanta cor o céu consente

às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas

a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal

que o mais zeloso varredor municipal

Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?

A gente é previdente cala-se e mais nada

A boca é pra comer e pra trazer fechada

o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada

o corpo curva ao peso de uma alma que não sente

Todos temos janela para o mar voltada

o fisco vela e a palavra era para toda a gente

[…]

O meu país é o que o mar não quer

é o pescador cuspido à praia à luz do dia

pois a areia cresceu e a gente em vão requer

curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada

que põe a pedra entre o homem e a mulher

O homem vende a vida e verga sob a enxada

O meu país é o que o mar não quer

(de “Boca Bilingue”)

Poeta da inquietação de raízes ontológicas (com pontas de interrogação religiosa que se foi tornando cada vez mais laica), esteve ligado à revista “Rumo”, à Editorial Aster e à União Gráfica. Publicou “Aquele Grande Rio Eufrates” (1961), a que se seguiram, entre outros, “O Problema da Habitação” (1962), “Boca Bilingue” (1966), “Homem de Palavra(s)” (1970), “Transporte no Tempo” (1973), “Toda a Terra” (1976), “Despeço-me na Terra da Alegria” (1977).

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