segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Língua, instrumento do espírito – Arnaldo Niskier,jornalista e escritor


Arnaldo Niskier é ex-presidente da Academia Brasileira de Letras.
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Ventos da Lusofonia transcreve o artigo assinado pelo jornalista e escritor Arnaldo Niskier, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras entre 1998 e 1999. Niskier também é acadêmico correspondente no Brasil da Academia de Ciências de Lisboa.
Quanto aos temas, são abordados diversos aspectos da Língua Portuguesa, que vão do Acordo Ortográfico à mobilidade e vitalidade das línguas, passando pelos obstáculos quanto ao ensino da boa escrita da Língua “filha ilustre do Latim”.
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–– Língua, instrumento do espírito ––
Arnaldo Niskier
Do jornal Folha de S. Paulo (São Paulo, Brasil)
8 de agosto de 2012

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Há hoje cerca de 280 milhões de falantes da Língua Portuguesa, sendo 250 milhões de nativos e 30 milhões de segunda língua. Somos a sexta língua mais falada no mundo, o que não foi motivo ainda para que ela merecesse a sua oficialização na Organização das Nações Unidas.
Resta-nos o obstáculo das diferenças que o Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa procura corrigir, sem buscar a unidade prosódica que seria fora de propósito. Cada país da Comunidade Lusófona deve falar preservando as suas características. Assim se garantem a variedade e a riqueza do idioma.
O Acordo entrará em vigor, definitivamente, no dia 1º. de janeiro próximo. Há resistência em Portugal, com a tese absurda de que o Brasil tenta uma nova forma de colonialismo cultural com a sua implantação (“cedências excessivas”, dizem eles) ou o emprego de “bizarrices”, como acusa o escritor Graça Moura.
Enquanto nossos livros, jornais e revistas adotaram a simplificação vernacular, na terra de Eça de Queirós (1845-1900) há resistências incompreensíveis, retardando a unificação pretendida, de resto uma velha reivindicação lusitana, aprovada na década de 1940.
Em encontro recente, na Academia Brasileira de Letras, o filólogo Evanildo Bechara, dos mais respeitados em nosso país, recordou a defesa que da nossa Língua fez o escritor José de Alencar (1829-1877), em 1º. de agosto de 1865, no posfácio de Diva. Era a propósito de eventuais estrangeirismos: “As línguas não são instrumentos puros: elas, como instrumento de comunicação de uma sociedade que entra em contato com outros povos, podem receber palavras e ideias novas, mas também transmitir palavras e ideias novas. A Língua é instrumento do espírito e não pode ficar estacionária quando este se desenvolve.”
Mas o pai do romance brasileiro pareceu pressentir as dificuldades de um acordo de unificação, com essas palavras: “Na substância, a linguagem há de ser a mesma, para que o escritor possa exprimir as ideias do seu tempo e o público possa compreender o livro que se lhe oferece.”
Bechara preocupa-se com a defesa da Língua: “Devemos olhar não só para o ensino, para a cultura, mas para as lições da universidade que se transforma, com a construção representada pelo trabalho do professor.”
Nesse aspecto, dizemos nós, há uma longa caminhada a ser percorrida, na verdade a partir dos primeiros anos escolares, pois registra-se um grande desleixo nessa forma de comunicação. O exemplo maior pode ser o resultado das provas de Português, nos exames da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], em que se revela verdadeira catástrofe vernacular. Não há magistrado que deixe de reclamar dos textos de advogados que lhes são submetidos, proclamando a sua precariedade.
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NISKIER, Arnaldo. Língua, instrumento do espírito.
Do jornal Folha de S. Paulo – São Paulo, Brasil.
Publicado em: 8 ago. 2012.

http://ventosdalusofonia.wordpress.com/

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