“O espírito de Eduardo Lourenço foi sempre reforçado pela sua cidadania atenta e atuante”, assinala o júri do Prémio PessoaFrancisco Barbeira, Lusa
Receber uma distinção com o nome de Fernando Pessoa “é como receber do além a visita dele”, sublinha Eduardo Lourenço. Conhecida a decisão do júri do Prémio Pessoa, que entendeu homenagear o ensaísta português enquanto protagonista de uma “cidadania atenta e atuante”, multiplicaram-se os tributos de personalidades políticas, académicas e culturais. À Antena 1, o pensador de 88 anos revelou estar “naturalmente contente”. Porque este Prémio, confessou, “é um dos raros” que não considera “que desmereça”.
Eduardo Lourenço é o 25.º nome distinguido com o Prémio Pessoa. É também, nos termos do comunicado reproduzido esta sexta-feira por Francisco Pinto Balsemão, presidente do júri do Prémio, “um português de que os portugueses se podem e devem orgulhar”. Com “uma obra filosófica, ensaística e literária sem paralelo”, o pensador vê ainda homenageada a “generosidade e modéstia” do seu saber: “Nunca desdenhou a heterodoxia nem as grandes questões do nosso tempo e da nossa identidade”.
“Num momento crítico da História e da sociedade portuguesa, torna-se imperioso e urgente prestar reconhecimento ao exemplo de uma personalidade intelectual, cultural, ética e cívica que marcou o século XX português”, argumenta ainda o júri composto por Pinto Balsemão, Fernando Faria de Oliveira, com o título de vice-presidente, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, João Lobo Antunes, José Luís Porfírio, Maria de Sousa, Mário Soares, Miguel Veiga e Rui Baião.
Em declarações à Antena 1, logo após o anúncio da distinção, Eduardo Lourenço vincou que “não esperava nada”. O que não significa que veja o Prémio como imerecido. Porque se trata de uma distinção “especial”. “Só sei que estou naturalmente contente por ter recebido, porque a minha vida cultural, em parte, encontrou sempre em Pessoa um objeto de direção. Escrevi algumas coisas, realmente, sobre ele. E esse Prémio será um dos raros prémios em que eu não considero que desmereça. Obtendo um Prémio que toda a gente gostaria de ter, naturalmente, outros merecerão tanto como eu ou mais”, afirmou.
À rádio pública, o ensaísta disse assim encarar o Prémio Pessoa como “especial” porque o poeta que lhe empresta o nome “se tornou um ícone cultural, não só português mas europeu e mesmo mundial”. “E receber um Prémio com o nome dele é como receber do além a visita dele”, confessou entre risos, depois de dizer que a anterior distinção com o Prémio Camões teria sido suficiente para “terminar com o apetite de prémios”: “Se é que alguma vez esteve na minha intenção”.
“Não sou Cassandra”
Na base da decisão do júri esteve igualmente “o momento crítico que atravessamos em Portugal”, nas palavras de Francisco Pinto Balsemão. “As pessoas”, enfatizou o antigo primeiro-ministro à agência Lusa, “precisam de pontos de apoio, de pontos de referência, que pensam e escrevem”. Pontos pelos quais “os portugueses se possam orientar, possam escolher o seu rumo”.
Também a jornalista Clara Ferreira Alves falou de um país “vagamente deprimido” que precisa de referências. “Penso que personagens como a do Eduardo Lourenço nos ajudam a pensar sobre nós, mas sobretudo a pensar melhor sobre nós”, disse. Mário Soares acrescentou: “Num momento como este, é particularmente importante que seja dado o Prémio a Eduardo Lourenço porque, além de tudo, é um homem que acredita em Portugal e nos portugueses”.
Questionado pela Antena 1 sobre a perspetiva de um ano de 2012 difícil para Portugal, Eduardo Lourenço adiantou que observa a atual conjuntura “com natural preocupação, como toda a gente”. “Não só em relação ao nosso próprio destino caseiro, mas ao destino da Europa, que visivelmente está a atravessar uma crise como ela não conhecia desde o fim da II Guerra Mundial. Espero que as coisas melhorem no próximo ano. Mas não estou certo. Não sou Cassandra”, concluiu.
“Dar um sentido à biografia de Portugal”
Numa nota citada pela Lusa, o secretário de Estado da Cultura saudou a atribuição do Prémio Pessoa a Eduardo Lourenço, uma personalidade, assinalou Francisco José Viegas, que tem procurado “dar um sentido à biografia de Portugal”. “É um homem nobre e invulgar, tolerante, e cuja obra deve ser revisitada permanentemente como um guia para as inquietações sobre o nosso destino como país”, anotou o governante.
Entre os motivos para a decisão do júri esteve a reedição da obra completa do ensaísta com a chancela da Calouste Gulbenkian e a coordenação de uma equipa da Universidade de Évora. Para o presidente da Fundação, Rui Vilar, o Prémio distingue “o maior pensador português do nosso tempo, com uma obra vastíssima, densa e extremamente acutilante em termos do pensamento crítico do tempo contemporâneo”.
Por sua vez, o reitor da Universidade de Évora, Carlos Braumann, salientou o que considerou ser “um justo reconhecimento” a “uma personalidade ímpar na cultura portuguesa, muito prolífica, que aborda todo o espectro daquilo que é importante para a nossa identidade”. E a expetativa de que o trabalho de edição em curso venha “a ocupar, provavelmente, cerca de 40 volumes mostra a imensidão da obra de Eduardo Lourenço”.
Distinguido em 1995 com o mesmo Prémio, Vasco Graça Moura, também ouvido pela agência de notícias, destacou a “intervenção intelectual” de Eduardo Lourenço “numa séria de áreas da vida, desde a literatura à política, passando pelas artes plásticas até à filosofia, em que tem construído um trabalho de ensaio que é um monumento da cultura portuguesa e europeia”.
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