quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Gabriela Silva escreve sobre o Natal

Gabriela Silva wrote:
Eu nunca gostei do Natal. Nem quando era pequena. No Natal da minha infância, na ilha das Flores, entrecruzam-se recordações tristes e escuras: não havia luz eléctrica, chovia muito e fazia muito vento, não havia lojas nem dinheiro para comprar presentes. Vivia muito próxima das dificuldades da família e dos acontecimentos menos bons da vida das pessoas que, na comunidade, eram a nossa família.
O Natal sem luz dava uma imagem de um Jesus triste que talvez tivesse vindo para salvar os homens mas, para mim, o Menino teria vindo muito mais para sofrer e dar a vida pelos outros. E sempre achei a Páscoa uma festa mais significativa.
A música de Natal dá-me sempre uma vontade irreprimível de chorar. Soa-me a saudade, a pessoas queridas que já partiram, a emigração, à partida das minhas amigas, às separações, aos homens da Fazenda que morreram na baleia, a dor. Mais tarde foi a guerra colonial, a partida do meu irmão para a Guiné e aqueles Natais dolorosíssimos para os meus pais que não sabiam se ele estaria vivo ou morto no meio das rusgas que conhecíamos das descrições de outros, que haviam regressado com vida como um milagre.
Na altura não havia Pai Natal. O Menino Jesus deitado nas palhinhas, embrulhado numa “fraldinha” era muito mais parecido connosco. Não dava presentes porque também era pobre e dava disso mostras pela roupinha pobre e pelo local modestíssimo onde nascera.
Esse é o Jesus que eu amei incondicionalmente até hoje, pela autenticidade e pela missão. Quanto ao Natal, estamos conversados. Mesmo que algumas vezes eu tenha tido alguns presentes, eles tiveram sempre sabores amargos ou, porque eu sabia que eles representavam um sacrifício imenso para os meus pais ou porque eu ficava sempre revoltada por saber que outros meninos, nem figos passados no sapatinho podiam ter.
Eu não estou a queixar-me da infância mas estou a desabafar uma coisa que sinto na alma e da qual talvez nunca tenha falado com esta lealdade.
Hoje em dia, já não tenho os meus pais nem vivo na minha ilha que é uma das mais lindas do mundo. Mas o Natal continua a ser escuro e triste. Há poucas lojas, as famílias não fazem desse tempo uma grande festa porque vivem uma proximidade excessiva, as autarquias não têm possibilidades para fazer um Natal especial para ninguém e finalmente porque este não é um tempo de grande alegria na ilha senão pela chegada dos estudantes em curtas férias, marcadas pela angústia das aterragens e descolagens da Sata que nem sempre proporcionam a quem parte e a quem chega as melhores e mais pontuais viagens. Também aí, guardo recordações terríveis das férias no Ponta Delgada a vomitar doze horas para abraçar a minha mãe! Salvo seja. Memória triste!
Nas Flores, as festas são no verão quando a malta anda lá toda, quando chegam mais pessoas e se pode andar na rua e fazer festa apenas com o mar e o sol. Natal nunca foi festa para mim.
Não vou massacrar mais com as minhas memórias até porque esta é a minha mensagem de Natal para os meus amigos de todas as latitudes: os da internet, os do facebook, os da mailinglist. Todos merecem, porque todos fazem parte deste novo mundo em que agora vivo, um mundo com luz, com um Pai Natal vestido de vermelho, com supermercados a abarrotar de coisas que não podemos comprar mas mesmo assim, com muitas possibilidades de “lavagem dos olhos”.
Também foi este Pai Natal que nos colocou numa situação económica difícil. Voltam as memórias das dificuldades da infância. Só que desta vez, em lugar do Jesus embrulhado na fraldinha há um Pai Natal colorido, no meio de um abismo de brinquedos embrulhados em papéis coloridos, desafiando os equilíbrios do cosmos e poluindo o planeta com brinquedos em formato de guerra, jogos violentos e outros trastes que fazem as delícias de crianças insatisfeitas que querem tudo e não querem nada, que estão sempre a exigir compensações pelos seus sucessos e que, muitas vezes, são cruéis uns com os outros. Hoje, temos o Pai Natal e a luz mas temos também o bullying, as crianças vitimas da sordidez dos pedófilos, as crianças vitimas de maus-tratos pela família e as crianças abandonadas. Lógico que a maior parte destes, não conhece o Pai Natal. Talvez conheçam o Menino Jesus da minha infância mas não teráo também as melhores memórias dele.
Enfim… contra ventos e marés vai ser Natal. Vai nascer mais uma vez o menino embrulhado na fraldinha, na modéstia do presépio de Belém para dar a vida ao mundo. Vai nascer o Salvador que nós associamos aos presentes, à luz e ao Pai Natal que importamos de algum lugar. Mas aquele que nasce é sempre o mesmo. É o Jesus de cada um: o meu, da infância triste na ilha escura, o teu que eu não conheço nem sei como é, o dos teus netos que pode vir de trenó! É Jesus na mesma. É o Jesus que salva e redime, o Menino Jesus da Galileia, de Nazaré, de todo o lugar que apelou ao Amor Incondicional que a nossa sociedade contemporânea teima em esquecer.
Se tivéssemos sempre feito a associação correcta, sem os recursos cénicos dos presentes ou o recurso visual das luzes, Ele podia nascer sempre de forma pacífica em todo o lado. Porque Ele faz sentido sempre, em cada lugar e em cada vez que é Dezembro.

Obrigada por estares na minha vida e por fazeres parte dela, qualquer que seja a tua posição nessa magia comunicacional. Onde estiveres e receberes esta mensagem, é porque ela te pertence e vai daqui.
Da tua amiga

Gabriela Silva


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