Rui Martins: “Sendo Português existe um dever moral e histórico de solidariedade para com a Galiza”
Versión PDF
Redaçom/ O tão denunciado silêncio português face o conflito nacional galego está a ser quebrado nos últimos anos. Em boa parte graças ao Movimento Internacional Lusófono. Falamos para a ocasião com o seu vice-presidente Rui Martins, quem recentemente escreveu o artigo “Galiza e Lusofonia: a minha posição pessoal" onde situa “questão da Galiza” como chave para a lusofonia. O seu interesse pelo nosso país remonta-se à participação galega no debate sobre o Acordo Ortográfico organizado pela Assembleia da República em Lisboa.
Você defende no MIL a “questão da Galiza” como “uma das preocupações centrais” do Movimento. Acha que é um sentimento partilhado polo resto do MIL? A que se deve a centralidade da questão galega na construção da lusofonia?
A nível da direção, atualmente composta por: Renato Epifânio (Presidente), Rui Martins (Vice-Presidente), António José Borges, Filipe Nobre Gomes, Joaquim Afonso, Maria Luísa Francisco e Pedro Martins, esse apoio é completamente unânime, como se confirma pelas reiteradas posições de apoio (e pelo seu eco em Portugal): e até pela extensão geográfica na Galiza dos nossos membros, simpatizantes e sócios (o MIL tem a forma legal de associação): Corunha, Lugo, Ourense, Pontevedra, Santiago de Compostela e Vigo.
Mas o MIL é uma entidade politicamente transversal, multiforme e multinacional. Não existe (nem pode haver) unanimismo entre os seus membros e simpatizantes e nem todos concordam com todas as posições da direção ou do seu Conselho Consultivo (com setenta membros de todas as nações e países da Lusofonia, incluindo sete galegos), mas em relação à Galiza a sintonia é praticamente total e se existem vozes dissonantes, elas não se fazem ouvir nem nos fóruns que mantemos no Facebook, nem por correio eletrónico, nem sequer nas conferências públicas, eventos ou assembleias gerais que organizamos.
A "questão da Galiza" é para mim central porque sendo Português existe um dever moral e histórico de solidariedade para com a Galiza: a Cultura, a Língua e a História tornam a Galiza uma nação irmã de Portugal, mais do que qualquer outra, ainda mais do que o Brasil (país em relação ao qual o termo "nação irmã" é usado com maior frequência). É central, porque identitária. Tanto, como a manutenção, sobrevivência e desenvolvimento do uso da língua portuguesa em qualquer outra nação lusófona, de Timor a Angola, passando por Cabo Verde e pela Galiza.
Ao nosso ver, há dous factores que obstaculizma, em parte, a inclusão da Galiza no discurso lusófono: por uma parte o desejo de certas partes do poder português de não incomodar a Espanha, e pela outra, a grande viragem no discurso nacional português que provocaria a introdução da questão galega: reconhecer que o português nasceu na Galiza. Partilha você esta análise?
Portugal tem Espanha como uma única fronteira terrestre. Historicamente, foram numerosas as tentativas espanholas de anexar Portugal e de o tornar em mais uma "região autónoma" de Madrid. Bastas vezes, os Portugueses tiveram que pegar em armas para defenderem a sua independência. Há assim um temor natural e histórico perante o chamado "perigo espanhol" que atravessa uniformemente a nossa História e mentalidade e que explica um extremo cuidado diplomático de muitos governantes portugueses recentes frente a Espanha. Recordemo-nos que Espanha ocupa ainda e ilegalmente os concelhos portugueses de Olivença, que sistematicamente viola os tratados que estipulam os caudais mínimos de água dos nossos rios internacionais e que envia regularmente os seus aviões de guerra em sobrevoos provocatórios nas Ilhas Selvagens (Madeira). Espanha é também o maior parceiro comercial português e um dos maiores investidores estrangeiros em Portugal (no Comércio e na Banca, sobretudo), ou seja, os laços de interdependência económica são hoje muito grandes o que dificulta uma tomada corajosa de posição contra Espanha por parte de muitos governantes portugueses, de todos os espectros do quadro político nacional. As ligações históricas entre o PS português e o PSOE e agora, entre o CDS/PP português e o PP espanhol são outro factor que contribui para esta timidez clássica das posições portuguesas de defesa dos seus próprios interesses e dos interesses da Lusofonia frente a Espanha.
Recentemente o MIL abandeirou um protesto contra a atitude do ministro português Paulo Portas na polémica sobre a concessão da categoria de Observador Consultivo à Fundação AGLP. Que tal foi o acolhimento público deste protesto? Pensa que a atitude de Paulo Portas se deveu à pressão espanhola?
Com efeito, quando soubermos da decisão do Ministro dos Negócios Estrangeiros o sentimento dominante foi o de desilusão. Várias tomadas públicas de posição, em campanha eleitoral, mas sobretudo depois da chegada ao poder do atual governo de coligação PSD/PP faziam crer neste como sendo um dos governos mais pró-lusófonos das últimas décadas o que nos criou uma elevada expetativa. O mesmo sentimento pró-lusófono transparecia entre vários deputados desta coligação com quem tivemos ocasião de contactar, por isso, foi com grande espanto que soubemos da atitude do governo português. Ignoramos exatamente o que este na sua base, mas receamos que tivesse sido mais uma vã tentativa de agradar ao futuro governo do PP em Espanha por parte do líder do PP e atual Ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas.
No seu artigo afirma que “Portugal e os demais povos lusófonos, têm a obrigação moral de acorrer aos galegos, oferecendo os seus melhores préstimos diplomáticos e de influência, sempre em consonância com a vontade expressa da maioria da população galega”. Pensa que o poder português se atreveria a dar esta ajuda, apesar das dificuldades que lhe poderiam surgir com Espanha?
Na sua atual formatação parlamentar, dificilmente. Dos partidos do chamado "Arco da Governação" (PS/PSD/PP) dois deles têm laços muito fortes com os seus equivalentes de Madrid, sendo que o PP é em Espanha o partido político mais "espanholista"/centralista e isto apesar da sua quase total dominação eleitoral na Galiza. O PCP não tem discurso sobre a Lusofonia, parecendo tratar o tema como se este lhe trouxesse ressonâncias de um outro Portugal, de uma outra época. O Bloco de Esquerda tem laços muitos estreitos com o Bloco Nacionalista Galego, mas também não tem um discurso lusófono ou de reforço da CPLP ou de aproximação entre as nações da comunidade lusófona. No campo da Lusofonia, na cena política portuguesa pouco mais há que o deserto... Razão pela qual, aliás, o MIL lançou recentemente um repto para a formação de uma "Plataforma Cidadania, Ecologia e Lusofonia" à qual já aderiu um partido galego (o Partido da Terra): Mas esta cena adversa não deve desencorajar nem os cidadãos portugueses, nem os demais cidadãos lusófonos: os políticos fazem em última instância aquilo que está conforme à vontade dos povos, por puro instinto de sobrevivência, ou que deles merece apenas uma clara indiferença. O MIL é muitas coisas, sendo uma delas um grupo de pressão pró-lusófono. Insistiremos assim, persistindo na defesa da Causa Galega, em todas as instâncias onde julgarmos oportuno intervir, sem desistir e objetivando sempre o fim supremo, que é o da Língua Portuguesa da Galiza (Língua Galega).
Para finalizar, queremos partilhar com você umha consideraçom sobre o MIL, do qual é vice-presidente. O Movimento Internacional Lusófono é visto com bons olhos, e mesmo esperança, em alguns setores reitengracionistas. Contudo, no independentismo o MIL é olhado com mais rezelo, e mesmo acusado de “neocolonialista”. O facto de que, por exemplo, o Prémio Personalidade Lusófona de 2011 fosse entregue ao Adriano Moreira, que fora Ministro do Ultramar durante o Estado Novo e Diretor da Escola Superior Colonial que formava os quadros administrativos coloniais, gera ainda mais desconfianças. Como defenderia o MIL destes rezelos?
Conhecemos a separação de posições no nacionalismo galego, entre independendistas (mais próximos da Esquerda e Extrema Esquerda) e reintegracionistas (mais centristas). O MIL é transversal ao espectro político convencional. Temos entre nós pessoas que politicamente se posicionam mais à Esquerda (como eu), outras mais à Direita, outras que francamente não têm posição política assumida. Adriano Moreira foi um quadro do Antigo Regime, decerto, mas foi também um quadro que deixou o Governo em ruptura com Oliveira Salazar precisamente porque defendia uma maior autonomia para o então "Ultramar Português". Chamado ao governo no começo da década de sessenta para ocupar o cargo de ministro do Ultramar, lançou uma série de reformas como a abolição do Estatuto do Indígena e do trabalho obrigatório e a elaboração de um Código do Trabalho Rural. Certo dia, quando Salazar o chama ao seu gabinete e diz-lhe "é preciso mudar essa política". Adriano Moreira responde apresentando a demissão.
Sem comentários:
Enviar um comentário