Da ineficácia da paróquia e outros contos
No primeiro sábado de setembro teve lugar uma reunião em Compostela na que se procurou compreender as consequências que implica o “Anteproyecto de Ley de Racionalización y Sostenibilidad de la Administración Local” para o futuro reconhecimento da personalidade jurídica da paróquia, previsto no Estatuto, e para a continuidade das fórmulas de democracia direta em concelho aberto, contempladas no Lei de Bases da Administração Local e que o projeto de “racionalización” irá eliminar.
À reunião foram convocadas todas as forças políticas galegas, respondendo positivamente apenas quatro partidos, recusando amavelmente o convite mais um, ao não “concordar com a potenciação administrativa das paróquias por uma questão de eficiência”, e ignorando a convocatória todos os restantes. Desídia, medo, desinteresse ou ignorância são hipóteses para tentar entender porque os partidos políticos galegos levam trinta anos virando-lhe as costas à forma mais genuína de expressão política do mundo rural. Para uma classe política (e para os aspirantes a entrar nela), que apenas sabe emular e adular as modernices forâneas, tal vez os apelos à tradição, às reivindicações históricas do galeguismo ou aos manifestos de sindicatos agrários ou organizações comuneiras não valem um patacão.
Contra a defesa obstinada da paróquia rural, há quem tem recomendado “salir y ver mundo”. E é certo que por aí fora podem ver-se cousas bem interessantes. Em Gales e Inglaterra, um bocado para além dos fins-de-semana de compras em Londres, há hoje mais de 10.000 concelhos paroquiais (em Gales, os quase 900 “concelhos comunitários” administram a totalidade do território) e, desde 1997, é política pública potenciar estes órgãos nos lugares onde ainda não estão constituídos. Mesmo nas zonas urbanas da Inglaterra, nas que foram suprimidos em 1974, voltam agora a se promoverem por meio de uma reforma legal levada à frente em 2007. A Associação Nacional de Concelhos Locais (NALC, nas suas siglas em inglês) vem de lançar com o apoio das instituições a web “Cria um Concelho” na que se insta e explica o processo de criação de governos paroquiais:http://www.createacouncil.nalc.gov.uk/
Para estabelecer um concelho paroquial (que, em função do lugar, pode designar-se “de bairro”, “de aldeia”, “de paróquia”, ou “de vila”) é necessária uma petição assinada por 50% do censo em paróquias de menos de 500 habitantes e de 10% no caso das paróquias com mais de 2.500. Uma vez constituída, a assembleia paroquial funciona como máximo órgão de decisão e deve reunir-se, no mínimo, uma vez por ano (por lei, depois do chá das seis), delegando as funções executivas num conselho vizinhal eleito. Nas paróquias de menos de 200 habitantes, ou naquelas que assim o decidam, governam-se apenas mediante assembleia, sem qualquer cargo eleito ou designado. Na Inglaterra, 35% do território está sob administração paroquial, implicando mais de 15 milhões de pessoas e investindo mais de 500 milhões de livras anuais, angariadas nas próprias comunidades, até o último penique, através de uma percentagem sobre o imposto municipal.
As paróquias têm competência sobre um amplo leque de serviços, entre os quais o estabelecimento e gestão de hortas comunitárias, a manutenção dos centros sociais, o controle de resíduos e banhos públicos, a construção e cuidado de caminhos, estacionamentos, cemitérios, parques e espaços desportivos, a limpeza de estradas e paragens de transporte, a sinalização e iluminação de caminhos ou o apoio às artes, artesanato e turismo. As paróquias também têm capacidade decisória sobre a designação de diretores ou diretoras das escolas primárias e sobre a construção de estradas, e devem ser consultadas em relação a solicitudes de licenças de obra, sejam públicas ou privadas. As paróquias detêm a propriedade das terras em mão comum (“common land”), hortas comunitárias, cemitérios e espaços públicos, reconhecendo-se que são os órgãos onde a gestão é mais transparente, eficaz e democrática, ao ser a própria vizinhança a que mobiliza os seus recursos para dar solução aos seus problemas e necessidades (veja-se informe da NALC).
É possível dar mais exemplos, mas mencionaremos apenas o da Suíça por ser um caso bem conhecido por várias gerações de galegas que podem dar conta dele. Num país que destaca polo sistema de democracia semi-direta e polos mecanismos de participação política, a pertença à “comuna” é historicamente o fundamento da cidadania, da qual se derivam os direitos políticos no cantão e na própria confederação. Mesmo que assimilados habitualmente à figura do município, há que ter em conta que mais de 50% das comunas da Suíça têm menos de 1.000 habitantes e desses, 31% têm menos de quinhentos, sendo demográfica e geograficamente equivalentes à paróquia galega. Mesmo assim, 90% das comunas suíças (incluindo, portanto, outro 40% das que têm mais de 1.000 habitantes) são governadas por democracia direta (esta sim) em assembleias vizinhais, sem políticos profissionais. E por esse sistema gerem-se a imensa maioria de serviços comunais, incluindo educação, transporte, serviços sociais e saúde, indo para além das competências das paróquias inglesas ou galesas.
Os dous sistemas, britânico e suíço, têm em comum que as pessoas que decidem implicar-se na solução dos problemas da vizinhança não o fazem para ganhar salários de 40 ou 50 mil euros ao ano (como acontece em muitos concelhos minúsculos da Galiza), nem para fazer carreira nos aparatos partidários. No país do “Porco de Pé” os políticos, nas suas poltronas de deputação, conselharia ou parlamento, continuam achando que as pessoas somos cativos, ignorantes, e que se nos deve continuar privando da maioria de idade política, da capacidade de decisão, da nossa soberania. Por isso os nossos “políticos de carreira”, mesmo em plena campanha, preferem continuar ignorado e denigrando a paróquia como estrutura política quando o futuro do seu reconhecimento é posto em causa. Contra eles estaremos na rua o dia 10 de setembro, em Madrid, para que não digam que “no salimos a ver mundo”.
Joam Evans Pim
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