Por Edelmiro Momán
Um dos mais sedutores charmes dos grandes homens é o de serem um pouco crianças. Se calhar requisito imprescindível para conservarem acesa a chama da criatividade, se calhar resultado dum processo maturativo como aquele que descrevera o Nietzsche no seu Zaratustra: o homem deve ser primeiro camelo, logo leão e à fim, ai, criança. [+...]
Não fica dúvida de que José Saramago pertence por méritos próprios à categoria dos grandes escritores e, tarefa existencial muito mais árdua e raramente levada a termo com sucesso na agitada banalidade dos tempos que nos tocou viver, também dos grandes homens. Também não fica duvida a respeito de ter ele completado com grande sucesso o ciclo existencial prescrito pelo pensador alemão. Sim, José Saramago é já, podemo-lo anunciar, criança.
Bom, não me façam muito caso, também sou eu, sem possuir, claro está, as portentosas dotes criativas do génio português, um pouco criança. Gosto de brincar. Brincar, como brincava, ou não, aquela ministra de cultura espanhola quando, colhida com a guarda baixa por maliciosos jornalistas, declarava que a sua escritora portuguesa favorita não era outra que a incomensurável Sara Mago. Ai, Espanha, essa Espanha tão equívoca e travestida como o nosso escritor em mente de ministra. Essa Espanha de regoliz que seduz com a sua arteirice o magim ingel da nossa criança.
Pois é. Quer a nossa criança que Portugal devenha Comunidade Autónoma espanhola. Não falamos nem mesmo daquela Confederação Ibérica com a que sonharam os nossos galeguistas. Não. Região. Espanhola. Talvez, talvez, com um parlamentinho de cartão-pedra como a nossa Junta/Xunta da/de Galiza/Galicia. Um guinholzinho para alegria e divertimento de crianças como nós. Joseíto de mi vida, eres niño como yo. E logo? Não havia ser engraçada a cousa? Uma cousinha pequena, nada mais para estarmos entretidos você e mais eu. Como havíamos gozar, como havíamos rir com os bonequinhos do nosso parlamentinho de guinhol.
Mas, de facto, a profecia saramaguiana corresponde com exactidão matemática com os planos que a Espanha tem para a República Portuguesa. Sim, a acumulação de capital, planificada desde bem antes, dos oitenta e noventa está a servir agora para que as caravelas madrilenas se lancem na reconquista das antigas colónias e outros territórios, próximos e distantes. E Portugal, bom, nos delírios néo-imperiais da direita espanhola, Portugal foi sempre um erro. Uma aberração. Portugal, simplesmente, não tinha direito a existir. Portugal, quantas vezes levamos escutado esse mantra maçador do espanholismo, es el brazo que le arrancaron a España, e a Espanha, graças ao avances cirúrgicos das ultimas décadas, tem toda a intenção de se fazer reimplantar o seu braço. Já o está a fazer. A penetração, leva razão Saramago, do capital espanhol em Portugal semelha já imparável e, na estratégia espanhola, resulta fulcral o controlo dos meios de comunicação.
Claro que, sendo assim, para o capital espanhol a opinião dos portugueses relativamente a este processo conta mais bem pouco. Por um lado, em coerência com marco interpretativo que vimos de descrever, Portugal é espanhol, foi sempre espanhol, polo que a Espanha não faz mais do que tomar o que é seu. Por outro lado, as opiniões, sabemo-lo bem, fabricam-se. Existe ainda um terceiro factor dentro do mais profundo pensamento cavernário da Meseta que contribui para restar importância ao sentir dum povo português que, como vimos de ver, para qualquer uns quase nem existe porque, na verdade, são humanos os portugueses? Alguns jornalistas espanhóis parecem por em questão a exacta natureza biológica do português. Assim, um jornal espanhol dando conta dum fatal acidente de tráfico, subintitulava: «Mueren dos personas y un portugués». Seres vivos, são, por quanto podem morrer.
Não é brincadeira. Tristemente, essa Espanha existe. Pode não ser quantitativamente maioritária, mas qualitativamente é poderosa, dominadora. Também existem outras Espanhas, sem dúvida, as que foram quem de seduzir Saramago na sua idílica ilha.
Porém, não esqueça o leitor português que a “transição” espanhola, que converteu Espanha numa anacrónica monarquia, não foi tal. Não esqueça que os franquistas, sim, aqueles que queriam conquistar Portugal pola força das armas, seguiram a dominar em grande medida a sociedade espanhola, seguiram a se enriquecer e que hoje seguem a ocupar postos de poder proeminentes a todos os níveis e a receber prebendas do Estado, governe quem governar.
Dessa Espanha não fala Saramago, como não fala da intransigência linguística, politica e cultural, como não fala da negação contumaz do direito de autodeterminação e do carácter plurinacional do Estado, como não fala do retorno à caverna que está a sofrer a direita hegemónica espanhola, como não fala da acumulação de capital e investimentos em Madrid, como não fala da proposta de modificação da lei eleitoral para favorecer a alternância no poder dos dous partidos hegemónicos (“nacionais”, espanhóis, os únicos que podem aspirar a ter maiorias absolutas), como não fala da manipulação informativa que já começa a salpicar dum falso iberismo os periódicos portugueses controlados pola banca espanhola e não só...
Não esqueçamos, por último, que na linguagem financeira moderna “fusão” significa decote “absorção”. Negociar? Para que haviam negociar o que podem conquistar? |
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