sábado, 21 de janeiro de 2012

eu nunca vivi no passado Gabriela Silva



Eu nunca vivi no passado. O meu presente pode não ser bom mas o passado não me serve de nada neste momento. Viver a realidade que temos pela frente, isso sim, parece-me ajustado àquilo que hoje penso sobre a vida.
Há contudo momentos em que temos que fazer o rewind da nossa mente para irmos buscar as razões que nos levaram, num determinado tempo e num certo contexto, a agir de determinada forma. A vida é um conceito dinâmico e todos temos o dever de mudar quando concluímos que aquilo que pensamos pode não estar tão correcto como acreditamos em determinado momento das nossas vidas. Mudar de opinião e de atitude é do mais salutar que conheço.
Quando eu era pequena fui ensinada a amar a Deus. Nascida e criada numa família católica, apostólica, romana, aprendi que existia um só Deus que nunca questionei. Mesmo tendo sabido “barbaridades” sobre um Padre que foi pároco da Fazenda das Lajes ainda antes de eu nascer, a verdade é que, crescia pensar que Deus, sendo bom, era muito exigente, castigava os maus e premiava os bons, estava presente em todo o lado, via tudo e havia de nos julgar no fim do mundo e no final das nossas vidas. Passei a infância a imaginar o mais terrível dos julgamentos por causa do meu feitio, da mania de querer mudar o mundo, etc, etc. Ainda não aconteceu porque ainda estou viva mas já não tenho medo desse julgamento. Contudo, muitas dessas “crenças” fizeram estragos graves na minha vida de adulta porque hoje sei que as crenças não são assim tão fáceis de eliminar e abrem janelas “killer” na nossa memória afectiva. Mas pronto! O tempo ensinou-me as diferenças entre regulamentos sem graça feitos pelos homens e as coisas de Deus tão precisas e tão simples na enunciação, revelou-me a existência de padres com uma humanidade ainda maior que a minha e a verdade é que “ventilar” cabeças com ideias novas nem sempre é fácil. Ficou dentro de mim, inabalável a imagem de Jesus Cristo, capaz das melhore e maiores atitudes de abnegação, um Homem que nasceu para nos recordar a nossa força, ele própria a força maior da Mãe Gaia por Ele criada para o equilibrio. Quanto à igreja católica e demais igrejas, estou a aprender a conviver com a existência delas sem me perturbar. Não é fácil. E só não vou explicar porque não gosto de cair no discurso da desgraça nem vale a pena. Mas o Deus castigador e terrível em que me fizeram crer, já não está dentro de mim.
Com a política, a coisa foi mais ou menos a mesma. Nasci em pleno fascismo e, na altura, na ilha, não se falava de política. Os valores que me passaram eram os valores da época. E vivi assim, a fazer o que devia, a obedecer e a calar muitas coisas que gostaria de ter dito, mas que não seriam correctas, à luz da ética desse tempo.
Em 1974, quando se deu o 25 de Abril, estava na ilha a trabalhar e só percebi a revolução ás três da tarde do dia 25. Leccionava então na Fajãzinha e o rádio lá dava muito mal. À hora de almoço, soube que acontecera alguma coisa em Lisboa mas nunca pensei que fosse importante sabê-lo. Fiquei na escola até à hora de saída.
Depois, toda a gente sabe como foi. Quem viveu nesse tempo, sabe-o bem. Começaram logo grandes transformações, apareceram logo pessoas com novas ideias e novos ideais e a vida das pessoas mudou de um dia ao outro. Havia dinheiro e a liberdade restituída parecia ter a força de um caudal de boas novas. Mudaram-se muitas coisas em pouco tempo. Mas muitas mesmo. E toda a gente sentia na alma esse apelo de viver a liberdade de forma intensa. Mas depressa se passou ao insulto e á forma despudorada de acusar os outros, de se questionar tudo e todos. A privacidade das pessoas passou a ser invadida sem escrúpulos e muitos arvoraram-se no direito de considerar a democracia uma coisa sua com total desrespeito por quem tinha trabalhado até então pelo bem comum. Dava ideia que nada do que estivesse feito podia valer o que quer que fosse por ter sido construído dentro de um ideário que era para abater. Também nessa altura sofri, muito porque vi atacar pessoas que conheci muito bem como generosas, inteligentes e humildes que foram tratadas de forma muito pouco gentil por aqueles a quem já tanto tinham feito. Não foi bonito. Vi queimar centenas de livros nas bibliotecas escolares e, nalguns casos, era obrigatório rasgar as primeiras folhas “deixando em sangue” aquilo que foi considerado “literatura fascista”. As crianças, nas escolas, olhavam perplexas as fogueiras de papel que tínhamos que considerar uma atitude correcta. Eram ordens num tempo em que as ordens eram para acatar.
O ensino sofreu um rude volte face. De um dia ao outro parece que nada teria sido bem feito. Havia diariamente um “começar de novo” que colocava em causa todo o conhecimento anterior. As professoras mais velhas andavam aturdidas com as novas ordens e as crianças começaram a desassossegar com a nova forma de trabalho. Posso garantir que, durante alguns anos, reinou o desnorte completo na vida do pessoal docente.
Em 1980, filiei-me no Partido Social-democrata. Apareceu pelas Flores o senhor José Arlindo Trigueiro, um dos fundadores do PPD/PDS nos Açores. Era uma pessoa de bem, reconhecidamente um homem sério das Flores e trazia nas mãos um partido democrático. Sá Carneiro era uma figura muito amada nesse tempo e eu não fugi ao encantamento com o estadista que, de resto, por amor a Snu Abecassis, aparecia no contexto, como um homem muito à frente do seu tempo. Não esquecer que vivíamos numa sociedade que se democratizara havia pouco mas que guardava terríveis “crenças limitadoras”. Foi aí que reconheci em Sá Carneiro o líder que eu queria imitar e lá me alinhei nas hostes social-democratas. Não me arrependi disso mesmo percebendo desde o início que nem a democracia iria resolver os problemas da humanidade e as consequências terríveis de uma revolução mal entendida.
Lá fiquei pelo Partido até 1984, altura em que fui convidada para fazer parte da lista de deputados pelo partido. Na altura, não sabia absolutamente nada de política. Mas nada. Tinha estudado muito, completara já na altura o 7º ano do liceu e tinha concluído o primeiro ano do curso de Direito que era aquilo que queria mesmo fazer. E que não fiz.
Fui eleita deputada em 1984 e mantive essas funções até 1988. Apenas. Foi um mandato todo passado num edifício da Colónia Alemã, que eram instalações provisórias enquanto se construía a nova sede da Assembleia Legislativa. Nesse tempo, ainda se usavam escudos e um deputado tinha um vencimento pouco acima do que ganhava então um professor. As ajudas de custo eram calculadas com base nesse vencimento e não davam para cada um dormir sozinha no hotel Fayal. Partilhei quarto, toda a legislatura, com a minha amiga Cinelância Cogumbreiro. Havia apenas um carro na Assembleia. Era uma carrinha de sete lugares que ia ao aeroporto as vezes todas que fossem precisas para trazer todos os deputados.
Na época não existiam computadores. Algumas máquinas de escrever serviam os deputados e, quem tivesse dificuldades, podia recorrer aos funcionários do Partido, que eram apenas dois, para passar à máquina, as intervenções que escrevíamos à mão. O diário da Assembleia era feito com base na gravação das sessões que eram passadas a registo escrito por dois funcionários que assistiam a todas as sessões e gravavam tudo o que lá se passava.
Tive a honra de privar com pessoas muito inteligentes e cultas, políticos de primeira, que estavam então a construir aquilo que viria a ser a Autonomia da Região. Na época, o Dr. Álvaro Monjardino era um dos estudiosos empenhados na história dos Açores junto com o Dr. José Guilherme Reis Leite e ainda o Dr: Melo Alves, personalidades fascinantes do PSD e da Assembleia Regional de então.
Mas não eram só eles. Nunca me esqueço das intervenções desassombradas e empolgadas de Jorge Nascimento Cabral, meu queridíssimo colega de bancada e de variadas comissões parlamentares. Jornalista e humanista, Jorge Cabral deixa o seu nome ligado à vida do nosso partido naquela época. Com ele, dentro da mesma geração, o Dr. Jorge Castanheira Cruz, o José Carlos Simas, o Dr. José Adriano Borges de Carvalho, o Dr. Fernando Flor de Lima e alguns outros cujos nomes não me ocorrem no imediato. Todos eles, cidadãos empenhados que não eram, na época, escolhidos ao acaso.
Américo Natalino Viveiros teve, na altura, um tempo de graça, que durou muitos anos. Um homem com uma cultura política considerável, carismático, era muito poderoso junto da população da ilha de S. Miguel. Liderou muito tempo a bancada do partido e foi Secretário Regional do Comércio e Indústria num tempo de ascensão para a política açoriana. Dos jovens deputados fez parte António Silveira, de S. Jorge, mais tarde Presidente da Câmara de Velas e José Leovigildo, um empresário que se manteve até hoje no topo das referências de jovens empreendedores.
Não citei todos os colegas mas tenho presentes os rostos, bocados de intervenções, momentos diferentes que se viveram na bancada do nosso partido.
Foi uma fase muito interessante da história dos Açores uma vez que foi também o tempo da “guerra das bandeiras”, da entrada de Portugal para a Comunidade Económica Europeia e ainda a legislatura da Lei de Orientação Agrícola, que passou na minha Comissão e de uma grande reviravolta nas pescas. Tínhamos, nesse tempo, na Secretaria das Pescas, o Dr. Adolfo Lima, um homem carismático, brilhante orador e um trabalhador incansável. O Secretário Regional das Finanças era o meu saudoso amigo Sr. Raul Gomes dos Santos, um homem de finíssimo trato, um senhor!
Tenho saudades desse tempo partidário. Mesmo sabendo pouco, absorvia tudo o que me quiseram ensinar, tirava dúvidas junto do Dr. Álvaro Monjardino e do Dr. Melo Alves, aprendi tanto sobre tanta coisa!
Não é difícil perceber que me tenha apaixonado por esta social-democracia. Os exemplos que tinha eram muitíssimo bons e nunca me passou pela cabeça mudar de partido ou de ideário. Conhecia a Constituição de pernas para o ar e conhecia a história da social-democracia no essencial. Fazia campanhas de forma apaixonada porque nunca pensei que a bandeira cor-de-laranja pudesse ser profanada. Nessa altura, as campanhas eleitorais eram seguidas com grande entusiasmo pelas pessoas, faziam-se efectivas sessões de esclarecimento com muita gente presente e não havia praticamente abstenção. E, mesmo assim, eu ainda era crítica em relação ao meu partido. Lembro-me de algumas grandes teimas que empreendi, sem sucesso, nas reuniões do grupo parlamentar. Contestatária e “desobediente”, não logrei atingir o estatuto de “imprescindível” como muita gente que nunca mais deixou a política até hoje. Abandonei a Assembleia em 1988 e voltei à escola!

O tempo mudou. A entrada de Portugal para a Comunidade trouxe consigo novos ventos e muito dinheiro. A partir daí, o progresso surgiu a um ritmo impossível de conter. As ajudas europeias tomaram proporções de tal ordem que as obras começaram a suceder-se a uma velocidade insuspeita.
Em pouco mais de duas décadas, a vida nos Açores transformou-se por completo. Mota Amaral foi o homem das infra-estruturas e da conquista da Autonomia, Carlos César, o homem das obras, das estradas, das novas tecnologias, de mil e uma coisas que se fizeram para mudar o rosto das nossas ilhas.
Não sei onde se criou o ponto de ruptura com a realidade. Não sei quando é que se começou a falar mentira de forma mais sistemática. Não sei quando é que os políticos passaram a ser escolhidos à toa, sem tomar em linha de conta a sua formação ética. Não sei como é que o Estado Português chegou a este ponto em que nos encontramos.
Aparentemente não existem responsáveis. Ninguém assume a responsabilidade de nada. A verdade é que todos os portugueses, em geral, estão insatisfeitos com aquilo que temos.
O que é que eu quero dizer? Algumas coisas.
O PSD que me levou à filiação já não existe. Não me revejo neste PSD que anda agora por aí a fingir que “tem as mãos limpas e o coração puro”. Nada. Não posso acreditar na veia humanista de quem tanto despreza as pessoas! Não estou nem aí. E tem mais: fingir que não se tem nada a ver com o assunto, é a pior forma de fazer política que eu conheço!!!
O Dr. Mota Amaral é um senhor. Tem na Assembleia da Republica um mandato igual a muitos outros e não pode estar 214 horas a falar dos Açores. Enquanto ele cá andou fez o que devia fazer, quando achou que se devia ir embora foi. Essa parte que me desculpem mas eu acho que ele não tinha obrigação de ficar toda a vida como não tem agora obrigação de pedir desculpa pelos erros que se têm cometido na Região. O Dr. Mota Amaral é o passado, não é o presente. Quem está nos Açores é que vai ter que ir falar com os eleitores, é que vai ser submetido ao julgamento dos eleitores nas próximas eleições. Quem está, quem quer continuar a estar, quem não está mas quer estar…..
O que é que temos para dizer aos eleitores? O que é que os partidos podem dizer aos eleitores que faça sentido para eles? É ISSO QUE ESTOU PARA VER.
Como é que se estão a preparar as eleições? Com conversas á porta fechada tentando manter os conluios e os amigos dentro da situação, a planear rambóias pelas freguesias para voltar a enganar as pessoas?
Alguém está a pensar nas pequenas freguesias rurais, nos problemas da toxicodependência, nos furtos sistemáticos, na pobreza envergonhada, na agricultura decadente, nos jovens desempregados? Está tudo a pensar em números bonitos para mostrar à comunicação social ou vamos enfrentar de uma vez por todas os erros que fomos cometendo ao longo da história para construirmos um novo futuro?
Eu não estou a dar conselhos a ninguém mas estou a reflectir em voz alta, preocupações que são de muita gente que talvez não tenha capacidade para dizer o que sente porque não tem acesso a estes meios rápidos de fazer passar a informação.
A crise económica está a levantar lentamente o véu da nossa impotência colectiva. Está também a “esborralhar-se” o muro da vergonha que alguns tinham de falar das suas dificuldades porque sempre confundimos “ser com ter”.
Estamos a sair do marasmo e do seguidismo. Talvez alguns já tenham novas ideias para mudar o mundo. Já há mais gente a pensar. Também é verdade que há muito gente a criticar, a demolir, a mandar abater, a chatear. Mas há muita gente a pensar!
Há muita gente que só aponta o lado negro da questão, que passa o tempo a colocar o higlight sobre os erros da coisa. Mas olhem que há muita gente a pensar!
Eu estou aqui a pensar! Gostava de partilhar contigo esta longa reflexão e peço que me ajudes a pensar! Bora?
Vou dizer uma frase que amo e que tem sido uma verdadeira força para mim em diferentes momentos da minha vida

“Não é possível voltar atrás para fazer um novo COMEÇO mas é sempre possível construir agora um novo FIM!

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