Entrevistas
Criação literária nos Açores não está em crise
Esta é opinião de José Carlos Frias, livreiro açoriano, que esta semana é o convidado da rubrica “Entrevistas” deste jornal.
Qual a sua opinião sobre o actual estado da literatura açoriana?
A literatura está bem e sempre recomendável. O que falta, neste momento, é também o que sempre faltou, ou seja, fazem falta mais pessoas com interesse pela leitura.
As publicações de autores açorianos já merecem a devida atenção por parte do público e das entidades culturais do Arquipélago?
Da parte das entidades, há os apoios à edição concedidos pela Direcção Regional da Cultura. No que diz respeito à promoção de hábitos de leitura, vai ser implementado o Plano Regional de Leitura que, naturalmente, é uma situação muito positiva para a área.
Será correcto dizer que estamos a assistir a um emergir de novos escritores no Arquipélago, ou, pelo contrário, a literatura dos Açores continua muito dependente dos autores que já levam vários anos de carreira?
Não há propriamente uma crise de criação. O que se pode dizer é que existe pouca visibilidade e, por vezes, fracos critérios de edição. Desta forma, fica-se com a ideia que há mais gente a publicar do que a ler. À semelhança do resto do País, publica-se muito para a parca quantidade de leitores. Assim, a preocupação mais urgente é apostar na educação de leitores e isso faz-se através da promoção de uma educação para a leitura.
Pela sua experiência, pensa que um açoriano consegue viver dos livros que escreve na Região?
Neste ponto, como as tiragens são muito pequenas, as receitas não suportam os rendimentos de vida e de sustentabilidade tanto doo escritor, bem como das editoras. Um livro só tem retorno numa edição com tiragens superiores aos 3.000 exemplares. Ora isto é muito raro acontecer nos Açores.
Em termos gerais, que livros são mais procurados pelo público açoriano?
O público açoriano está a ler o que lêem os continentais, que, por sua vez, lêem o que o resto do mundo também lê. A globalização também se sente neste sector, principalmente pelos mais jovens. No entanto, podemos sempre dizer que há uma maior leitura de poesia e romances nas ilhas. Fica-nos sempre bem dizê-lo e na maior parte das vezes tal corresponde à verdade.
Todas as actividades comerciais sentem, neste momento, os efeitos da crise. No ramo literário, se pudesse contabilizar, a quebra nos últimos anos é muito acentuada?
O sector da edição e das livrarias sempre sofreu muito com os fracos números que produz, ou seja, do zero só cresce-se muito pouco, tendência que sempre se verificou nos últimos anos acontecia, até com alguns negócios de fusões e aquisições. Neste momento a quebra é generalizada, veja-se, por exemplo, que na Grécia o sector está completamente parado, sendo que até as grandes redes de livrarias se encontram a sair do pais, como aconteceu com o caso da Fnac.
O que pode ser feito para contrariar os efeitos da crise nas empresas, principalmente neste sector?
Resta-nos sempre dizer que uma das causas para o sector livreiro estar assim é precisamente as pessoas não terem lido mais, o que não quer dizer que, caso o cenário fosse o contrário, os problemas estivessem todos resolvidos. Todavia, uma população culta, certamente, contribuiria para que não se chegasse a este estado de miséria. Basta comparar os índices de iliteracia entre os países da União Europeia. Por exemplo, um sueco lê 12 livros por ano em média, enquanto entre os portugueses, somente 50% da população lê um livro por ano. Face a isto, está tudo dito…
Teme que o ano de 2012 possa ser nefasto em termos de liquidez financeira das ditas pequenas e médias empresas na Região?
Certamente que sim e também já sabemos que temos de trabalhar como escravos para ultrapassar um ano que todos queremos que passe rápido.
Enquanto empresário, o que considera ser mais negativo para as empresa: as dificuldades no acesso ao crédito bancário, o efeito recessivo que a crise está a ter nos consumidores, a concorrência desleal, ou outro factor?
A conjugação de todos estes factores resume-se na tempestade perfeita. Espero, contudo, que as pessoas a saibam enfrentar sem perder a sua ética, honra e dignidade.
Por último, e sendo livreiro, preocupa-o o impulso da dita literatura digital?
Colocar as pessoas a ler é a principal preocupação, independentemente do suporte em que o façam, no entanto, acredito que o formato em livro físico não seja posto de parte, tendo em conta que o digital será sempre uma imitação do mesmo e ainda por cima mais cara. Parafraseando Gonçalo M. Tavares, “ler um livro é como entrar numa igreja, ao entrar ficamos em silêncio e concentramo-nos, o que no digital não acontece por natureza”.
2012-01-20 17:00:00
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