Alexandre Banhos
É perceção universal que é cousa muito difícil a de se unirem os galegos e galegas, e é perceção que se acha no país e fora dele. Para o nosso observador, aparecerá sempre a pergunta: Porque é que os galegos, em vez de se unirem, pretendem andar revolvidos como pretexto para se cindirem indefinidamente?
Tanto o nosso observador, como os moradores da Galiza, têm essa unânime perceção que vem já de longe no tempo da história, a da dificuldade de se unirem os galegos e galegas em empresas comuns e em projetos que partam deles próprios.
São muitas as testemunhas na história, de próprios nacionais da Galiza, a afirmarem a dificuldade de se unirem os moradores desta terra. Pareceria que há na Galiza alguma força telúrica que condiciona o genoma dos habitantes deste belo território e que faz que isso de se unirem para algo coletivo e comum como povo, seja de grande dificuldade
Depois de reparar nos factos, e olhar elementos históricos do devir como povo, depois de rever nas distintas caras que possa ter a afirmação do nosso observador, eu também tenho de dizer – que isso é completamente certo –, é muito difícil de se unirem os galegos e galegas.
Mas será a cousa assim tão simples? Imos debulhar um pouco os graus que há nessa espiga da união, e sobre qual cousa é isso de se unirem.
Que significa unir?
Pois unir é somar esforços a um objetivo comum. A Unidade exige: liderança, disciplina, e/ou partilha de objetivos.
Partilhar objetivos é muitas vezes o resultado da socialização e posta em comunhão desses objetivos, muito bem interiorizados. Para alguns a posta em comum desses objetivos vai a favor da força da água do rio da vida, quer dizer, a isso colabora a escola, os meios e até as conversas de taverna. Nós nadamos contracorrente.
Sempre os galegos e galegas aparecem dividindo-se?
Há momentos em que os galegos e as galegas agem unidos e compactados, pode parecer que é um momento, um simples instante, uma situação histórica, mas são ocasiões em que na Galiza o povo age unido e com força intratável. Todos temos na cabeça lembranças de momentos em que isso se produz. Porém, acreditamos nisso como excecional.
Que é isso de se unirem?
Há também na Galiza, unidades que parecem naturais, nem se discutem, e nascem dum sentimento de pertença, e correspondem à defesa solidária dos que entre eles tenham consciência dessa pertença comum.
Na Galiza essas unidades são palpáveis, veem-se por todo o lado. Dizia-me o outro dia uma limiã: Os do Vale do Salas são muito unidos, não há em Ginzo de Límia quem se possa meter com eles, funcionam imediatamente com a norma de todos para um, e é assim sempre... Que gente mais unida, fazem guerra, se preciso, em defesa dos seus camaradas de território, sempre bem unidos.
Mas isso a pouco que ela começou a reparar, percebeu que era algo que em maior ou menor grau se produz em muitas unidades naturais. Num caso é a aldeia, noutro a freguesia, noutro uma unidade natural territorial com muita interação entre os seus membros. Que seja uma ou outra a unidade na que se afirmam os laços dessa comunhão e solidariedade, não depende dos que se unem, e sim frente a quem se unem.
Os galegos e galegas unem-se sempre frente a alguém, muitas vezes frente a eles próprios. Dum jeito que para o observador não pode ser simples de entender.
Ao fio disto reparemos algo da nossa história, concretamente sobre uma das mais importantes afirmações galeguista, e que fez parte de quanta declaração de princípios se tem feito.
Para o galeguismo, desde os primórdios, era um facto de que estavam muito conscientes, que a organização ajeitada do território era parte fulcral do seu programa. A construção dum país tal e como é devido e bem vertebrado. Um país assim vai ser mais fácil de gerir e unir a pouco que se reparar nisso.
Porém – os nossos vivíssimos competidores – sempre foram conscientes disso. Todas as medidas organizativas, para o nosso território por eles adotadas, funcionaram sempre como deslocadoras e rachadoras dessa unidade primordial. O nacionalismo dominante após a transição, isso esqueceu-o não pouco; não percebe que organizar bem o território e o jeito da sua ocupação humana, é fulcral para evitar desertificações, para evitar a angúria da solidão e o abandono que o vai penetrando, para fazer vivível uma Galiza com futuro.
Desde o nacionalismo galego dominante, essa amnésia a respeito de algo que formava o cerne do galeguismo, levou, ao terem responsabilidades de algum governo, a fazer propostas desestruturantes, como áreas metropolitanas (desconectadas de qualquer proposta de organização integral do território), que não são mais, a fim de contas, que desagregar espaços naturais ainda existentes convertendo-os no interland de espaços urbanos com a colonização cultural bem implantada. Pois para o simples facto de coordenar serviços, era desnecessária. Vê-se também a cada pouco o eco nas suas propostas, daquelas que o think tank principal na Galiza vai difundindo, e sempre numa direção: desintegrar a realidade natural do país. Só na proposta estatutária do Fórum Carvalho Calero, em que tive a honra de colaborar, esse assunto foi tido devidamente em conta, seguindo o modelo português.
Sempre me resultou abalador que da universidade galega não resultem estudos e trabalhos sérios sobre a organização do território partindo da sua realidade natural e que entravem o despovoamento e a angúria da solidão que vai apanhando muitos dos seus moradores. Quando aparece algum trabalho, ele é feito desde a distância burocrática e pensando mais na funcionalidade do estado espanhol que do país das galegas e galegos. Desconheço nenhum trabalho sério e em pormenor que estude como a organização dada polos "vivíssimos competidores" deslocou e rachou unidades naturais milenarmente assentes, e quais os processos de todo o tipo para travar isso. Porém, isso infelizmente, não se acha nos alicerces do pensamento que guia as universidades da Galiza.
Se começarmos a reparar nestas cousas logo se percebe que a Galiza é um universo de unidades locais bastante unidas, mas não travadas entre si, e que modelarmente a emigração para as Américas reproduzia nos vários destinos. Se quisermos unir o povo galego deveremos ser cientes dessas unidades e contar com elas. Unir, fazer unidades, não tem de ser sempre a mesma cousa, a unidade pode ser um resultado muito diverso.
Também há na Galiza muitos outros tipos de unidade: poucos povos têm tal acúmulo de movimentos associativos de todo o tipo (incluídos partidos) – por cima dos setenta mil – e dentro de todos eles há núcleos muito unidos e compactados. Poucos povos têm tantas microunidades de ação e de solidariedade. O que não se acha nunca, salvo exceções, é um centro conectado a essas unidades, mas uma espécie de rede flexível com variedade de largura dos seus espaços e com núcleos diversos ligados a microlideranças, não poucas vezes em relações mais ou menos conflituosas com as que têm mais achegadas.
É que só há um jeito de fazer uniões?
Vejamos uns exemplos fáceis de visibilizar. a) Imos fazer um quadrado de um km de lado, constituído por uma fila bem reta de pessoas e com ângulos de 90º exatos. O total de pessoas de que[1] dispomos é de 4000, cada pessoa dispõe de um metro de espaço. Essas pessoas fazem uma unidade que se chama quadrado neste caso, e que exige uma liderança firme, quase militar ou uma clareza de ideias socializada no objetivo do quadrado, que na prática fariam/imporiam como uma obrigação a cada um dos membros para manterem a postura que é exigível no compromisso do objetivo dessa unidade, um perfeito quadrado.
Se essas pessoas mudarem um quase nada (pode-se comprovar reproduzindo graficamente) a disciplina na fileira ainda que só for por um quinto, um quarto ou um terço dos seus membros, o quadrado esfumar-se-á rapidamente, e será dificilmente percetível.
Os nossos “vivíssimos competidores” têm uma unidade desse tipo, as suas conceções do estado e como ele é entendido são comuns a todas as ideologias e independentes das posições que tivessem uns a respeito de outros, eles sempre firmes em manterem o quadrado... Por esse quadrado, como diria algum, matam.
É possível na Galiza construirmos esse quadrado?
Na Galiza olhamos esse quadrado e ficamos pasmados... Mas se tentarmos fazer cousas que outros fazem fáceis, e nós não dermos, isso vai gerar frustração.
Logo, a resposta a essa pergunta, de pormo-nos a fazer esse quadrado tal como o dos “vivíssimos competidores”, é um contundente não. Mas como dizia antes, é que só se vão poder fazer quadrados assim... Por suposto que não.
Como seria a construção dum quadrado na Galiza?
Pode-se fazer uma estrutura muito forte, quiçá mais forte que a anterior, porém tem que ser de outras maneiras. Na Galiza a estrutura do quadrado tem que começar sempre pola construção de torres em cada um dos seus cantos, cada torre vai ser uma baliza a marcar o quadrado, as torres podem ser muito distintas mas sem essas torres a balizar o terreno na Galiza não poderia ser feito o quadrado pois faltariam sempre as referências, e qualquer cousa que se fizesse esfarelar-se-ia a seguir, ficaria limitada ao para já. Logo as torres são os princípios e considerações que marcam o campo do quadrado. Essas torres têm de ser o Weltanschauung, quer dizer, o seu jeito de olhar o mundo sendo eles balizados pelas seguintes considerações[2]:
1- Galiza o que é, e como é (não pôde ser igual à que desenham os “vivíssimos competidores”, se não vai-se aviado), e como a queremos organizada. O território e elemento fulcral, e aí entra muita cousa desde a sustentabilidade até um projeto de reconstrução desde abaixo.
2- A língua, principal elemento conformador como povo. Se a língua a pensamos dependente do castelhano e dialetal dele e que qualquer cousa nela pode valer, poderia servir para o já, mas esse caminho tampouco leva a nenhures no futuro.
3- Relacionamento com Portugal e a lusofonia. Isso foi parte do cerne do nacionalismo galego desde os primórdios. A nova concepção imposta e socializada com o poder do estado-autonómico após a transição não foi uma decisão científica e neutral, foi a decisão consciente de qual era a alternativa para “Galicia” dos “vivíssimos competidores”. Recomendo uma leitura da tese de doutoramento de Mário Herrero ao seu “Guerra de Grafias Conflito de elites”.
4- Direitos e liberdades e todo o seu desenvolvimento, e o como se desenvolve, posiciona-nos no espectro social.
Todo isso tem que conformar um pensamento que projete o quadrado com uma visão estatalista (com sentido de construção de estado), independente das dificuldades para isso ou do pragmatismo do momento, mas em todo momento tem que informar o quadrado. E isso além do sucesso que esse pensamento estatalista possa ter no futuro, ainda que sem esse jeito de olhar não há muito futuro.
Também seria ideal que na projeção social das balizas houvesse um certo grau de liderança visível, mas não é imprescindível se se socializar as considerações e se saber que sempre é melhor o próximo que os “vivíssimos competidores e seus apparatchik nas mais diversas roupagens”
Lembrai que na Galiza unimo-nos contra, logo passa-nos o mesmo que lhe passava aos fineses, e como dizia um dos seus líderes dos primórdios do século passado Uhro Halonen “A Finlândia é terra de múltiplas individualidades coletivas locais, mas a partir do ano 70 do século XIX todos os fineses tinham uma cousa clara, o maior problema da Finlândia era a Rússia, logo a solução dos problemas de Finlândia não se pode achar na Rússia, pois o problema não pode ser parte da solução, a metástase dum cancro no corpo é isso, cancro, nunca poderia ser definida como a solução ao problema de saúde desse corpo, salvo que se entenda por saúde a sua morte e portanto o fim dos problemas corporais.
Como é pois esse quadrado galego?
Muito distinto do visto há um pouco, será um espaço com o seu interior inçado de inúmeras unidades inscritas, muitas delas quadradinhos mais pequenos e até figuras de formas diversas e fluidas, mas com capacidade de se somarem umas às outras, dentro dos limites balizados. Essas balizas fazem que a união não seja um simples para já na sua plural diversidade. Cada unidade inscrita no quadrado com a sua particular liderança, mas fazendo ao final uma estrutura que não é fraca, e que consegue o resultado proposto, fazer o quadrado.
No quadrado galego nem tudo soma, isso é muito importante sabê-lo, primeiro cumpre estar no espaço balizado. E esse espaço vai-se encher, não com postas em comum em assembleias, pois isso na Galiza não funciona.
Uma assembleia é um processo (num momento dado, e nunca permanente) para se chegar a uma postura comum após debate. Mas num país com tantas microlideranças nunca se chega a posturas comuns, só a soma de interesses “comuns”, pois cada liderança afirma-se frente a outras – e tenta manipular sempre a assembleia –, e tentará levar a água ao rego de subir escalões no mundo das lideranças, salvo se existir alguma estrela, sempre temporária, que apague outras.
Ou pode ser pior, quando se encetam processos assembleares sem balizamento e como tudo se vira para o para já, as lideranças podem queimar processos.
É muito importante sempre perscrutar as propostas no além do para já, e saber qual é a dinâmica dos grupos que se somam, pois há dinâmicas que centrifugam o conteúdo do quadrado, por muito que se declararem a prol dos objetivos. Por isso na Galiza são sempre tão fulcrais as ligações e contactos pessoais entre as múltiplas lideranças – tanto locais como de âmbitos especiais ou particulares –, pois só partindo da vontade comum em interesses e projetos, e do fraternal respeito e mútua e sincera confiança, é que a soma resulta num quadrado certinho.
Pode-se chegar a acordos com gentes e grupos que estão totalmente fora do quadrado ou que só parcialmente estão inseridos nele?
Acho que sim, mas nesse caso o que há que negociar com eles não é só os interesses concretos ou que se concretizem num para já, e sim as diferenças, pois o problema onde vai estar é nas diferenças.
Não há cousa mais fácil na Galiza que chegar a acordos com quem quer que for. Todo o filho desta terra deixa sempre um cabo a que se pode amarrar até o seu mais ferrenho inimigo. Fazerem-se declarações de boa vontade e de todos quererem o melhor é muito fácil, e mais se não existir realmente nenhum elemento balizando o País, ou se as balizas forem os determinantes que os “vivíssimos competidores” colocam.
Quem não vai querer assinar essas declarações sem nenhum elemento balizador, sem projeção para o além do já?
Tenho pessoal experiência de sucesso em construir alguns quadrados. Na Galiza é factível fazermos quadrados, mas é muito mais importante conhecermo-nos para não gerar frustrações, quando se anda nesses trabalhos, e sabermos que o para já, acaba sendo o problema para o sucesso como país, quer dizer, o sucesso no além de para já; e nunca esquecer as esquisitas diferenças que entre nós, ainda dentro do quadrado, mantemos. O respeito aí, é como no evangelho, pedra angular.
E isso sim, qualquer projeto sério e viável tem que acreditar firmemente no nosso povo, que no seu comportamento como tal, com as suas próprias particularidades, é do mais normal do mundo.
1] Considerações filosófico-politicas na construção de alternativas centradas e de sucesso, que sejam quem de tirar a Galiza do fundo no que se acha. Núm. 2
[1] Onde se diz quadrado, pode ser substituído por qualquer objetivo que se desejar. O do quadrado escolheu-se pola sua doada gráfica visualização.
[2] Estas considerações são as que correspondem a nossa tradição galeguista, as exprimidas polo movimento galeguista, do século XIX, das Irmandades da Fala e do Partido galeguista. Curiosamente ao dar-se um pequeno reconhecimento da Galiza (após o franquismo), conseguiram os “vivíssimos competidores” muda-las polas balizas do estado e as suas fronteiras, e por incutir aqui um olhar “espanhol” do mundo.
Mas é um olhar espanhol, muito diverso daquele mundo espanhol no que se afirmavam também antes muitos galegos e galegas, que afirmando-se tais espanhois, definiam-se galegos; sendo a vez profundamente distintos do mundo e concepções que poderia, chamar-se de além dos montes de Leão.
Espanha e espanhol, além do seu significado presente é uma categoria histórica, para um galego do gallaeciorum regnum, Espanha era o reino dos vissigodos de aí que a fronteira nas Astúrias a marvaram com o rio Espanha. Pra os galegos do reino da Galiza, Espanha era o território muçulmano, para os galegos do renacimento Espanha em realidade era a criação deles, ser galego e agir como tal era o verdadeiro jeito de se ser espanhol.... Como anedota lembro uma viagem sendo novo (1972) desde a Suíça a Madrid acompanhado de emigrantes na Confederação Helvética... e ao chegarmos a Madrid.. todos reclamavam: Mas a ver quandp chegarmos a Espanha... não estivemos em Espanha até estarmos na Galiza.
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