in diálogos lusófonos
Brasília em janeiroRAY CUNHA raycunha@gmail.com Qualquer cidade é única, mas Brasília é a mais singular de todas. Lúcio Costa, o urbanista que a tracejou no Cerrado, disse que suas vias seguem curvas femininas. Mas as cidades são como mulheres porque guardam mistérios que só podemos desvendar caminhando nas suas ruas, mergulhando nos seus subterrâneos, subindo a seus terraços mais altos; nas mulheres, percorremos insondáveis abismos. E quanto mais nos perdemos nesses labirintos mais as amamos. Oscar Niemeyer completou o equívoco de Lúcio Costa. Afirmou que ergueria uma cidade comunista. Com efeito, Brasília é feita de monumentos e guetos. A cidade mais moderna do mundo é uma sucata de concreto, e absolutamente corrompida. Em janeiro, Brasília morre um pouco. Suas manhãs são sonolentas e as noites, burocráticas. A cidade renasce em março, quando as estudantes enchem as ruas de rosas, as noites guardam surpresas inesgotáveis e os ladrões estão mais assanhados do que nunca na Casa dos Horrores. Em janeiro, restam os shoppings, catedrais de luxúria, livrarias, cafés, restaurantes, mulheres que de tão bonitas parecem irreais. Já não ouvimos falar no operário deslumbrado pelo poder e mitômano – por isso mesmo perigoso -, nem no patrimonialista da Casa dos Horrores. O povo fica cada vez mais como os franceses de 1789. No Rio de Janeiro e em São Paulo, que são o Brasil de ponta, as águas de março se antecipam na sua rotina anual e desmascaram governantes incompetentes. No Brasil profundo o tempo permanece parado. Além do meu jardim, que explode em rosas, e de mangueiras grávidas de mangas lindas como seios, e além do quarto, entrego-me ao meu mundo secreto, prenhe de prazeres e de morte. Trabalho num romance com páginas perigosas, no qual se movem personagens sinistras como Cara de Catarro e Boca de Sacola, mas que não andam simplesmente atrás de vasos marajoaras recheados de cocaína, nem de diamantes, estão atrás de verbas para obras públicas, de merenda escolar e de cabides de empregos. Agora, as cidades contam também com os blogueiros. Há blogueiro para tudo. Os blogueiros são a desgraça dos honoráveis bandidos, dos governadores e prefeitos capazes de furtar, ou, se for o caso, assaltar a própria mãe, metendo-lhe um facão, se houver necessidade. Os blogueiros são como os franceses de 1789; são, muitas vezes, jornalistas na verdadeira acepção do termo, pois desmascaram os honoráveis bandidos em plena bacanal. Logo virá o Carnaval. Brasília morre também um pouco no Carnaval. Depois, as ruas voltam ao seu movimento habitual, e só então Brasília se assemelha um pouco a uma cidade brasileira. Fica mais barulhenta, mais cheia de lixo, de buracos, de carros. Porém voltam a desabrochar nas ruas, nos subterrâneos, nos shoppings, as rosas de março. Crônica publicada em 18 de janeiro de 2011 |
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