Otto L. Winck: «Minha pesquisa me descortinou de maneira especial a importância da língua galego-portuguesa na construção de nossas identidades lusófonas»
A tese de doutoramento do escritor e professor brasileiro analisa a identidade galega
Terça, 17 Julho 2012 07:57
PGL - Otto Leopoldo Winck é Doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná, escritor, autor do romance Jaboc (Prêmio Nacional de Academia de Letras da Bahia, 2005). A sua tese, «Minha Pátria é minha Língua: construção da identidade e sistema literário na Galiza», defendida recentemente em Curitiba, debruça-se sobre a "célula matricial da lusofonia", com uma profundidade e compreensão que nunca antes se tinha dado no Brasil nem talvez em parte alguma.
O autor debruça-se sobre duas narrativas ficcionais que tem como tema a procura/descoberta da identidade:Arredor de si, de Otero Pedrayo, e Periferias, de Carlos Quiroga. Acrescenta ainda ao corpus um relato de viagens do brasileiro filho de galegos Renard Pêrez,Chão galego, que completa com um olhar exterior a abordagem do problema identitário galego.
O estudo apresenta um intenso recuo hitoriográfico e teórico para chegar a um enquadramento exequível da prosa de ficção do século XX, onde justamente se (re)avivam o interesse e a necessidade, na Galiza, pela sua re/construção identitária, e onde se vai realizar a análise central. No trabalho entra-se na discussão do conceito nação, examina-se a História da Galiza entre Espanha e Portugal, percorre-se o "despertar de uma consciência" galega no seu decorrer histórico, coloca-se um olhar mais do que de través sobre a Literatura Galega na sua estrutura sistémica, para chegar às análises literárias e à observação fundada das estratégias de construção da identidade no e do sistema literário galego.
PGL: Que leva a um escritor e professor brasileiro a debruçar-se sobre a literatura galega e sobre a Galiza?
Otto Winck: Quando concluía minha dissertação de mestrado, que foi uma análise narratológica do escritor paranaense Jamil Snege, eu já procurava um tema para o meu doutorado. Como eu fizera uma pesquisa de análise estritamente interna, preocupada em localizar e descrever os elementos da narrativa da obra de Snege, eu queria agora algo mais “externo”, um estudo histórico, ao mesmo tempo próximo e distante da minha realidade. E acabei dando na Galiza, um outro país, com uma história bimilenar bastante diferente da do Brasil, mas que ao mesmo tempo ostenta muitos laços de afinidade com o nosso, não somente pela língua, mas também por uma experiência em alguns aspetos similar de colonialismo.
Como se sabe, o Brasil teve de “inventar” sua identidade em primeiro lugar contra Portugal, mas depois e mesmo hoje contra toda forma de dependência econômica e cultural em relação às potências europeias primeiramente e num segundo momento aos Estados Unidos. Em todo país submetido a alguma espécie de colonização, formal ou não, direta ou indireta, cria-se uma elite que se beneficia desse estado, uma elite predatória, aliada ao opressor externo, “fração dominada da classe dominante”, para falar como Pierre Bourdieu.
Para esta elite é necessário cultivar uma imagem negativa do país para justificar seu estado de dependência e subdesenvolvimento. Na Galiza este sentimento é chamado de auto-ódio. No Brasil, complexo de vira-lata (isto é, cão sem raça, sem pedigree). Neste processo aparecem o desprestígio da língua na Galiza e de determinadas características nacionais no Brasil. Claro que isso eu só percebi depois, quando a pesquisa já estava adiantada.
Enfim, eu descobri muitos e surpreendentes pontos de contato entre essas duas nações atlânticas. Sem falar a língua que nos une, que é um dos elementos centrais da construção de nossas identidades. O brasileiro fala e pensa com a língua que nasceu aí, na antiga Gallaecia romana, língua que depois se tornou a língua do novo reino de Portugal, de quem tomou o nome emprestado. Claro que a língua, ao longo desse tempo, recebeu uma série de contribuições – mas basicamente é a mesma língua. Creio que este é o principal patrimônio cultural da Galiza, e deve ser defendido ardorosamente.
PGL: Estudos deste tipo são raros no Brasil. Como recebeu o júri o trabalho? Que conhecimento prévio tinham da questão galega?
OW: A banca recebeu muito bem o trabalho, apesar do quase total desconhecimento da realidade galega contemporânea. A lírica galego-portuguesa é muito estudada aqui, obviamente. Mas depois desse período, pouco ou nada se sabe. De toda forma, acho que foi uma agradável surpresa para os membros da banca (como o foi para mim antes) tomar contato com a riqueza da história e da literatura galegas, a par da luta pela afirmação de sua identidade.
Carlos Quiroga e Otto Winck em Curitiba (2006)
PGL: Quais foram os guias para escolher o corpus estudado?
OW: Primeiramente, me deparei com Periferias, de Carlos Quiroga, que na época (2006) estava sendo lançado no Brasil. Li e me apaixonei pela história, os três relatos de viagens que confluem em Lisboa, o centro simbólico da Lusofonia. Como o Carlos estava na época no Brasil, entrei em contato com ele e consegui agendar algumas palestras e reuniões dele aqui em Curitiba. Depois, quando começaram minhas pesquisas propriamente ditas, me deparei com Otero Pedrayo e seu belíssimo romance Arredor de si. Nesse meio tempo, quase que por acaso, acabei topando com Chão galego, de Renard Pêrez, um relato da viagem desse filho de galego pela terra natal de seu pai. E aí acabei encontrando um terceiro olhar, um olhar externo, já que Pêrez, apesar do pai galego, pouco conhecia da realidade histórica e cultural da Galiza, o que mostra como a experiência quase sempre dolorosa da emigração produziu um estado de desenraizamento em muitos galegos. Em suma, de uma maneira ou outra, a procura e/ou a descoberta da identidade está no núcleo dessas três narrativas.
PGL: Otero Pedrayo não é um autor fácil. Foi complexo entrar na língua do autor?
OW: Olha, não é muito mais difícil do que ler, por exemplo, o brasileiro Guimarães Rosa. Com a ajuda de dicionários, sobretudo o dicionário eletrônico Estraviz, consegui penetrar na áspera e bela língua de Pedrayo.
PGL: Que conclusões é que se podem tirar da Tese?
OW: Em primeiro lugar, que é cedo para decretar a morte das nações e dos nacionalismos. É verdade que o nacionalismo, como quase tudo, pode assumir várias significados e conformações. Pode ser instrumento de xenofobia e intolerância. Mas pode ser também uma forma, desenvolvida na modernidade e quiçá ainda imperfeita, de salvaguarda de determinadas identidades coletivas. Em segundo lugar, minha pesquisa me descortinou a importância da língua na constituição das identidades, e de maneira especial a língua galego-portuguesa na construção de nossas identidades lusófonas. Finalmente, a importância da resistência cultural – e também política – na defesa das identidades ameaçadas.
PGL: Depois de um estudo tão intenso, pensa na sua aplicação nalguma análise em pormenor sobre, por exemplo, o Movimento Reintegracionista?
OW: Sim, estou pensando num projeto de pós-doutorado sobre a inserção do reintegracionismo no sistema literário e cultural galego. Vamos ver.
PGL: Em 2010 esteve em Compostela realizando pesquisas para este trabalho, e até proferiu uma palestra cheia de paixão relativamente aos temas galegos. Que tem a ganhar a Galiza com o Brasil, que tem o Brasil a ganhar com a Galiza?
OW: Todas as nações tendem a ganhar em seus contatos mútuos, desde que esses contatos não sejam assimétricos ou impostos pela força como nos (neo)colonialismos. Fora isso, o Brasil tem muito a ganhar com a Galiza e a Galiza com o Brasil. O Brasil é um país de passado recente e obscuro, com histórias de espoliações e opressões, mas com lindas promessas de futuro. A Galiza é um país de passado profundo, cheio de enredos e glórias, mas com um presente obscuro e um futuro incerto. Precisamos unir este passado fecundo a um futuro de esperanças. E para isto nós temos o veículo: falamos a mesma língua, língua esta que veio a ser conhecida mundialmente como portuguesa. Aliás, outra coisa que podemos aprender com as galegas e os galegos é a relevância da língua. Falamos com tanta naturalidade o português que esquecemos sua força e sua importância. A luta de galegas e galegos para preservar a sua língua é um sinal para que atentemos para a singularidade e preciosidade desse patrimônio comum.
Um momento da dissertação de Otto L. Winck
no lançamento de Jaboc em Compostela
PGL: Como se podem construir pontes entre ambos os países?
OW: Principalmente pela língua e pela cultura. Precisamos nos conhecer mais, lermos conjuntamente Castro Alves e Rosalia de Castro, Cabanillas e Euclides da Cunha, Drummond e Álvaro Cunqueiro. Todo brasileiro que conhece a Galiza fica fascinado. E creio que a recíproca é verdadeira. Devemos aproveitar nossas afinidades – sobretudo a linguística – para estreitar nossos laços. Só temos a ganhar com isso. Apesar da crise, sou otimista. As crises sempre geraram novas oportunidades.
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