"Saramago e Lobo Antunes abriram muitas portas para a geração mais jovem"
"Vejo a vida como uma sucessão de ganhos". A conclusão de José Luís Peixoto podia, afinal, ser o ponto de partida para uma conversa sobre o que espera a literatura portuguesa no Brasil. Em entrevista, o jovem escritor mostra-se entusiasmado com o futuro. E elogia a qualidade da literatura brasileira.
Brasília - José Luís Peixoto é aos 37 anos um dos novos valores da literatura portuguesa. Já com quatro obras editadas no Brasil, classifica como "muito positivo" o saldo das suas passagens pelo país. A última delas trouxe-o a Brasília. Em entrevista ao Portugal Digital e ao África 21 Digital, o jovem autor português assume que vê a vida como "uma sucessão de ganhos". E o mesmo optimismo transparece quando questionado sobre Saramago e Lobo Antunes.
Já veio diversas vezes ao Brasil. Que percepção tem do conhecimento do público brasileiro da sua obra?
É-me difícil fazer uma avaliação rigorosa dessa percepção. Da minha perspectiva, parece-me que cada uma das oportunidades que tive de apresentar os meus livros no Brasil foram acompanhadas por um acréscimo de leitores, de gente interessada naquilo que escrevo e, mesmo, de alunos nas mais diversas universidades brasileiras a trabalharem a minha obra. Neste momento, com quatro romances publicados no Brasil, sinto que o saldo é muito positivo e o futuro tem excelentes possibilidades em vista.
A consagração internacional de nomes como os de José Saramago e Lobo Antunes dificulta a afirmação de jovens escritores fora de Portugal?
Pelo contrário, autores como Saramago e Lobo Antunes abriram muitas portas para a geração mais jovem de autores portugueses. O seu trabalho trouxe aos leitores internacionais a expectativa de uma garantia de qualidade no que toca à literatura portuguesa. E ainda bem que é assim porque, realmente, a literatura escrita em Portugal atravessa um momento excepcional e, segundo creio, merece a grande atenção internacional que lhe tem sido dirigida. Enquanto parte dessa vaga de autores, espero que, no futuro, o nosso trabalho possa também abrir oportunidades para o reconhecimento internacional de outros autores portugueses, como foi feito por Saramago e Lobo Antunes.
A crise vivida por Portugal nos últimos anos é, de algum modo, inspiradora nas suas criações literárias?
Mesmo quando não é evidente, nenhum autor se pode alhear da época histórica em que está inserido. Essa integração no seu contexto acontece das mais diversas formas, uma delas é através do significado específico e do valor que as palavras que utiliza têm no seu presente. A simples palavra "crise" têm hoje em dia, em Portugal, uma interpretação completamente diferente do que tinha há quinze anos atrás. Desta forma, o momento que o país atravessa nunca me é indiferente. Aquilo que escrevo comunica com esse momento sempre.
Que qualidades reconhece na literatura brasileira?
Todas. A literatura brasileira é um reflexo da imensa variedade do país. Essa riqueza nota-se ao nível da linguagem, dos temas e de tantos outros aspectos. O passado da literatura brasileira, como se sabe, é incrível, com um número generoso de autores de nível mundial. Creio que o presente também é. Sente-se que há muito à beira de nascer, de ser escrito. O futuro parece-me garantido.
A dimensão do mercado brasileiro está a ser bem aproveitada pelas editoras portuguesas?
Não sendo editor, parece-me que há muito a fazer a esse nível até pelas próprias editoras brasileiras. O país é muito grande, o que traz alguns problemas de distribuição, sobretudo para as editoras com menos meios. Além disso, parece-me que ainda há muito a fazer no que diz respeito à democratização do acesso à leitura. Os livros são muito caros. Nesse contexto, as editoras portuguesas começaram há muito pouco tempo a tentar chegar ao mercado brasileiro e a tentar impor-se. É ainda cedo para saber se vão conseguir ou não. Pela minha parte, espero que sim. Se isso acontecer, será bom para toda a gente, uma vez que dinamizará esta área e, sob o ponto de vista literário, trará um conhecimento maior sobre a literatura portuguesa no Brasil e, consequentemente, uma aproximação maior entre estes dois lados do oceano.
Prosa e poesia mesclam-se na sua obra. Essa é uma "construção" estudada?
Aconteceu de forma bastante natural. Ainda adolescente, comecei a escrever poesia, muito influenciado pelos grandes poetas portugueses. Depois, mais tarde, quando fiz as minhas primeiras tentativas na prosa, nunca abandonei a poesia. Hoje, com vários romances publicados, continuo a escrever poemas e a publicá-los. Creio que nunca vou abandonar essa forma de escrita, que tem um lugar importante na minha vida e que complementa a escrita de prosa, com proveito para os dois géneros.
"Morreste-me", "Uma casa na escuridão", "A casa, a escuridão". Estes são títulos dos seus livros. Considera a vida um desencanto? Uma sucessão de perdas?
Não, de modo algum. Pelo contrário, vejo a vida como uma sucessão de ganhos.
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