sexta-feira, 6 de julho de 2012

AÇORIANO ESQUECIDO EM MACAU


QUINTA-FEIRA, 5 DE JULHO DE 2012

Um professor açoriano na China

Os olhos de Silveira Machado viram sete décadas do século XX e quase mais uma do século XXI de Macau. Português de S. Jorge (açoriano sem sotaque), nascido no ponto mais ocidental da Europa viria a morrer quase nos antípodas e quase um século depois. Faltaram-lhe 18 anos para cumprir cem anos de vida
Quando veio para Macau, no navio que o trouxe (... que navio? Pouco importa) poderia ter ficado por Timor. Nesses tempos os navios de carreira de Portugal atravessavam o Canal do Suez, aportavam a Goa, seguiam para Díli e terminavam a viagem não em Macau, que não tinha porto de águas profundas suficiente, mas em Hong Kong, onde era o fim da carreira, depois eram os ferry-boats que traziam os passageiros ao seu destino final. Macau. Sendo assim, por mais um pouco, teria aportado à Nova Zelândia, mas não. A Nova Zelândia era longe demais e inglesa demais. Não! Não desembarcou em Timor, que seria o ponto mais perto do dito arquipélago dos antípodas (e o sítio onde o Sol nascia primeiro no antigo universo português no qual nunca se punha), mas sim aqui nesta terra que fica a algumas léguas (como diziam os geógrafos de quinhentos) “adentro do tratado de Tordesilhas”.
Silveira Machado chegou a Macau talvez como o fado. Apenas porque tinha que chegar. Foi há muitos anos e só quem se queira lembrar e se interesse por se lembrar disso poderá achar interesse em saber quem era este homem que deixou a vida pouco antes de dobrar os noventa anos de idade e pouco depois de dobrar o segundo milénio. Que quantidade de memórias nos deixou no que disse como professor a uma imensidade de alunos?
Que quantidade de memória deixou nas tertúlias em que participou a uma imensidade de amigos e convivas? Do que disse como professor primário?  Como jornalista? Como escritor? Como poeta? Mas o que terá deixado de dizer?
 Muito disse e deixou escrito. Basta consultar os jornais, ou comprar nas livrarias os livros que escreveu.
Do que disse apenas aos amigos em conversas particulares e fora de horas só os seus amigos podem falar. Eu era amigo de Silveira Machado, mas dele apenas posso recordar certas facetas. Outras, outros as podem recordar. A bibliografia e a hemeroteca (como se houvesse uma hemeroteca em Macau) contêm a personalidade pública de Silveira Machado. Artigos infindos sobre os mais variados assuntos escritos ao longo de décadas n’O Clarim (semanário católico onde escreveu até ao fim da vida) já que nos outros não gastava a tinta da sua caneta por razões éticas (uma ética que só ele sabia qual fosse).
Mas do que disse fora de horas não consta dos arquivos nem da hemeroteca. Consta apenas de memórias que os amigos e familiares conservam. Umas pessoais, mas compartilhadas, outras demasiado íntimas para compartilhar.
 O resto encontra-se nas inúmeras entrevistas que deu aos jornais, à rádio e à televisão.
 - Professor Silveira Machado (pergunta o jornalista), porque é que tendo sido a sua vida sempre a de escrever e comunicar, nunca fez programas na Emissora de Rádio Macau?
- Por que o que fica escrito fica escrito. O que fica falado perde-se e ninguém se lembra do que ficou dito. Mas nos jornais fica impresso. É indelével!... responde o professor.
(Nesse momento o diálogo perde-se na chegada de dois cafés e dois whiskeys no café o Galo onde nos encontramos quotidianamente).
- Lembras-te do Alecrim? Pergunta-me Silveira Machado.
Alecrim era um radialista dos tempos da Emissora Nacional. Tinha falado primeiro a dizer piadas nos parodiantes de Lisboa na Rádio Graça. Depois, mobilizado para a tropa, passou a falar na rádio oficial de Goa, até ser calado pela invasão. Depois de alguns anos de cativeiro arribou a Macau e retomou o microfone na Emissora de Rádio Macau. Por muitos anos manteve no ar a Rádio Macau com notícias e programas.
- Lembro-me, respondo!
Ah! Diz Silveira Machado, todos o conhecem e sabem quem é mas quem é que se lembra do que disse na ERM? Tantos momentos importantes da vida desta terra que ele disse ao microfone. Quem se lembra do que disse na emissora de Goa, durante a invasão indiana? Perdeu-se tudo e tudo se perde nas ondas da rádio. Mas nos jornais e nos livros não!...

De facto não tenho senão que concordar. O que Alecrim disse perdeu-se nas ondas etéreas (e a Rádio Macau não conservou os arquivos). Ao contrário O Clarim mantêm um acervo que vem até hoje desde antes da “Segunda Grande Guerra”.
- O Clarim jornal da igreja Católica que bate recordes de existência de entre todos os jornais que se publicaram na história de Macau.
O jornal que mais tempo sobreviveu na história da imprensa portuguesa local foi “O Independente” que andou nas bancas por mais de vinte anos (vinte e um para ser preciso). Depois disso só O Clarim bateu recordes. Silveira Machado colaborou nesse periódico desde o primeiro número no longínquo ano de 1943 em plena “2ª Grande Guerra”. Umas vezes assinando artigos, outras não. Acompanhou os altos e baixos desta publicação que em vésperas de 1999 esteve em dúvida quanto ao futuro, mas que acabaria por sobreviver e renascer como Fénix depois da transição de 20 de Dezembro de 1999.
S. Jorge dos Açores
Silveira Machado! Quem era este homem e de quem descende? Evidentemente que era descendente dos Silveiras, dos Açores família ímpar na história portuguesa e também na de Macau. Na sua árvore genealógica abundam figuras interessantes (principalmente pelo lado materno) era Silveira e os Silveira eram descendentes de holandeses. O seu nome ancestral era; - Van Der Hagen (da Silveira, em português), mas geração após geração surgiram filhos e netos e sobrinhos e primos. Os Van der Hagen, de conotações judaicas politicamente incorrectas nesses tempos (e porventura em todos os tempos) desapareceram e deram origem ao sobrenome Silveira (politicamente correcto e cristão como convinha). Silveira Machado que cuidava mais do tempo em que vivia do que da história nunca se importou em saber de árvores genealógicas. Silveira Machado sempre se interessou mais pelo tempo presente. Mesmo que algum antepassado seu tivesse ficado na história e muitos ficaram. O Ouvidor Arriaga ficou na história de Macau e Manuel Arriaga, também como presidente da República de Portugal. Mas Silveira Machado nunca se importou.
Mercado Municipal de S. Lourenço
Saiu de S. Jorge, muito cedo com 12 anos. Anos a menos para se importar com pergaminhos. Por isso tornemos presente o passado de Silveira Machado, um descendente de Miguel de Arriaga Brun da Silveira, açoriano da Horta, que governou de facto Macau durante mais de duas décadas nos primórdios do século XIX. Miguel de Arriaga foi o único Ouvidor de Macau, recordado pela história portuguesa e chinesa neste delta geográfico e foz do Rio das Pérolas. Um marco da história local. Os outros ouvidores, como Lázaro Ferreira, constam apenas de monografias esparsas que só interessam a estudiosos picuinhas e académicos. Silveira Machado nunca cuidou de saber quem era esse ouvidor, embora o tivesse registado como figura histórica nos seus escritos, n’O Clarim, mas nunca como parente o deu a público, ou o assumiu.
Silveira Machado tinha o quotidiano com que se preocupar e as suas preocupações eram Macau. Não árvores genealógicas e muito menos Manuel de Arriaga Brun da Silveira, seu avoengo e primo (torto), com o qual tinha pouco a haver e muito menos a dever.
Silveira Machado veio para Macau por força das circunstâncias. Não por ser filho de algo mas apenas por ser afilhado de alguém lá da terra açoreana que se interessou por ele.
Mas a verdade é que Silveira Machado não chegou a Macau por acaso, mas sim por que assim estaria talvez determinado pela religião católica que professava. Deus manda que vás!... Disse-lhe um pároco de S. Jorge, provavelmente instruído pelo Cardeal D. José da Costa Nunes, Camarlengo da Santa Sé e esclarecido prelado de Macau que procurava atrair os miúdos mais prometedores das suas ilhas açoreanas para o sacerdócio missionário no Extremo Oriente.
Edição de Setembro de 1965
A década de 30 
Vamos lembrar Macau desses tempos através dos olhos de Silveira Machado rapazito de treze anos. No Açores há um dito: “faz-me o que quiseres, mas leva-me para o continente” e Silveira Machado assumiu o provérbio.- Quero-me ir embora desta ilha pequena. O que é que há aqui?- Gado! Responde o povoado que vive de vacas e do seu leite.
Para onde? Pergunta o padre.

A pergunta a fazer seria mais exactamente esta: - para a América? Para o Brasil, para as Antilhas, ou para o Continente? O rapazito de 13 anos sabedor apenas da geografia resumida do Portugal da quarta classe (nos tempos em que havia quarta classe da instrução primária), que passou com aproveitamento, pensou que seria para o Portugal Continental. Não perguntou, ao certo para onde o mandavam. Era criança de mais.
– Bem, já que te queres ir embora vais para Macau, ter-lhe-há dito o pároco e mestre-escola da freguesia de Velas.
 E assim Silveira Machado embarcou com onze mais rapazitos seus iguais para uma viagem em direcção aos confins do mundo. Os confins do mundo não eram o final do “mar tenebroso” de Pessoa. Nada disso. Era apenas uma escola secundária. Era o Seminário de S. José de Macau.
Macau? Terá perguntado Silveira Machado; - Onde é? (Creio que o pároco não lhe terá respondido de todo, ou cabalmente, talvez porque não soubesse inteiramente onde era essa parte da Terra (Macau é sítio onde se fazem fósforos e fogo de artifício). Isso era tanto quanto saberia o padre açoreano. Creio que talvez, não lhe interessasse dar nessa altura a um criança lições de geografia universal que um miúdo não compreenderia, nem o padre sabia ao certo onde e como era. Afinal, o pequenito José, ia separar-se dos pais inexoravelmente numa viagem sem regresso. Para quê dar-lhe mais explicações?
- Sabes, disse-me um dia Silveira Machado, há meia dúzia de anos; Eu odiava as vacas e aquelas rotinas de levantar às cinco da manhã para as ordenhar, Acho que tinha oito anos quando percebi que aquela vida não era para mim. Acho que foi isso que me levou a querer deixar S. Jorge.
Confissão feita entre amigos essa de uma década e tal, enquanto organizavamos o projecto de historiar a vida da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM) na qual Silveira Machado desempenhou papel relevante apesar de não ser macaense.
Neste ponto é preciso dizer que para além dos militares que vinham mobilizados (obrigados por força de lei), para a segunda mais oriental colónia portuguesa (Timor era a última em termos de longitude), poucos mais metropolitanos vinham e os que vinham resumiam-se a uns poucos funcionários superiores da administração pública da colónia, médicos, magistrados e engenheiros. O grosso eram militares e os mais restantes eram crianças e essas crianças eram os seminaristas de S. José, como Silveira Machado.
Os funcionários destinavam-se a ficar em Macau por quatro ou seis anos. Se ficassem por mais tempo tinham que o requerer ao Ministério das Colónias (mais tarde do Ultramar) e passavam aos quadros coloniais sendo-lhes permitido ficar pelo Extremo Oriente em comissões sucessivas o tempo que quisessem desde que se casassem com macaenses. Quanto aos militares era quase o mesmo.
Centro católico na década de 1930 (Praia Grande /rua do Campo)
O fulgor da Guia dos anos 30
Silveira Machado chegou a Macau num momento em que a colónia conhecia um dos seus períodos de crescendo económico. Eram os anos trinta do século XX. Nas faldas da Guia construíam-se novas mansões em terrenos até então inexplorados.
Os Senna Fernandes e os Nolasco. Estas famílias anteriormente habitantes do Chunambeiro, lá em baixo junto à Praia Grande, mudavam-se para cima deixando a Praia Grande aos ingleses e americanos. Silva Mendes e Vicente Jorge aderiam ao êxodo e construíam as suas casas também nas faldas da Guia. Depois de quatrocentos anos de vivência nas faldas do Monte e na Praia Grande, a Guia tornava-se o bairro novo dos ricos. Até mesmo Venceslau de Morais, capitão dos Portos fazia questão de reabitar nova casa nesses sítios (hoje chama-se, Calçada do Gaio).
Na altura em que Silveira Machado chegou a Macau, a geografia estava em plena mudança. O bairro de S. Lourenço, que tinha como capital comercial a Rua Central, decaía inexoravelmente em benefício da avenida Almeida Ribeiro (Rua Grande dos Cavalos, como é ainda hoje conhecida em chinês – San Ma Lo). O Hotel Central, que se tornaria a partir de então no centro do jogo e do prazer abria-se na San Ma Lou, em 1915, substituindo em modernidade e inexoravelmente a Rua da Felicidade, que passaria não haveria década e meia a seguir a não ser mais do que uma rua lateral sem interesse por força do êxodo das cantadeiras que W. Fernandes Flores o famoso escritor espanhol tão bem descreveu quando visitou Macau e se encontrou com Camilo Pessanha nesses tempos passados.Duas decadências foram as que Flores encontrou. Uma era a Rua da Felicidade que se evolava nos últimos acordes das cantadeiras.A outra era a de Camilo Pessanha que se evolava em fumos de ópio.Tanto o poeta como a rua garantiriam a posteridade e Fernandes Flores que descreveu Macau como uma Fénix que morria apenas para se preparar para renascer algum tempo depois tinham razão.
Tudo mudava em Macau.
Mas, Silveira Machado não sentiu essas mudanças porque apenas tinha chegado a Macau no momento exacto em que essa última mudança tinha decorrido havia meia dúzia de anos, sem saber de facto onde tinha chegado (sabê-lo-ia alguns anos mais tarde quando chegou a adulto). Mas antes, rapazito, nada sabia.
Destinado a ser padre concluiu os cinco anos de liceu necessários para a educação secundária no mundo laico e oficial do estado com aproveitamento e mérito reconhecido por todos os seus professores. Porém entre todas as disciplinas confrontou-se quase no fim do curso com uma negativa a Moral no curso do sacerdócio.
Vamos ver a seguir o que isso lhe acarretou.
Nesses tempos, os seminaristas faziam excursões à ilha da Lapa que nesse tempo era território colonial português, ainda que disputado pela China. Monsenhor Manuel Teixeira (colega de Silveira Machado) fala disso em vários livros e os poucos sacerdotes católicos que ainda hoje restam vivos disso se lembram, nomeadamente D. Ximenes Belo (ex-bispo de Timor) e Domingos Lam (bispo resignatário de Macau). Nessas excursões, nas quais Silveira Machado participou, rapazes e professores encontravam motivos de interesse e ninguém saía frustrado dos passeios. Mas, Silveira Machado, como outros confrades do seminário retirava mais prazer das escapadelas pela cidade, quando podia à revelia dos professores do que nos passeios à Ilha da Lapa, num fim-de-semana, ou numa noite qualquer iludindo a vigilância dos perfeitos (o entardecer de Macau tinha mais encanto do que as tardes mornas da Lapa) escapou-se à disciplina e à castidade.E foi assim que numa dessas escapadelas, saltando o muro do seminário, Silveira Machado encontrou uma rapariga bonita e perdeu a vocação sacerdotal.Terminada a incursão desse fim-de-semana o jovem seminarista saído sem saber como da puberdade resolveu traduzir em verso meio-dia (ou apenas algumas horas) da sua vida. Provavelmente nessas parcas horas ter-se-ia sentido Camões, ou Bocage (que também passou por Macau) a conhecer o amor na Rua da Felicidade. Mas caso foi que Silveira Machado se esqueceu que o seminário funcionava como uma caserna de rígida disciplina e que ele próprio estava destinado ao dito voto de castidade.
E assim foi que o perfeito, na rotina diária de revolver camas e colchões e travesseiros à procura de heresias encontrou os debuxos poéticos de Silveira Machado.
-Um poema de amor por uma mulher? Que coisa...Amor é por Deus, Jesus e a Virgem Santa, pensou o perfeito.
E o perfeito, depois de ler os versos não teve remédio senão denunciá-lo ao reitor no dia seguinte.
O resultado seria como não poderia deixar de ser o seguinte:
“A poesia é bonita menino, mas só se estivesse de acordo com S. Tomás de Aquino” terá dito, ou deixado implícito o reitor do seminário no discurso severo que fez a Silveira Machado (Silveira Machado disse-me isso no café o Galo, onde, como disse antes, avançávamos no projecto de historiar a APIM, e tenho pena de não me recordar das suas exactas palavras).

E assim Silveira Machado, apenas por causa de uns inocentes versos de amor viu-se condenado. Uma escapadela fortuita igual a tantas outras dos seus colegas custou-lhe a ele mais do que a eles, já que eles se escapavam pelas ruas, mas não deixavam as suas escapadelas fotografadas em versos. O seminário entendia que não tinha vocação. Ponto Final. Subitamente Silveira Machado vê-se então atirado para a rua. Atirado para a rua? Não! Atirado para a rua seria expressão demasiado forte, isto por que a Diocese cuidava que os seus seminaristas com ou sem vocação singrassem na vida e Silveira Machado singrou. Havia uma vaga na Repartição da Fazenda e Silveira Machado, que tinha mais habilitações (e com certeza patrocínios) do que outros possíveis concorrentes conseguiu o lugar.
O Liceu no Tap Seac na década de 1940
Eram os anos 40 
Foi em 1941 que Silveira Machado começou a trabalhar, fora de portas do Seminário de S. José. No seminário continuavam alguns dos colegas que se distinguiriam no sacerdócio, e que com ele tinham vindo para Macau. Entre vários contavam-se monsenhor Manuel Teixeira, historiador e autor de uma extensa bibliografia sobre Macau e o menos lembrado padre Áureo de Castro, sobrinho de D. José da Costa Nunes, destacado compositor e fundador da Academia de Música Pio XI, que foi durante décadas o Conservatório de Música de Macau.
Este ano foi um dos mais difíceis de Macau. A guerra lavrava em todo o Mundo e na China em particular, mas Macau, manteve-se neutral ainda que envolto num anel de fogo. Silveira Machado adapta-se à vida de funcionário público. O seminário já não o protege directamente. Mas a burocracia do funcionalismo do Estado não é suficiente e é então que descobre a sua verdadeira vocação: o jornalismo, actividade que nunca largará até ao fim dos seus dias. Decidido entra em 1948 na fundação do jornal que mais anos conta em Macau: o já referido Clarim.
Nos anos de fogo 
Terminada a guerra, Silveira Machado, apaixonado pelo cinema, resolve iniciar-se na sétima arte acompanhando em Macau o que Manuel de Oliveira fazia em Portugal e faz aqui, no Extremo Oriente,“Caminhos Longos”. Era o primeiro filme feito nesta terra.
-O filme era bom, mas o som era mau, diz-me Silveira Machado. Não admira! Os técnicos eram de Hong Kong, bem como os actores e Hong Kong ensaiava apenas os primeiros passos na indústria cinematográfica que viria a universalizar-se algumas décadas mais tarde com Bruce Lee e outros. De qualquer modo o filme teve êxito. Multidões de chineses e macaenses acorreram aos cinemas de Macau e de Hong Kong para o ver.
Mas o filme foi apenas um episódio sem consequências. Macau era uma cidade demasiado pequena para sustentar uma indústria cinematográfica que já então custava muito dinheiro. O próprio Governo de Macau não conseguia alocar verbas do orçamento suficientes sequer para alugar câmaras holofotes e mito menos pagar às estrelas de cinema. Silveira Machado entendeu isso e passou a dedicar-se ao incentivo do desporto.
Nessa altura o futebol era caso sério. E Silveira Machado apostou no desenvolvimento desta modalidade e com êxito. Os futebolistas macaenses sobressaíam. Airosa Lopes, Rocha e Pacheco. Rocha, jogador da académica e seleccionado nacional que marcou um canto directo contra a selecção do Brasil e foi assim o brilhante autor da primeira vitória de Portugal sobre o onze campeão do mundo, um feito glorioso.Pacheco que foi um dos grandes expoentes do futebol português dos anos 50 juntamente com Jesus Correia, Vasques, Wilson, Travassos e Martins, os cinco violinos do Sporting Clube de Portugal.
Pacheco e Rocha singraram porque Silveira Machado achou que tinham talento e cuidou deles. Airosa Lopes ficou-se por Macau e pelo hóquei em campo onde foi também estrela.
Nesse tempo estava Silveira Machado na repartição do governo encarregada da divulgação e fomento do turismo e do desporto. Repartição em que cuidou também do hóquei em campo na época em que Airosa Lopes e a equipa de Macau davam cartas, nomeadamente no “interports” com Hong Kong.
Por esses tempos é criada a Escola Normal destinada a formar professor primários. A primeira em toda a história de Macau e Silveira Machado integra o seu corpo docente. Todavia a Escola Normal pouco tempo sobreviveria. Seria encerrada por falta de alunos, para ressuscitar ainda que também brevemente nos anos 80 do século XX. Silveira Machado continuaria todavia ligado à Escola Comercial a formar a juventude macaense em profissões técnicas.
Até que um dia surgiu a idade da reforma que o estado impunha. Silveira Machado atingia os 65 anos. Era tempo de se retirar do funcionalismo público. Creio que nessa altura a reforma se lhe deparou como um choque e por isso decidiu regressar a Portugal. No entanto Silveira Machado, depois de incontáveis anos em Macau que é que tinha a ver com Portugal continental, onde as filhas e netos viviam, ou mesmo com as suas ilhas açorianas? Muito pouco e muito menos Lisboa...
Por isso após três anos de suposto “exílio dourado” regressou a Macau para sobraçar diversas pastas. Foi vogal da APIM, Comité Olímpico, da Associação de Hóquei em Patins e sei lá quantas outras organizações desportivas, sociais e culturais. Tudo sem deixar de colaborar regularmente no seu Clarim de sempre. Mas a reforma (que é sempre pouco bem-vinda) deu-lhe a possibilidade de dedicar mais tempo à escrita e às tertúlias. E foi assim que no último quartel da sua vida pode finalmente publicar os seus versos e as suas prosas.“Macau, Sentinela do Passado” (prosa), “Rio das Pérolas” (poemas), Macau, Mitos e Lendas” (contos), “Duas Instituições Macaenses”, “Macau na Memória do Tempo” e “O Outro lado da Vida” (retrato social de Macau).
Resta dizer o que a agência de notícias Lusa disse sobre este homem que não pode ser esquecido, quando deixou Macau para sempre aos 89 anos de idade. Fluente em cantonês, Silveira Machado escreveu diversos livros. Muito ligado a Macau, à juventude e à comunidade, Silveira Machado nunca descartava, como explicam os amigos, uma boa discussão. Não visitava Portugal há cerca de 17 anos e costumava dizer que se aterrasse em Lisboa, era capaz de se perder em cinco minutos. A sua actividade cívica e em prol da língua portuguesa em Macau valeu-lhe o reconhecimento da classe política, tendo sido condecorado com a Medalha da Ordem do Mérito Civil da Instrução Pública, Medalha de Mérito Desportivo (classe de prata), Medalha de Mérito Cultural, Comenda da Ordem do Mérito e grau de Grande Oficial da Ordem da Instrução, esta última em Janeiro de 2005 pelo então presidente português Jorge Sampaio. Homem ligado ao desporto, turismo, educação e cultura, a sua morte é considerada uma “enorme perda” pela comunidade em geral.  
Excerto de um artigo da autoria de João Guedes publicado na Revista Macau


Novos livros sobre cultura macaense

QUARTA-FEIRA, 4 DE JULHO DE 2012

Santa Casa da Misericórdia celebra 443 anos

A Santa Casa da Misericórdia de Macau, fundada pelo primeiro Bispo de Macau, D. Belchior Carneiro, em 1569 (está a celebrar 443 anos), segue o modelo de uma das organizações de assistência social mais antigas de Portugal, tendo sido a responsável pela fundação, em Macau, do primeiro hospital de estilo ocidental e de outras estruturas sociais de cuidados de saúde que ainda funcionam nos nossos dias. Um dos papéis principais da Santa Casa da Misericórdia de Macau era o de prestar apoio a órfãos e viúvas de marinheiros perecidos no mar, um papel que está intimamente ligado ao perfil de Macau no contexto das rotas do comércio marítimo regional e internacional.
Desde os seus primórdios, existiu no interior da Casa uma pequena capela, cujo culto assegurava à semelhança da que havia dentro do hospital de S. Rafael.
Para o estudo do edifício primitivo, Pedro Dias escreve:“Para este estudo interessa a construção que se pode ver nos desenhos executados por George Chinnery em 1833. A fachada é dominada pela empena triangular da igreja privativa, dotada de um portal sobrepujado por uma janela de sacada e por um nicho ou baixo-relevo, tudo de estilo clássico. À esquerda levanta-se uma pequena torre, e à direita as outras instalações privativas, com uma frontaria despojada, apenas com as quatro grandes janelas do andar nobre emolduradas, e um portal de aparato a meio, também clássico. A construção é de carácter claramente ocidental dentro dos parâmetros das Santas Casas das vilas de média importância do século XVII. Pelo que nos apercebemos através dos testemunhos iconográficos, esta obra é fruto de uma grande reforma posterior a 1640”, data da restauração da Coroa Portuguesa, que, por certo, terá querido eliminar os possíveis vestígios espanhóis.
Ca. 1910
Sabe-se que o conjunto compreendia ainda um claustro, à volta do qual, e à semelhança dos claustros monasteirais, se dispunham várias dependências como o cartório, a casa dos expostos, etc. Nos inícios do século XX, numa data média que podemos reportar a 1905, foi modificada a fachada com o avanço do corpo médio, coroado com um frontão de matriz clássica.
Assim, o actual edifício da Santa Casa da Misericórdia apresenta uma fachada principal em arcada ricamente decorada, ocupando uma posição proeminente no Largo do Senado. O frontispício é composto por uma mistura de colunas e pilastras entre as arcadas, criando um corredor coberto ao nível térreo e uma varanda no nível superior. O ritmo das pilastras e a dinâmica geral dos elementos conferem ao edifício uma grande vivacidade. Com excepção das bases de granito ao nível da rua, todo o edifício está pintado de branco, transmitindo uma imagem de grande elegância e uma sensação de tranquilidade. Em termos arquitectónicos, é de estilo neoclássico, embora apresente também alguma influência do estilo maneirista, denotada pelo uso de colunas falsas como elementos decorativos.

O edifício da Santa Casa está locallizado em pleno Centro Histórico da cidade, incluído na Lista de Património Mundial da UNESCO. O núcleo museológico merece uma visita demorada.

A 2 de Julho celebra-se o dia da Misericórdia.

"Quando cheguei a este porto, dito do nome de Deus, havia cá poucas habitações de portugueses... Mal cheguei, abri um hospital, onde se admitem tanto cristãos como pagãos... Criei, também, uma Confraria da Misericórdia... para prover a todos os pobres e envergonhados e aos que precisem..."
Carta de D. Belchior a um padre relatando os seus primeiros anos em Macau.
The Holy House of Mercy, 仁慈堂慈善會, or Santa Casa de Misericórdia, is the oldest social institution in Macau. It is one of the most prominent buildings at the Largo do Senado. The Holy House of Mercy was founded in 1569 by Dom Belchior Carneiro, the first Bishop of Macau, with the intention of doing charitable work for the local community, and in so doing, hoping to win some souls. The Holy House of Mercy was instrumental in establishing the first western-style hospital in Asia. The hospital, for treating victims of leprosy, was located in the St Lazarus district.

As arcadas
Postal de 1984
The Holy House of Mercy is housed in a white-washed neoclassical structure that takes a central space in the spacious Largo do Senado. Today it is a sort of museum. Among the items on display includes Dom Belchior Carneiro's skull.

TERÇA-FEIRA, 3 DE JULHO DE 2012

Maria Ondina Braga: 1932-2003

Embora vários autores portugueses dos séculos XIX e XX tenham passado pelo Oriente e reflectido, de maneira directa ou indirecta, essa estadia na sua literatura – vejam-se os casos de Wenceslau de Moraes (1854-1929), Camilo Pessanha (1867-1926) e Joaquim Paço d'Arcos (1908-1979), entre outros, Maria Ondina Braga surge no século XX como umas das principais autora portuguesas de ficção ligada a Macau, em particular, e à China em geral. Este seu livro de estreia, Eu Vim para Ver a Terra (1965), apresenta-nos um conjunto de textos sobre Angola, Goa e Macau, mas são as crónicas de Angola, mais do que as de Macau, que acabam por nos cativar na sua sensibilidade e nos deixam a promessa de toda a literatura notável que a autora haveria de produzir posteriormente.
Texto elaborado a partir do blog sobre Literatura Colonial Portuguesa.
 
A Câmara Municipal de Braga criou o Prémio Literário Maria Ondina Braga, um concurso promovido no intuito de desenvolver o gosto pela leitura e pela escrita, honrando a memória da insigne escritora, nascida e falecida na cidade dos arcebispos.
Maria Ondina Braga nasceu em Braga a 13 de Janeiro de 1932, onde fez os estudos liceais. Iniciou-se nas letras através da poesia, tendo publicado dois livros de poemas, a par de crónicas de carácter social para jornais bracarenses. Herdeira de uma tradição clássica, Maria Ondina Braga faz combinar a memória, o conto, a novela, o roman ce e a crónica, tendo sido tradutora de autores como Graham Greene, Bertrand Russel, John Le Carré, Herbert Marcuse, Anaïs Nin e Tzvetan Todorov, como conta José António Barreiros num blogue dedicado à escritora. 
1ª edição em 1991
Após uma breve passagem pela Escócia e Inglaterra, onde exerceu a função de precetora e frequentou a Royal Society of Arts, instalou-se em Paris, aliando o trabalho e os estudos na Alliance Française. Em 1959, atraída pela distância, rumou até Angola, Goa (onde esteve aquando da ocupação indiana) e, mais tarde, Macau, onde ensinou Português e Inglês até 1966, data do seu regresso a Portugal. O fascínio que nutriu durante longos anos pelo povo chinês levou-a a aceitar o cargo de Leitora de Português no Instituto de Línguas Estrangeiras de Pequim em 1982, ano em que redigiu as crónicas sofridas reunidas em Angústia em Pequim (1984), uma "narrativa dolorosa, cirúrgica", segundo as palavras de Inês Pedrosa. A convite da Fundação Oriente, Maria Ondina Braga regressou a Macau em 1991, tendo registado esse reencontro em algumas páginas da narrativa de viagens Passagem do Cabo (1994).
Depois de ter vivido grande parte do seu tempo em Lisboa (onde colaborou também com jornais e revistas como o ‘Diário Popular’, ‘A Capital’ e ‘Colóquio/Letras’), Maria Ondina recolheu-se em Braga, tendo sido homenageada pela câmara municipal (1990), que lhe atribuiu igualmente a Medalha de Ouro da cidade (1994).
Abriu recentemente o Espaço Maria Ondina Braga. Funciona na Rua Central (Braga), ao lado da casa onde nasceu Maria Ondina e nele podemos ter acesso a alguns objectos e a parte do espólio da escritora.
Em "A China fica ao lado" (primeira edição de 1968 - na imagem uma reedição da década de 1990 pelo ICM) estão reunidos 14 contos que reflectem a vivência de MOB em Macau.
Mais sobre Maria Ondina Braga e outros escritores de Macau nestelink

SEGUNDA-FEIRA, 2 DE JULHO DE 2012

Faleceu Adelino Serra de Almeida, ex-director da Escola Central

Antigo director da “Escola Central” e membro de várias direcções do Sporting Clube de Macau, Adelino Serra de Almeida faleceu em Portugal aos 96 anos de idadeMuitas gerações de macaenses ainda terão na memória a figura de Adelino Serra de Almeida, antigo docente e dirigente desportivo no território que faleceu quinta-feira aos 96 anos de idade.
Natural de Lisboa, chegou a Macau em 1949 e até 1966 foi professor e director da Escola Primária Pedro Nolasco da Silva, também conhecida como “Escola Central”. “Como director da Escola devem-lhe ter passado centenas de alunos pelas mãos”, salienta Luís Machado, destacando ainda outra faceta do professor Serra: “era sportinguista do coração e foi grande impulsionador da transferência de vários jogadores macaenses para o Sporting Clube de Portugal”.
Antes de se reformar (em 1966) e regressar a Portugal, Adelino Serra de Almeida fez parte de um grupo de sportinguistas que, nos inícios dos anos 50, “ressuscitou” o Sporting Clube de Macau, juntamente com António Conceição, Mário Abreu, major Cabreira Henriques e o “Matos dos Correios”, entre outros, conforme recorda Vítor Serra de Almeida, filho do professor e actual presidente da assembleia-geral da Casa de Macau em Portugal. O professor Serra integrou ainda várias direcções do Sporting Clube de Macau, quase sempre como secretário geral.
Vítor Serra de Almeida frisa aliás que “por diligências suas [do professor Serra] e do Dr. António Conceição, conseguiu-se a transferência dos jogadores macaenses Joaquim Pacheco e Augusto Rocha para o Sporting Clube de Portugal”. Adelino Serra de Almeida desempenhou também um papel fulcral na contratação pelo Benfica dos atletas de ténis de mesa Alberto Ló e José Kong, que viriam a ser internacionais por Portugal.
in JTM 2-7-2012

DOMINGO, 1 DE JULHO DE 2012

Final da Taça (em futebol): um 'derby' em 1951

Na edição de 11 de Julho de 1951 da revista Mosaico pode ler-se: “O encontro de futebol que mais arrebatou o entusiasmo do público foi a disputa final da Taça de Macau. Degladiaram-se neste importante prélio desportivo, o Sporting Club de Macau e o Sport Macau e Benfica, tendo este sido derrotado pelo primeiro”.
Em 1950 estavam inscritos na “Associação de Football de Macau” (AFM), fundada em 1939 e filiada na Federação Portuguesa de Futebol:
Grupo Desportivo da Polícia - delegado: Cardénio Vítor Vaz (camisola preta e calções brancos)
Benfica Futebol Clube de Macau - delegado: Manuel da Silva Matos (camisola encarnada, calções brancos) com sede na rua Almirante Costa Cabral, 18.
Grupo Desportivo “Argonauta“- delegado: Constâncio José Gracias (camisola azul, calções brancos)
Grupo Desportivo do Exército - delegado: alferes Vasco Artur Mariano Martins(Equipa A. camisola verde-branca, calções brancos; Equipa B. camisola azul-branca, calções brancos)
Grupo Desportivo “Melco“ - delegado: Eduardo Armando de Jesus (camisola amarela, calções azuis)
Grupo Desportivo da Marinha (com sede no Aviso de 2.ª classe “Pedro Nunes) e “Leng Yee Sports Club”
O selecionador da A.F.M. era o Tenente Mário de Almeida Machado.

SEXTA-FEIRA, 29 DE JUNHO DE 2012

Epidemia de peste bubónica em Macau: 1895

O que na Idade Média ficou conhecido por peste negra era nada mais nada menos que a peste bubónica. Há relatos desta peste em Portugal desde o século XIV. Um dos surtos, já no séc. XIX (Porto, 1899), terá tido origem em Macau atingida por um surto ca. 1894-85 oriundo de Hong Kong e Cantão.
José Gomes da Silva, médico chefe dos serviços de saúde e reitor do liceu elabora um relatório sobre a epidemia. Antes de reproduzir a introdução do mesmo, atente-se na descrição que este faz sobre as condições das habitações da população chinesa (a maioria) na época:
“Ninguém pode, sem ver, imaginar o que seja o interior dum casebre chinês em pleno coração dos bairros mais populosos. A promiscuidade de seres no quarto de dormir, em que o porco pernoita debaixo da cama do china; e as galinhas se empoleiram no dorso do porco; e o gato se anicha à cabeceira do dono; e o cão se estende do lado oposto ao do gato; e os ratos marinham livremente pelo catre ou se entregam a tropelias afrodisíacas no solo de terra mal batida; e as baratas, monstruosas e fétidas, voam elegante e arrojadamente naquela atmosfera que lhes é cara e vão com ímpeto bater às vezes no dorso do porco ou nas faces do china; quando não acontece que, em noites claras de verão, o china deixa as mulheres e os filhos deitados no solo com os animais e vem para o meio da rua contemplar, de barriga para o ar e perna traçada, a nesga azul do infinito limitada pelos beirais das casas fronteiras; esta promiscuidade dum homem chinês não há polícia sanitária que entre com ela”. 
Excerto da introdução do relatório de J. Gomes da Silva sobre A epidemia de peste bubónica em Macau. Impresso na Typographia Mercantil em 1895.
Antes da epidemia (...). Corria normalmente o primeiro trimestre de 1894, quando em fins de março recebi uma carta particular do digno cônsul de Portugal em Cantão, D. Cinatti, convidando-me a ir alli observar uma doença excessivamente curiosa, que havia cerca de um mez grassava sob a forma epideraica em Cantáo e seus arredores, acomettendo exclusivamente os chinas... e os ratos. A doença, no dizer do illustrado funccionario, caracterisava-se principalmente por uma temperatura elevada, que ás vezes bastava a matar o doente, e pela manifestação de bubões no pesco- ço, na axilla ou nas verilhas, com pouca tendência á suppuração. Pouco depois, espalhavam-se também em Macau boatos de que a mortalidade subira sensivelmente na população chineza a visinha colónia de Hongkong, sendo a doença dominante uma espécie de febre typhoide, sob este nome diagnosticada pelos médicos inglezes, e produzindo uma percentagem de mortalidade pouco commum, ainda nas mais severas epidemias conhecidas. Era grave o assumpto era grave também a coincidência. Installada a epidemia, fosse ella qual fosse, em Hong Kong e Cantão, como isolar Macau daquelles dois portos, por onde esta cidade communíca normalmente com o resto do mundo?  Como substituir todos os elementos imprescindiveis de vida individual e commercial que estta colónia recebe daquellas duas cidades? 
Era grave; mas podia nâo ser exacto. Convinha verificar até que ponto a exactidão e a gravidade do facto existiam ; e n'esse sentido enviei o seguinte officio á secretaria geral do governo. ... A junta de saúde é d'opiniâo que por agora não ha medidas prophylacticas a tomar, para prevenir a invasao da cholera, que alguns jornaes chinezes suppoem grassar na visinha cidade de Cantão. Primeiro que tudo, por informações particulares, dignas para mim de toda a fé, consta-me que aepide- " mia a que se referem os jornaes chinezes não é o cholera-mor-bus; depois, quando o seja, as medidas repressivas da comunicação de Macau com Cantão serão absolutamente ineficazes, porque importam egual isolamento de Hong Kong, cujas communicações diárias com Cantão não foram ainda interrompidas. Ora, nas condições actuaes de Macau, esta colónia, isolada subitamente de Hong Kong e Cantão, ficaria isolada do resto do mundo e seria em pouco tempo forçada a postergar as medidas que neste sentido tivessem sido tomadas, para não morrer de fome e de inaniçâo. N'estas condições, parece á junta de saúde que o mais racional e prudente seria: 1.° obter informações officiaes da marcha, symptomas e mortalidade da epidemia, por intermédio do cônsul portuguez em Cantão ou pela ida alli de um facultativo do quadro, incumbido de verificar de visu a natureza da doença; 2.° tornar conhecida do publico de Macau a existência da epidemia em Cantão para que cada um tomasse as çautellas aconselhadas pela hygiene em tempos de epidemia. Infelizmente, o numero de médicos do quadro, já de si restricto e insuficiente, estava então reduzido pela morte do facultativo A. Costa Carvalho, víctima do cholera, a dois médicos em Timor e dois em Macau, incluindo o chefe do serviço de saúde, que se propunha ir estudar a doença dominante em Canão. S. ex. o governador achou portanto intempestiva a proposta por mim feita e mandou que a junta de saúde ficasse de atalaia, esperando as informações que s. ex. ia requisitar do cônsul de Portugal n'aquella cidade. (...)

QUINTA-FEIRA, 28 DE JUNHO DE 2012

Grande Prémio de 1970: uma curiosidade

Um bólide estacionado frente ao Templo de A-Má é uma raridade. Para que os mais incautos não interpretem de forma errada a imagem (há ali algo que induz em erro), aqui fica a explicação. Nesta ano foi o austríaco Dieter Quester, ao volante de um BMW Fórmula 2, que venceu o 17º Grande Prémio de Macau.
Anne Wong, de Singapura (a que está dentro do F2), venceu a Corrida de Carros de Turismo, de 20 voltas, num Mini-Cooper S, e Benny Hidajat, da Indonésia, pilotando uma Yamaha YSI, foi o vencedor da prova de motas.

QUARTA-FEIRA, 27 DE JUNHO DE 2012

Casa-Museu Macaense

Dois edifícios no Bairro de São Lázaro vão ser recuperados para a criação da “Casa-Museu Macaense”. A intenção é reconstituir o ambiente de um lar macaense, com um espólio com  peças de José Vicente Jorge, Camilo Pessanha e Wenceslau de Moraes. E a estes nomes devem juntar-se outros de famílias macaenses. O projecto ronda os 50 milhões de patacas.
Os dois edifícios estão situados entre as ruas de São Miguel e de São Roque, foram construídos no início do século XX e estão degradados. O projecto que conta com a participação do arquitecto Carlos Marreiros deverá estar concluído em 2013. À frente deste novo museu está a Santa Casa da Misericórdia de Macau, proprietária dos edifícios. Para o provedor António José de Freitas trata-se de um projecto de “valor cultural, histórico e educativo será incalculável”.
“A SCM é uma instituição com uma identidade muito própria, para além do serviço social e sem nunca descurar essa parte, entendemos que também é importante contribuir nas vertentes histórica e cultural, sobretudo porque dispomos desses dois prédios patrimoniais, construídos segundo os documentos existentes em 1903”, AJF.
Excerto de artigo do Jornal Tribuna de Macau (jornalista Raquel Carvalho) 11 Agosto 2011
“Vamos tentar reproduzir o ambiente de uma casa macaense de outros tempos, do século XVIII a finais do século XIX, reconstituindo os espaços e as vivências típicas”. Subir as escadas daquele museu será então como entrar em casa de alguém, mas recuando no tempo. “Sala de Jantar, sala de estar, sala de leitura e uma pequena biblioteca” são algumas das divisões que devem surgir como representações fiéis dos hábitos macaenses. Todavia, as modernices da contemporaneidade também não serão esquecidas: haverá uma “secção multimédia, o que permite englobar componentes de som e imagem”, a par de um “mini-café e um pequeno balcão para a venda de lembranças e de obras de artistas locais”.
Parte do espólio, segundo descreve o provedor da SCM, está a ser negociado com os netos do sinólogo José Vicente Jorge. “Consideramos a herança cultural da família Vicente Jorge muito importante. O casal também tem manuscritos de Camilo Pessanha e de Wenceslau de Moraes que nos interessam bastante. Para além disso, serão importantes as doações ou cedências temporárias de objectos, artefactos, mobiliário e adereços por pessoas singulares ou colectivas da comunidade de Macau.” António José de Freitas desvenda que já foram realizados “alguns contactos” e que outras famílias macaenses de renome serão abordadas.
Embora o processo ainda não esteja concluído, “penso que temos condições para ter um bom espólio. Já fizemos vários levantamentos [escritos e fotográficos] e sabemos o que é preciso para simular uma vivência típica de uma lar macaense”, resume o provedor.
A Casa-Museu ocupará cerca de 400 metros quadrados, a soma de ambos os prédios, cada um com dois andares. “Esses dois edifícios ainda apresentam pormenores originais em madeira, se bem que bastante degradados. As escadas e os corrimões de madeira são originais, os tectos falsos, assim como as grelhas de ventilação, as molduras dos vãos, a carpintaria das janelas e das portas... Tudo isto será restaurado”, avalia António José de Freitas.
Na opinião de Carlos Marreiros, arquitecto responsável pelo projecto, é possível encontrar ali uma espécie de “compêndio, um glossário em termos de arquitectura de Macau” e que, por isso, convém preservar. “A sua integridade em termos patrimoniais é de 90 e muitos por cento...portanto, vale a pena enfiar a mão e fazer qualquer coisa de decente”. Contudo, a tarefa estará longe de ser fácil. “Todos os madeiramentos têm de ser retirados com muito cuidado e devidamente tratados, porque têm cem anos e em Macau há muito formiga branca”, observa o director-geral do Albergue SCM. Simultaneamente, “o edifício terá de ser reforçado com betão armado ou estrutura metálica para responder a todos os requisitos modernos de segurança física e também contra incêndios. A seguir os madeiramentos serão recolocados no espaço físico previamente restaurado.” Carlos Marreiros acredita mesmo que este poderá ser um “exemplo excelente de técnicas de preservação do património, mantendo a autenticidade e introduzindo elementos de reforço estrutural só onde seja necessário.”
Década de 1990
Freguesia de S. Lázaro no final do séc. XIX
Década de 1970

TERÇA-FEIRA, 26 DE JUNHO DE 2012

"De Portugal a Macau": 1924

No livro "De Portugal a Macau", da autoria de José Manuel Sarmento de Beires, oficial da aviação, que, juntamente com António Jacinto da Silva Brito Pais, e Manuel Gouveia, relata a ligação por via aérea -  quase em simultâneo com a travessia do Atlântico Sul, por Gago Coutinho e Sacadura Cabral - entre Portugal e Macau ocorrida em 1924. É uma edição rara esta de 1928.
Por estes dias, há 88 anos, estes "malucos das máquinas voadoras" já tinham chegado a Macau onde celebravam o feito, mesmo na altura dos festejos do Dia da Cidade (24 Junho).
Como o comandante Brito Paes era natural de Colos (Vila Nova de Milfontes/Odemira) a região ficou ligada a este grande feito da aviação portuguesa. Foi a 7 de Abril de 1924 que os pilotos partiram do Campo dos Coitos, junto a Milfontes, rumo ao Oriente. Em homenagem aos aviadores e ao seu feito histórico, foi erguido na Praça da Barbacã (em Vila Nova de Mil Fontes), junto ao forte de S. Clemente, um monumento que recorda a heróica viagem.
A edição de autor de 1958 onde pode ler-se: Recordações imprecisas que a memória reteve através das horas inolvidáveis da viagem do PÁTRIA, - este livro não é mais do que o despreocupado apontamento das minhas impressões pessoais, vislumbradas por entre os instantes de dramaticidade intensa que vivemos, singrando os céus longínquos da África e da Ásia. Estas páginas que constituem um documentário quase exclusivamente emocional, na cristalização imperfeita de oitenta dias de incerteza, de inquietação, de luta árdua e esgotante, ao POVO DE PORTUGAL pertencem, a Ele as dedico.
Ao Povo de quem recebemos a força magnética que nos fez triunfar; ao Povo que, na afirmação formidável da sua energia e do seu entusiasmo, concorreu para que , na viagem aérea a Macau, o nome de Portugal se aureolasse de um prestígio maior.

O monumento em Vila Nova de Mil Fontes (2012)

SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JUNHO DE 2012

Merchants of Canton and Macao

Merchants of Canton and Macao: Politics and Strategies in Eighteenth-Century Chinese Trade é um livro que aborda a questão do comércio no delta do rio das Pérolas no século 18. Foi editado em 2011 pela Hong Kong e Kyoto University Press e é da autoria de Paul Arthur Van Dyke, historiador (e professor na Univ. de Macau), que também escreveu "The Canton Trade: Life and Enterprise on the China Coast, 1700-1845", editado em 2005.
Eis algumas críticas...
“Paul A. Van Dyke’s Merchants of Canton and Macao is an invaluable addition to our knowledge of Sino-Western trade in the eighteenth century. The level of detail is outstanding, amassed from a rich source base in multiple languages. And from that data base Van Dyke brings the financial actors in this complex commercial story vividly to life.” 
Jonathan Spence, author of The Search for Modern China
“Asia’s ‘dark’ eighteenth-century has never seemed more lively or dynamic. This book will be treasured by all those struggling to understand the hitherto opaque world of pre-modern Chinese business.” 
Anthony Reid, author of Southeast Asia in the Age of Commerce
“Only the most dedicated researcher and extraordinary polyglot could aspire to what Van Dyke accomplishes in Merchants of Canton and Macao. Van Dyke’s painstaking research shows that a 200-year-old narrative of Chinese opposition to trade is at odds with the historical record, while also providing unprecedented detail on the actual conduct of the Canton trade and the careers of its leading Chinese merchants. Van Dyke reveals them as canny businessmen, effective lobbyists, family patriarchs, and men embedded in complex global social and economic networks.” 
Michael Szonyi, Harvard University
“Paul Van Dyke’s knowledge of eighteenth-century Canton and Macau is so detailed that you feel you are on the ground with the men who made this region of southern China one of the most important modern global trading centres. Based on research throughout the world, Van Dyke presents both a narrative of the daily operations of the China trade and a remarkable archive of the contracts, records books, public notices, maps, receipts, letters and other documents that bring this trade to life.” 
Madeleine Zelin, Columbia University
“A remarkable reconstruction of eighteenth-century Canton and Macao merchant practices based upon diverse and scattered archival materials—Van Dyke successfully undermines conventional notions of Chinese ‘monopoly’ control through showing the concrete activities of numerous merchants and government policies responsible for aiding the expansion of trade in this era. This work is an important corrective to European-centred accounts of China’s eighteenth-century foreign trade, to be read with profit by China, Asia, and world historians.” 
R. Bin Wong, UCLA
“Based on a multitude of archival sources in various languages other than English, it mainly looks at Chinese entrepreneurs, their business strategies, their biographies and networks—telling us, very convincingly, how these merchants came to act as major players in an increasingly complex world. The story abounds in new details, its views are carefully balanced, and it makes excellent reading. A must for scholars interested in the history of Euro-Chinese relations."
Roderich Ptak, Ludwig-Maximilians-Universitaet Munich

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