segunda-feira, 9 de julho de 2012

açores património dilapidado



O ABANDONO DO PATRIMÓNIO NA ILHA DE SÃO MIGUEL
UM EXEMPLO ENTRE MUITOS....

Por Lucinda Sousa
O património industrial deve ser considerado como uma parte integrante do património cultural em geral, todavia, a sua protecção legal deve ter em conta a sua natureza específica. Esta protecção deve ser capaz de proteger a fábrica, as suas máquinas, os seus complexos e os conjuntos de edifícios e a paisagem industrial. No caso aqui presente estamos, apenas, perante a classificação da chaminé, ou seja uma parte de um todo, daí não surpreender que esta classificação seja alvo de muitas controvérsias e que, sob o ponto de vista antropológico, seja considerada ilusória e incompreensível.Segundo a disciplina antropológica, a fábrica do álcool implica uma totalidade sistémica em que a chaminé é apenas uma parte do sistema. O espaço da fábrica é um espaço construído com usos e significados próprios que são testemunhos de vivências e experiências.
O ideal, no ponto de vista antropológico, será a manutenção e conservação da fábrica na sua integridade funcional, pelo que as intervenções a realizar deveriam, tanto quanto possível, visar a manutenção desta integridade, em que a conservação “in situ” torna-se o projecto mais ambicionado.
Actualmente, o Concelho de Lagoa, à semelhança do que acontece um pouco por todo o lado, vê-se a braços com a resolução de problemas económicos advindos da manutenção e preservação do seu património imóvel, bem como dos custos inerentes à manutenção de núcleos museológicos e museus, pelo que não tardará a encarar o património como um fardo financeiro. Não surpreenderia, pois, que a musealização “in situ”, ou mesmo a reconversão em museu, da fábrica do álcool possa ser considerada pela autarquia lagoense um investimento artificial, com a criação de alguns mitos e custos sem retorno continuado, sendo que este tipo de intervenção, numa comunidade cuja modernização é permanente, poderia acabar por satisfazer, momentaneamente, apenas pequenos núcleos de nostálgicos. Com efeito, para que este tipo de intervenção seja bem sucedida necessita de uma gestão patrimonial muito dinâmica, envolvendo, por conseguinte, um conjunto de profissionais e o estabelecimento de uma condução activa dos recursos pedagógicos e económicos no elemento patrimonial, o que implicaria verbas orçamentais consideráveis, as quais o município não possui actualmente.
Classificar a realidade a 100% parece-me uma tarefa paradoxal e desnecessária. Se fossemos delimitar ou querer compreender a classificação da chaminé da fábrica do álcool como unidade de estudo antropológico seria ignorar que a Vila da Lagoa vive diariamente num extenso espaço global, onde se produzem acontecimentos, onde se vivem emoções, onde se desenrolem vidas que dizem directamente respeito à reprodução social quotidiana desta vila.
Obviamente, o conceito de património liga-se intimamente ao de preservação, mas não podemos manter a memória como um registo passivo, estático, por vezes mesmo intocável na preocupação absoluta da preservação, pois, assim sendo, os projectos de salvaguarda e preservação do património tenderá para a decrepitude e para a dificuldade de percepção nas gerações vindouras, não contribuindo para o bem-estar geral, para a sociabilidade e para o reconhecimento de um símbolo identitário.
Não podemos, também, ignorar que se a fábrica do álcool é um ponto de referência identitária e simbólica para uma parte da população, para os mais jovens e os novos residentes a fábrica constitui apenas um marco na paisagem urbana, pelo que existe uma relativa indiferença perante a fábrica como testemunho material do passado.
O posicionamento mais recente do conceito de património aponta para espaços de vivencia colectiva, de forma que cada um sinta em si próprio o fio da história e um vínculo de cidadania partilhada, isto é, um sentimento de identidade. Há que tentar gerir duas identidades temporais, a do passado e a da actualidade, e tal só é possível com a criação de uma nova identidade, uma nova dinâmica, sem, contudo, apagar a memória histórica deste património industrial. Nesta perspectiva, sou de opinião que há que procurar novas formas de reprodução social e de reformulação da identidade, sobrepondo passado, presente e futuro, caso contrário corremos o sério risco do património constituir um fardo e uma limitação para as novas gerações.

(foto de Vera Cimbron)

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