terça-feira, 3 de julho de 2012

A CRISE ESTÁ MUITO MAL EXPLICADA

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Entre 1995 e 2000, Portugal manteve uma dívida pública, em percentagem do PIB, substancialmente inferior à média da Europa. O grande salto para o endividamento faz-se no período 2000 a 2008, antes da crise internacional.
Corre por aí uma lengalenga de embalar: o grande endividamento público português teria resultado da necessidade de responder à crise internacional. O "mau comportamento" dos agentes privados (banca incluída) provocou a crise à qual os poderes públicos acorreram, aumentando a despesa e dívida públicas para suportar os encargos sociais acrescidos pela crise e estimular a economia. Estaria aí a explicação para o crescimento desmesurado da dívida. 

Esta explicação para o enorme endividamento público não é correta, nem para Portugal nem para a Europa em geral. Mas, se para a Europa os números parecem ilustrar a narrativa – obrigando a uma refutação mais demorada - para Portugal nem isso.

No caso da Europa, em geral, houve um fraco crescimento da dívida pública entre 2000 e 2008 e uma aceleração evidente entre 2008 e 2011; por sua vez, a dívida privada conheceu uma enorme aceleração no período de 2000-2008, o que parece justificar a narrativa que propõe uma relação causal entre as duas dívidas. Os números parecem ilustrar a enganosa interpretação. O aumento do peso da dívida pública arranca em 2008 (crescimento de 0,5% em 8 anos, em 2000-2008, contra 39,0% em 3 anos, em 2008-2011). Já o arranque decisivo do peso da dívida privada dera-se no período 2000-2008 (crescimento de 43,4% em 8 anos).

Mas, observemos de perto: de onde veio o endividamento privado no período 2000-2008? Não ocorreu por geração espontânea, mas teve origem nos incentivos, nas garantias, nas políticas públicas de promoção de aquisição generalizada de propriedade imobiliária com forte e diversificado suporte público. (No limite a própria baixa dos juros que suportaram este endividamento privado foi ajudada pelo laxismo do BCE que aceitou, nas mesmas condições, colaterais para os créditos das mais diversas origens e qualidades.)

Mas o caso português deve ser destacado.

Em Portugal, houve um aumento autónomo da despesa pública que não foi provocado pela despesa privada e pela crise. O fenómeno verificado na Europa também se verificou aqui, mas ele sobrepõe-se, acumula com um anterior e enorme crescimento da dívida pública. 

O grande arranque da dívida pública portuguesa dá-se a partir de 2000 e não apenas, como na Europa, após 2008.

Só em Portugal (42,1% contra 40,8%) e Alemanha ( 10,8% contra -5,9%) o crescimento do peso da dívida pública foi superior ao da dívida privada. Em média, na União Europeia a diferença foi abissal; 0,5% contra 43,4%. 

Na Europa, o crescimento da dívida pública em 2008-2011 parece ser consequência da dívida privada de 2000-2008. Mas em Portugal há uma autonomia clara do crescimento da dívida pública que vem de 2000-2008.

Entre 1995 e 2000, Portugal manteve uma dívida pública, em percentagem do PIB, substancialmente inferior à média da Europa. O grande salto para o endividamento faz-se no período 2000 a 2008, antes da crise internacional. Em 1995, só 4 países tinham dívidas mais baixas do que o nosso país. Em 2000, Portugal tinha das dívidas mais baixas; só 3 países (Irlanda, Reino Unido e Finlândia) tinham valores inferiores. Em 2008, só 3 países (Grécia, ItáliaBélgica) tinham valores superiores. Nenhum país conheceu neste período maior acréscimo do peso da dívida. Neste período, metade dos países conheceram decréscimos. Tivemos um acréscimo de 42,1% contra uma média de apenas 0,5% em média na Europa. Já no período pós-crise, embora Portugal esteja entre os países que mais viu crescer a dívida, a diferença é menos marcante; tivemos um acréscimo de 50,6% contra uma média de 39% e 3 países (Irlanda, Espanha e Reino Unido) conheceram um crescimento maior.

A narrativa que atribui à crise o insuportável endividamento publico português não é apenas uma atrevida e errónea interpretação do passado. Ela serve o desígnio de alimentar a insistência nos mesmos erros de política económica que nos trouxeram à desgraçada situação de falência: sempre mais dívida, agora traNsvestida de euro-obrigações, obrigações de projeto, acréscimo de créditos e de massa monetária do BCE e o mais que por aí circula loucamente. Justifica-se, assim, duplamente a sua refutação. 

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Chrys Chrystello, An Aussie in the Azores/Um Australiano nos Açores 
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