domingo, 29 de abril de 2012

TIMOR-LESTE E FILIPINAS casos linguísticos


Henrique Correia 29 April 01:03

Acabo de ver um filme filipino muito interessante - "Lola".
Às tantas, uma personagem diz para a ferik (senhora idosa): "Paciência, nona!"
"Nona" nas Filipinas é tratamento vulgarmente atribuído a todas as senhoras de idade, sejam conhecidas ou desconhecidas.
A origem desta palavra é "dona", em português, e generalizou-se durante os 2 ou 3 séculos em que o português (ou uma mistura de malaio e português) foi a língua franca na Insulíndia.
Esta palavra é ou foi muito usada em outros países asiáticos (Malásia, Índia, Indonésia, Timor-Leste, etc.) e também presente no léxico do patuá ou crioulo de Macau na variante "nhonha", também comum a outros países.
Em geral, essa palavra usa-se no sentido de "menina" (senhora jovem) ou "senhora" (de mais idade), conforme os países ou regiões.

A certa altura do filme, numa cena de tribunal os atores passam a falar em inglês. Lembrei-me do recente artigo do Prof. Savage sobre o português em Timor-Leste e pensei: o que ganharam os filipinos em substituir o castelhano pelo inglês? Ficaram mais ricos? conquistaram a felicidade? Entraram para o 1º mundo? Pararam de emigrar?
Os timorenses sabem as respostas a estas perguntas todas e, tal como os filipinos continuam a dizer "Paciência, nona!" e a comer "chorizo" ou "adobo", Timor continuará a querer manter a língua portuguesa como sua, sabendo que a felicidade ou a riqueza não se ganha simplesmente falando a língua A ou B. Não só não se ganha nada, como se perde a identidade - aquilo que nos distingue dos outros.

Uma última nota para a tradução do filme. Tendo sido feita a partir da tradução para a língua inglesa, portanto uma tradução em 2ª mão, são inevitáveis alguns problemas:
A certa altura uma personagem fala em "pasta de camarão". Trata-se da tradução literal do inglês "shrimp paste", a evitar. Em português a palavra é "BALICHÃO", bebida diretamente do malaio "balchan".
Espero que esta chamada de atenção possa ser aproveitada por algum tradutor, já que há um grande número de vocábulos culinários de origem asiática que enriqueceram a língua portuguesa, mas são desconhecidos dos portugueses europeus que não têm nenhum contacto com a Ásia. É o caso de LACASSÁ, SUTATE, etc.
O intercâmbio luso-asiático na culinária está bem retratado neste artigo, que fala essencialmente no caso de Macau:
http://luso-brazilianstudies.blogspot.pt/2011/04/food-and-identity-in-macanese-fiction.html

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