Valores e Futuro da Democracia
Rui Dias Guimarães
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Centro de Estudos em Letras - CEL
Centro de Estudos Ibéricos y Americanos de Salamanca «Federico de Ónis-Miguel Torga»
Introdução
É na qualidade de antigo cidadão das Nações Unidas, em Bruxelas e posteriormente exilado político na Dinamarca, antes do 25 de abril, que direi algumas simples palavras. Palavras que gostaria que fossem balas mágicas ou palavras livres, porque brotam de uma nova cultura, a cultura da palavra livre, a cultura do 25 de abril.
Irei, contudo, cingir-me a dois aspetos principais como base de reflexão de uma breve mensagem sobre “valores, cidadania e mundo atual”, por um lado, e “o futuro da democracia”; por outro, considerando o governo democrático, os políticos e os intelectuais.
1. Valores, cidadania e mundo atual.
Segundo Edgar Morin, conhecido filósofo francês, os «intelectuais ou estão alienados numa cultura abstrata e não podem suportar que os não intelectuais estejam alienados com telenovelas ou futebol».
Os intelectuais, e atrás deles alguns políticos, estão, nos nossos dias, ameaçados pela cultura técnica e científica que, pela sua voracidade de mudança e consumo permanente, passam por cima dos problemas humanos, morais e filosóficos.
Da alienação dos intelectuais e da voraz cultura técnica, tecnológica e científica, resultou um regime que se tornou oco por cima e oco pela base.
Já antes do 25 de abril, nos anos 70, alguns intelectuais tomaram consciência do seu erro e devotaram-se, então, aos direitos humanos, e desempenharam, no concreto, a consciência da humanidade. Surgiram os “Médicos sem Fronteiras”, a Amnistia Internacional, etc.
O golpe militar do 25 de abril de 1974 acabou com a ditadura. O Movimento do 25 de abril pode e deve ser dividido pelo menos em dois vetores: uma guerra colonial que se tornara impossível de controlar e um défice político que a Europa da então CEE já detetara.
Resultou, em Portugal, um movimento político-militar com uma liderança militar excessivamente longa e arrastada e um défice na consciência política, sobretudo popular
O 25 de abril arrastou, com o fim da guerra colonial e uma descolonização convulsa, um regime que se designava democrático, e uma liderança militar de onde nasceu uma débil cultura da palavra livre e uma débil liberdade, afetando as novas gerações, embaladas por slogans de miliares que sucediam a militares, dificultando o nascimento e formação de um escol civil e popular a todos os níveis.
O problema da construção do edifício democrático resumia-se a eleições e a partidos. Instalou-se a partidocracia. Os valores, o civismo e a cidadania não eram conhecidos ou debatidos. O povo não tinha os seus intelectuais e uma educação nova.
Se já antes do 25 de abril os intelectuais europeus alertavam para o facto da Europa estar a ficar alienada, nós, sob lideranças militares rotativas e viciadas em golpes das guerras, não formávamos o nosso escol político, científico e económico. Muitas vezes vivia-se o terror ideológico – ao qual assisti! -, sem a cultura da palavra livre.
Surgiu e instalou-se, paulatinamente, o homem sem valores. Segundo o filósofo espanhol Emílio Rojas, o homem contemporâneo é o “homem light” que aceita tudo, onde “vale tudo” para quem todos os meios justificam os fins.
É um homem contemporâneo com um grande vazio moral. Carateriza-se pelo materialismo, pelo hedonismo, pela permissividade (destruição de ideais) pela revolução sem finalidade (desordem generalizada) relativismo (tudo é efémero), pelo consumismo (é a sua liberdade) “eu sou mais livre, porque consumo mais bens materiais”. Tem um ideal apático e uma cultura niilista (arrogante e com o complexo de superioridade).
A lei do hedonismo ou do prazer máximo é a lei dominante, aliada ao ideal do consumo. É um homem frívolo, sem debate ideológico nem inquietação intelectual ou espiritual.
A regra é a superficialidade, a indiferença, o egoísmo exagerado. O seu ideal é a comodidade. A mentira e a promessa tornam-se o argumento político principal da retórica. A apropriação dos bens públicos são os seus principais objetivos.
Culturalmente, vivemos o modelo pós-modernista cujo perfil é o forte poder de negação, sobretudo da história, a ausência de valores, o individualismo, a destruição do Estado, o reino do dinheiro, a massificação do modo de vida, tornando-nos fracos e sem identidade na guerra de culturas que se trava na globalização, afetando mesmo a lusofonia.
Ao modelo cultural pós-modernista aliou-se o modelo político neoliberal, uma espécie de turbocapitalismo.
Grandes avanços científicos ocorreram posteriormente, como o início de uma nova era, a era digital, cujo principal marco de referência costuma ser a publicação Ser Digital do cientista grego e professor da universidade americana M. I. T, Nicolas Negroponte, em 1998. Trata-se da transformação do átomo da matéria em bite (ou byte). A desmaterialização.
Neste nosso mundo atual, o da era digital, nada mais nefasto que o pós-modernismo cultural e o neoliberalismo político.
Os novos valores e a espiritualidade tornam-se essenciais, Será que o humanismo já terminou?. Jeorge Steiner afirma que sim. Outros lutam por um novo humanismo e albergar o homem na sua humanidade.
Mas os valores são geracionais e subjetivos. Uma sociedade é geracionalmente plural. Os valores estão aliados à sensibilidade e ao tempo humano. Evoluem. Podem passar a ser intergeracionais, transgeracionais ou suprageracionais, como por exemplo os direitos humanos.
2. O futuro da democracia
Tentaremos tecer algumas considerações sobre a possível evolução da democracia. No plano educativo, é relevante a educação cívica e cidadania a par do conhecimento científico e tecnológico e, em nosso entender, da espiritualidade no seio da cultura.
Diferentes são os regimes democráticos e a democracia é um fenómeno muito complexo, com várias propostas de modelos ideais, segundo as explicações dos historiadores e dos politólogos.
No interior da União Europeia, salientam-se essas diferenças. É preciso mais rigor, mais justiça política, mais honestidade, mais fiscalização sobre no exercício político comunitário.
No plano individual, a autocriação, ou o poder de ser aquilo que desejamos, com o devido trabalho e empenho, um dos objetivos dos jovens europeus.
O que é a democracia? Alguma vez vivemos em democracia?
Segundo Giovani Sartori (1992) é preciso colocar-nos no ponto de um equilíbrio instável entre os ideais formulados pelas teorias democráticas e as práticas dos regimes democráticos. Existe, por vezes, uma mera redução da democracia a uma concorrência eleitoral.
As qualidades das democracias relacionam-se com as qualidades do governo democrático.
Segundo Scmitter (1983) as modalidades do governo dividem-se em duas: o governo do povo ou o governo para o povo. No governo do povo “temos a participação dos cidadãos e a acessibilidade das autoridades públicas”.
Por outras palavras, se a democracia é o governo do povo, pretende-se que os cidadãos participem e que as autoridades sejam acessíveis.
Se a democracia é o governo para o povo, pretende-se que sejam criados mecanismos através dos quais os cidadãos possam responsabilizar os governantes e as autoridades respondam às exigências dos cidadãos.
É isso que nos falta. É preciso criar leis, como na Dinamarca, só para o exercício da atividade política, investigá-los e julgá-los, quando necessário, que parece ser o caso de Portugal em relação ao assalto político por investigar ou permanentemente em investigação. Isso não acontece na Dinamarca. É preciso preparar Portugal para a invasão económica e para a guerra de culturas.
A democracia não foi capaz de cumprir algumas promessas como eliminar interesses organizados ou acabar com as oligarquias.
Breve conclusão
Após as considerações sobre valores, cidadania e mundo atual, é preciso dotar a sociedade de uma matriz axiológica moderna. O futuro da democracia só é viável dentro dos valores, nesta era digital, e de um Estado de direito judicialmente eficaz.
A democracia deve articular o governo do povo com o governo para o povo e ativar os mecanismos de responsabilização de governantes, ela aprende e evolui. Está na hora!
Há uns anos atrás, antes do 25 de abril, ouvi o poeta Afonso Duarte dizer o seguinte aos microfones da BBC: «Quero ser europeu, quero ser europeu, num canto qualquer de Portugal».
Hoje, com a cidadania portuguesa e europeia, questiono-me sobre a viabilidade de um patriotismo simultaneamente português e europeu. Muitos são os escombros.
São estes, em nosso entender, os caminhos, o mesmo-outro 25 de abril num sentido mais perfeito e mais brilhante.
Rui Guimarães
25 de abril de 2012
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