CARTA DA CALIFÓRNIA, Eduardo Mayone Dias
1. Das origens à Idade Média
Pouquíssimo se sabe das mais remotas origens da língua portuguesa, os
falares da Península Ibérica pré-romana. É contudo de supor que em franjas litorais e em planícies separadas por altas serranias se tenham desenvolvido diferentes enclaves linguísticos que com o rolar dos séculos hajam originado os grupos galego/asturiano/português, basco/ navarro, castelhano/extremenho/andaluz e aragonês/catalão/ valenciano.
Esta é a pré-história do Português. A proto-história tem início com a invasão romana, durante a qual o latim foi imposto em todos os atos públicos, que podiam ir da administração até simples transações comerciais, e afogou os regionalismos linguísticos.
Desde os nossos primeiros anos de escola aprendemos que os legionários e colonos, gente do povo, aliás nem todos romanos, não falavam o latim clássico mas sim o vulgar, que pouco a pouco se foi mesclando com as variantes locais, dando assim origem às quatro línguas românicas hoje oficiais na Península, galego, português, castelhano e catalão.
Durante o período romano, cerca de seis séculos, (1) o latim ia evoluindo e novas formas verbais foram criadas. Para dar um prosaico exemplo, as
primeiras vagas colonizadoras usaram o termo “scopa”, que resultou “escombra” em catalão e ‘escoba’ em castelhano. Quando as últimas levas chegaram à costa oeste traziam um mais moderno vocábulo, “basaura”, que deu “vasoira” em galego e “vassoura” em português.
As inovações introduzidas pelos romanos implicaram naturalmente inumeráveis termos, referentes a todas as formas de vida. Assim, por exemplo, ao serem criados novos procedimentos agrícolas, surgiram nomes de utensílios que deram em português charrua, arado, enxada, sacho ou machado. Também do grupo celta, possivelmente através de uma tardia latinização, vieram vocábulos como cerveja, camisa, carro, lousa e sabão. Como bem se sabe, depois de se haver corporizado a língua portuguesa, o latim persistiu ou foi revivido em expressões eruditas de variados campos do saber. Deste modo, por exemplo, na terminologia académica regista-se o doutoramento “honoris causa”, na diplomática a expressão “persona grata”, (2) na
jurídica “habeas corpus”,(3) na eclesiástica “urbi et orbi”, na lógica “quod
erat demonstrandum”, na estilística “ipsis verbis” e muitíssimo mais.
Entre aproximadamente os anos 406 e 411 da era de Cristo várias tribos germânicas, entre as quais se destacaram os visigodos, invadiram a Península e derrubaram o poderio romano.
Durante o período romano, cerca de seis séculos, (1) o latim ia evoluindo e novas formas verbais foram criadas. Para dar um prosaico exemplo, as
primeiras vagas colonizadoras usaram o termo “scopa”, que resultou “escombra” em catalão e ‘escoba’ em castelhano. Quando as últimas levas chegaram à costa oeste traziam um mais moderno vocábulo, “basaura”, que deu “vasoira” em galego e “vassoura” em português.
As inovações introduzidas pelos romanos implicaram naturalmente inumeráveis termos, referentes a todas as formas de vida. Assim, por exemplo, ao serem criados novos procedimentos agrícolas, surgiram nomes de utensílios que deram em português charrua, arado, enxada, sacho ou machado. Também do grupo celta, possivelmente através de uma tardia latinização, vieram vocábulos como cerveja, camisa, carro, lousa e sabão. Como bem se sabe, depois de se haver corporizado a língua portuguesa, o latim persistiu ou foi revivido em expressões eruditas de variados campos do saber. Deste modo, por exemplo, na terminologia académica regista-se o doutoramento “honoris causa”, na diplomática a expressão “persona grata”, (2) na
jurídica “habeas corpus”,(3) na eclesiástica “urbi et orbi”, na lógica “quod
erat demonstrandum”, na estilística “ipsis verbis” e muitíssimo mais.
Entre aproximadamente os anos 406 e 411 da era de Cristo várias tribos germânicas, entre as quais se destacaram os visigodos, invadiram a Península e derrubaram o poderio romano.
Havendo-se convertido ao cristianismo e adotado muito do estilo de vida romano, pelo ano de 476 os visigodos constituíam já uma aristocracia guerreira que iria dominar a Península por cerca de três séculos.
A ela se devem numerosas contribuições ao falar hispânico em especial relativas à arte militar (o próprio termo “guerra” é uma delas) ou à equitação, que acabaram por dar à língua portuguesa formas como baluarte, elmo, escaramuça, guarda, trégua, brandir, esgrima, dardo, flecha, espora, arreio ou galopar. Outras formas são sala, burgo, agasalho, ufano e ganso. Entre nomes próprios de origem germânica contam-se Alberto, Rodrigo, Humberto, Rogério, Fernando, Afonso, Gonçalo, Álvaro, Elvira, Berta, Ermelinda e Gertrudes.
A ela se devem numerosas contribuições ao falar hispânico em especial relativas à arte militar (o próprio termo “guerra” é uma delas) ou à equitação, que acabaram por dar à língua portuguesa formas como baluarte, elmo, escaramuça, guarda, trégua, brandir, esgrima, dardo, flecha, espora, arreio ou galopar. Outras formas são sala, burgo, agasalho, ufano e ganso. Entre nomes próprios de origem germânica contam-se Alberto, Rodrigo, Humberto, Rogério, Fernando, Afonso, Gonçalo, Álvaro, Elvira, Berta, Ermelinda e Gertrudes.
Chegado o ano 711 uma nova era se abriu para a história peninsular e para o evoluir do idioma português. Foi pois nesse ano que hostes mouras, lideradas por árabes, cruzaram o Estreito de Gibraltar e numa guerra-relâmpago ocuparam toda a Península Ibérica, com exceção de um pequeno reduto nas montanhas das Astúrias.
De aí, uns dez anos depois de 711 (desconhece-se a data exata), no seguimento da batalha de Covadonga, os cristãos lançam o movimento da Reconquista que, ao impelir os invasores para o sul, deu origem a vários reinos, entre eles o de Portugal.
Dotados de uma avançada cultura, os muçulmanos introduziram novas técnicas em quase todas as áreas do conhecimento humano e com elas um fértil léxico que sobreviveu até hoje com cerca de 200 termos em português.
Na sua maioria os neologismos foram adotados juntamente com o artigo
definido “al” (al caid> alcaide) ou a sua condensação num simples “a” (a
ris>arroz).
Os árabes trouxeram produtos agrícolas, cujas designações se mantiveram na fala dos seus súbditos cristãos: alface, algodão, alfazema, amêndoa, alfarroba, alfafa, alcachofra, açúcar, haxixe, azeitona, açafrão e outros.
Do aperfeiçoamento dos cultivos e do processamento das colheitas ficaram nora (com a sua roda de alcatruzes, ainda usada no século XX em Portugal) açude (represa), atafona (moinho de vento) ou azenha (moinho de água).
Na sua maioria os neologismos foram adotados juntamente com o artigo
definido “al” (al caid> alcaide) ou a sua condensação num simples “a” (a
ris>arroz).
Os árabes trouxeram produtos agrícolas, cujas designações se mantiveram na fala dos seus súbditos cristãos: alface, algodão, alfazema, amêndoa, alfarroba, alfafa, alcachofra, açúcar, haxixe, azeitona, açafrão e outros.
Do aperfeiçoamento dos cultivos e do processamento das colheitas ficaram nora (com a sua roda de alcatruzes, ainda usada no século XX em Portugal) açude (represa), atafona (moinho de vento) ou azenha (moinho de água).
Medidas de peso, superfície ou volume, por muito tempo empregadas, foram a arroba (cerca de quinze quilos), o alqueire (cerca de 25 metros quadrados), o arrátel (um pouco menos de meio quilo) e o almude (cerca de seis litros e meio). Quando se introduziu o sistema numérico hoje usado, em substituição do romano, divulgou-se o conceito de zero e a respetiva designação.
Para uso doméstico havia almofadas, alcofas, alcatifas, garrafas, almofarizes, alambiques, alguidares e alfinetes. (4)
Quanto à culinária temos o azeite, a açorda, o escabeche e as almôndegas.
Ainda há umas décadas existiam no Algarve, (5) região portuguesa de mais
longa permanência árabe, numerosas casas encimadas por “açoteias”, terraços onde se secavam frutos. E evidentemente, o interior podia ser decorado com “azulejos”.
Ainda há umas décadas existiam no Algarve, (5) região portuguesa de mais
longa permanência árabe, numerosas casas encimadas por “açoteias”, terraços onde se secavam frutos. E evidentemente, o interior podia ser decorado com “azulejos”.
Com o desenvolvimento de novas ou antigas técnicas especializaram-se
profissões e ocupações tais como alfaiate, arrais, alvanel (pedreiro), almoxarife (gerente de armazém), alcaide (governador militar e civil de um castelo e povoação adjacente), alfageme (fabricante de armas) e alcoviteira (intermediária paga de relações sexuais ilícitas).
profissões e ocupações tais como alfaiate, arrais, alvanel (pedreiro), almoxarife (gerente de armazém), alcaide (governador militar e civil de um castelo e povoação adjacente), alfageme (fabricante de armas) e alcoviteira (intermediária paga de relações sexuais ilícitas).
A presença muçulmana na Península teve o ser termo no ano de 1242 em
Portugal com a tomada de Silves e a queda do Reino do Algarve e no de 1492 em Espanha, ao ser submetido o Reino de Granada.
Portugal com a tomada de Silves e a queda do Reino do Algarve e no de 1492 em Espanha, ao ser submetido o Reino de Granada.
NOTAS
(1) A ocupação militar da Península Ibérica durou de 218 AC até 17 AC. Uma vez radicado, o domínio romano manteve-se até a primeira década do Século V.
(2) É bem sabido que um enviado diplomático estrangeiro tem de obter essa classificação antes de apresentar as suas credenciais ao Presidente da República portuguesa. Um caso jocoso ocorreu durante o período do Estado Novo. Um diplomata latino-americano, designado pelo seu Governo como embaixador em Lisboa, foi considerado pelas autoridades portuguesas “persona non grata”. As suas qualificações eram impecáveis mas atraiçoaram-no os seus apelidos, Porras y Porras.
(3) Nas fachadas de muitos tribunais portugueses pode-se ler “DOMUS IUSTITIAE”, casa da justiça. Por outro lado o histórico edifício da Câmara Municipal de Bragança é conhecido como Domus Municipalis.
(4) Então significando palitos para os dentes.
(5) Algarve (al Gharb) significa “o Oeste”.
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