sábado, 26 de janeiro de 2013

MANUEL VEIGA E O AO1990

Manuel Veiga, linguista, professor e escritor: “O acordo ortográfico vai contribuir para afirmação da Língua Portuguesa no mundo”

O professor, linguista e ex-ministro da Cultura, Manuel Veiga mostra-se a favor do Acordo Ortográfico (AO) e garante que este será determinante para a afirmação da Língua Portuguesa no mundo. No entanto, alerta que, internamente, o mesmo poderá gerar uma certa resistência, “passageira”, junto dos profissionais que têm a escrita e a língua como instrumento de trabalho.

Cabo Verde esteve presente pela primeira vez nas discussões sobre o Acordo Ortográfico em 1986, num encontro promovido no Rio de Janeiro, Brasil, pelo então presidente José Sarney. O arquipélago fez-se representar pelo linguista Manuel Veiga e pelo poeta Corsino Fortes.

A eles juntaram-se, na altura, representantes de Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Do encontro resultou o Memorando sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e foi criada também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), à qual mais tarde se viria a juntar Timor-Leste.
Manuel Veiga recorda que “nessa altura já havia toda a abertura para o AO porque isso vinha ao encontro da afirmação, da valorização da língua portuguesa no mundo”.
A esse encontro viriam a seguir-se muitos outros, incluindo o de 1990, promovido pela Academia de Ciências de Lisboa, onde foi assinado oficialmente o AO, que viria ser aprovado apenas em 1995, no Brasil.
AFIRMAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Este professor e linguista, também escritor, autor do primeiro romance escrito em crioulo, “Oju d’agu”, mostra-se plenamente a favor do AO e defende que “não podemos ter uma língua com cerca de 200 milhões de interlocutores, com normas diferentes”.
Pelo contrario, acrescenta, “era preciso dar um sinal ao mundo e mesmo a nós que fazemos parte da CPLP, que não podemos estar com normas diferentes para escrever a mesma língua. Se queremos afirmar a Língua Portuguesa temos de ter aquilo a que o Celso Cunha chamava a unidade superior da língua. A uniformização não é possível, mas a unidade é”.
Unidade essa que, na sua opinião, vai beneficiar, e muito, a internacionalização da Língua Portuguesa. “A vantagem é da Língua Portuguesa porque a nível internacional ela passará a ser utilizada com mais facilidade devido à unificação de algumas regras e normas da ortografia”, sustenta.
Além da internacionalização, o nosso entrevistado acredita que o AO vai trazer vantagens ao nível da cultura, também. “Vai facilitar a divulgação de filmes, de livros, de tudo aquilo que a língua é portuguesa é suporte da cultura”, afirma.
Este ex-ministro da Cultura teve aquilo a que chama de “oportunidade” de em 2009 levar o AO a Conselho de Ministros, depois de terem sido feitas todas as ratificações. “O Conselho de Ministros tinha que definir o período de estágio do AO. Na altura, só o Brasil e São Tomé e Príncipe é que já tinham definido esse tempo. O Brasil optou por cinco anos e nós por seis anos de experiência”, conta.
CORRER CONTRA O TEMPO
Agora, passados mais de três anos da referida resolução, Manuel Veiga não esconde considerar que já deviam ter sido dados alguns passos para difundir o AO junto não só dos profissionais que trabalham directamente com a escrita, mas da população em geral. “Cabo Verde já devia estar a fazer alguma coisa ao nível de informação sobre as diferenças que o AO traz na comunicação social, que não são muitas. Até à sua implementação obrigatória é preciso todo um trabalho de promoção e de explicação, mas, efectivamente, houve um compasso de espera”, explica.
No entanto, mostra-se benevolente quanto a esse compasso de espera e argumenta: “Houve mudança de Governo e quem tem a mão na massa tem que empurrar o carro, mas depois entra outra pessoa e até conhecer as engrenagens do AO, isso leva o seu tempo. Acho que foi isso que aconteceu em Cabo Verde”.
RESISTÊNCIA
Questionado sobre o nível de resistência que o país irá enfrentar durante a implementação do AO Manuel Veiga é peremptório e alerta que “toda a mudança gera resistência”.
Na sua opinião, tal atitude será mais visível ao nível dos utilizadores mais directos da língua. “Os jornalistas, professores e escritores que têm a língua como instrumento de trabalho e que já têm o conforto da norma antiga, poderão mostrar alguma resistência, por questões de conforto e facilitismo e, por isso, dizerem que são contra”, refere.
Não entanto, desdramatiza o assunto, por acreditar que a resistência será “passageira”. “É tudo uma questão de dominarem as normas e de conhecerem realmente as diferenças e alterações introduzidas e as dominarem. Para isso, terão de fazer um esforço”.
Em jeito de achega entre a simbiose entre o Acordo e a Língua Crioula, Manuel Veiga diz-se seguro e determinado que o AO vem dar razão ao ALUPEC e dá como exemplo o caso das consoantes mudas que caíram primeiro no Brasil e depois em Portugal. “Se é muda, não existe. Então porque é que está lá? Qual a vantagem? O que não tem função não está lá e nisso as consoantes mudas não podem estar no sistema fonológico, porque é mudo, é ausente”, conclui.

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