Manuel Veiga, linguista, professor e escritor: “O acordo ortográfico vai contribuir para afirmação da Língua Portuguesa no mundo”
- Criado em 13-01-24
O
professor, linguista e ex-ministro da Cultura, Manuel Veiga mostra-se a
favor do Acordo Ortográfico (AO) e garante que este será determinante
para a afirmação da Língua Portuguesa no mundo. No entanto, alerta que,
internamente, o mesmo poderá gerar uma certa resistência, “passageira”,
junto dos profissionais que têm a escrita e a língua como instrumento de
trabalho.
A eles juntaram-se, na altura,
representantes de Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e
São Tomé e Príncipe. Do encontro resultou o Memorando sobre o Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa e foi criada também a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP), à qual mais tarde se viria a juntar
Timor-Leste.
Manuel Veiga recorda que “nessa altura
já havia toda a abertura para o AO porque isso vinha ao encontro da
afirmação, da valorização da língua portuguesa no mundo”.
A esse encontro viriam a seguir-se
muitos outros, incluindo o de 1990, promovido pela Academia de Ciências
de Lisboa, onde foi assinado oficialmente o AO, que viria ser aprovado
apenas em 1995, no Brasil.
AFIRMAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Este professor e linguista, também
escritor, autor do primeiro romance escrito em crioulo, “Oju d’agu”,
mostra-se plenamente a favor do AO e defende que “não podemos ter uma
língua com cerca de 200 milhões de interlocutores, com normas
diferentes”.
Pelo contrario, acrescenta, “era preciso
dar um sinal ao mundo e mesmo a nós que fazemos parte da CPLP, que não
podemos estar com normas diferentes para escrever a mesma língua. Se
queremos afirmar a Língua Portuguesa temos de ter aquilo a que o Celso
Cunha chamava a unidade superior da língua. A uniformização não é
possível, mas a unidade é”.
Unidade essa que, na sua opinião, vai
beneficiar, e muito, a internacionalização da Língua Portuguesa. “A
vantagem é da Língua Portuguesa porque a nível internacional ela passará
a ser utilizada com mais facilidade devido à unificação de algumas
regras e normas da ortografia”, sustenta.
Além da internacionalização, o nosso
entrevistado acredita que o AO vai trazer vantagens ao nível da cultura,
também. “Vai facilitar a divulgação de filmes, de livros, de tudo
aquilo que a língua é portuguesa é suporte da cultura”, afirma.
Este ex-ministro da Cultura teve aquilo a
que chama de “oportunidade” de em 2009 levar o AO a Conselho de
Ministros, depois de terem sido feitas todas as ratificações. “O
Conselho de Ministros tinha que definir o período de estágio do AO. Na
altura, só o Brasil e São Tomé e Príncipe é que já tinham definido esse
tempo. O Brasil optou por cinco anos e nós por seis anos de
experiência”, conta.
CORRER CONTRA O TEMPO
Agora, passados mais de três anos da
referida resolução, Manuel Veiga não esconde considerar que já deviam
ter sido dados alguns passos para difundir o AO junto não só dos
profissionais que trabalham directamente com a escrita, mas da população
em geral. “Cabo Verde já devia estar a fazer alguma coisa ao nível de
informação sobre as diferenças que o AO traz na comunicação social, que
não são muitas. Até à sua implementação obrigatória é preciso todo um
trabalho de promoção e de explicação, mas, efectivamente, houve um
compasso de espera”, explica.
No entanto, mostra-se benevolente quanto
a esse compasso de espera e argumenta: “Houve mudança de Governo e quem
tem a mão na massa tem que empurrar o carro, mas depois entra outra
pessoa e até conhecer as engrenagens do AO, isso leva o seu tempo. Acho
que foi isso que aconteceu em Cabo Verde”.
RESISTÊNCIA
Questionado sobre o nível de resistência
que o país irá enfrentar durante a implementação do AO Manuel Veiga é
peremptório e alerta que “toda a mudança gera resistência”.
Na sua opinião, tal atitude será mais
visível ao nível dos utilizadores mais directos da língua. “Os
jornalistas, professores e escritores que têm a língua como instrumento
de trabalho e que já têm o conforto da norma antiga, poderão mostrar
alguma resistência, por questões de conforto e facilitismo e, por isso,
dizerem que são contra”, refere.
Não entanto, desdramatiza o assunto, por
acreditar que a resistência será “passageira”. “É tudo uma questão de
dominarem as normas e de conhecerem realmente as diferenças e alterações
introduzidas e as dominarem. Para isso, terão de fazer um esforço”.
Em jeito de achega entre a simbiose
entre o Acordo e a Língua Crioula, Manuel Veiga diz-se seguro e
determinado que o AO vem dar razão ao ALUPEC e dá como exemplo o caso
das consoantes mudas que caíram primeiro no Brasil e depois em Portugal.
“Se é muda, não existe. Então porque é que está lá? Qual a vantagem? O
que não tem função não está lá e nisso as consoantes mudas não podem
estar no sistema fonológico, porque é mudo, é ausente”, conclui.
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