DECENIO MUNDIAL DAS POPULACOES AFRODESCENDENTES (2012 -2022)
“NYINGI” ANGOLANAS ENRAIZARAM-SE NAS AMERICAS E CARAIBAS
E
um dos principais factos que ressai da “Enciclopédia Brasileira da
Diáspora Africana”, obra da autoria do imparável Nei Lopes, livro que
acaba de ser reeditado em São Paulo, nas corretivas Edições Selo Negro.
Esta
extraordinária presença linguística e antropológica, bem fixada, no
Novo Mundo certifica a instalação, ai, de centenas de milhares de
cativos arrastados do Quadrilátero.
Respeitável bloco, cobrindo 715 paginas, esta síntese de conhecimentos (nyingi,
em lunda/luba/cokwe), prefaciada pela psicóloga Elisa Larkin,
companheira, de origem norte-americana, do saudoso Senador Abdias
Nascimento, e organizada, naturalmente, por ordem alfabética.
Contem cerca de 25 000 entradas dando informações sobre o continuum civilizacional niger no alem-Atlântico, em domínios de natureza social, económica e cultural.
Assim,
nota-se, no registo biográfico, a inserção de, entre outras
personalidades, dirigentes de insurreições, académicos, homens de
ciências e letras, médicos, políticos, líderes religiosos, artistas,
arquitetos, atletas, atores de cinema, jornalistas e ativistas civis.
Encontra-se, ai, referências sobre comunidades, grupos étnicos, associações e outras entidades.
O
inventário fornece, igualmente, precisões sobre múltiplos
acontecimentos históricos, e vários dados indo de navios negreiros a
cemitérios.
Há, também, esclarecimentos sobre escolas músico- coreográficas, companhias de teatro e festivais.
Enfim, a relação proporciona elementos sobre a vida religiosa, singularmente, efervescente, dos afrodescendentes.
VERBETES
Algumas referências a apontar no registo das personalidades são as de Juan Lubola (1635 – 1664), líder marron, na Jamaica e de Musinga, chefe rebelde dos Becu- Musinga ou negros Mutuari, na Guiana, no seculo XVIII.
Uma alcunha inesquecível e do Príncipe de Bundo, figura social, controverso, da história da escravidão na Jamaica, entre os seculos XVIII e XIX.
Deve, também reter, o João Mulungu (1859-1876), líder do quilombo de Divina Patorra, em Sergipe.
Nota-se um verbete sobre Edison Carneiro (1912 -1972), historiador afro-brasileiro, autor do clássico “Negros Bantu”, publicado em 1937.
Releva-se um informe sobre a cantora lírica brasileira, soprano, formada no Conservatório Superior de Paris, Luanda Siqueira, que mereceu este apelido, por ter nascido, em 1975, ano da independência da sua terra de origem.
De salientar, entre as perpetuações etnonímicas, a, inesperada, notada nas margens do estuário de la Rio de la Plata, Lubolo.
Designa, igualmente, as “Sociedades Lubolos” ou os blocos “Negros Lubolos”,
grupos carnavalescos de Montevideu, surgidos em 1874 e integrado por
foliões brancos, com os rostos pintados, fantasiados de escravos.
OAXACA
Cujila e a comunidade de insurrectos que evoluía no Estado de Oaxaca, no México, no litoral do Pacifico, no seculo XVIII.
O autor de “Bantu, Males e Identidade Negra “ (1988), inscreveu, no domínio social, termos, bem reveladores, tais como cabunda, escravo fugido, que vivia em estado de cimarronagem ; cacanje, que designava o português mal falado ou mal escrito; sambo, negro que suportava, manhosamente, a humilhação esclavagista, nos EUA.
Incluiu, analogamente, mazombo, filho de português nascido no Brasil; minga, trabalho coletiva dos negros no Equador, malongue, companheiro, em Trinidad; cucufo, o diabo, e chimba, agir, com inteligência, no Peru.
Os “angolo-congueses” empregam, no Uruguai, o termo bambaquere, no sentido de carinho.
Nei Lopes confirma, neste capítulo, a influência dos mbika no Brasil, com a inclusão da expressão Fumo-de-Angola, que designa, recatadamente, a maconha; fumar o viril diamba, facto que podia levar para cafua, cela para castigo de escravos, do bantu kufua, morte ou ser marcado com calimba, ferro com que se assinalava os escravos teimosos, do bantu dimbu.
Simpáticos epicurianos, os Congo/Angola deixaram, irreversivelmente, o termo angoleiro, como o jogador da capoeira angola ou o adepto do candomblé angola.
Quanto a angolinha e um dos toques de berimbau no jogo da capoeira, tal como o Benguela-Sustenido ou o Cabula.
O pai do Dicionário Banto do Brasil (1996) indica que o candonga e um dos folguedos atestados no Equador.
Quanto ao termo canyengue , em uso na Argentina, e uma variante do tango, inicial, dança lasciva de negros portenhos, do bantu, kinyenge.
O povo djuka de Suriname exibe a dança bandamba, enquanto os Benguelas do Uruguai exibem a curimba, do umbundu, okuimba, cantar, e, os Atu em Trinidad e Tobago, organizam o ganga, uma bailada ritual.
ANGUILLA
A enunciação gumbé, na Jamaica e em Saint Thomas, e relativa a um tambor e a uma dança, enquanto nas Bermudas, refere-se a uma mascara tradicional.
Recordar – se-a que a ilha jamaicana atesta o conhecido ritual kumina, do bantu, mandar.
Uma das entradas da Enciclopédia e kabinda, que indica em Trinidad, um género de música e dança.
A manifestação coreográfica, ponto cardinal, expressiva, dos Bantu e referenciada como kofutu, uma dança dos maroons do Suriname, lando ou samba –lando, no Peru, maboba, na Republica Dominicana, madjoumbe, na Martinica, termo proveniente de mayombe, mariyanda ou mariangola, em Porto Rico.
O investigador, sambista, identificou em Anguilla, o Mayoumba Folclórica Theatre e faz recordar que a catonga e uma brincadeira de roda das crianças no Uruguai.
A prática religiosa na diáspora alem-Atlântico e bem impregnada de componentes “congo-angola” como o inquice abanto atestado em alguns terreiros de Maranhão, o temível espirito errante, acufa, defunto, certificado nos cultos pernambucanos.
A inteligência medicinal atravessou o infinito kalunga. E, e atestado o alecrim-de-Angola, uma erva usada na preparação de banhos e defumações, da família de pimenteiro.
Os angolo-congues continuaram os seus cultos, o bacuro, espirito da natureza, do bantu nkulu, antigo. Precisaram, na Espanola, a designação bakoulou-baka, para designar o espirito maligno que perambulam nas noites, tal como o Bicho-Mongongo, personagem da mitologia afro-brasileiro.
Entre as numerosas divindades dos “Congos cubanos”, há os Baluande.
Enfim, o repertorio explica que em Santa Lúcia, nas Pequenas Antilhas, o kutumba e uma cerimónia religiosa.
De realçar na vasta bibliografia utilizada pelo historiador carioca, estudos tais como “Ta makuende yaya …” das cubanas Arosteguy e Villagas (1998), “Nzinga” de Glasgow Roy (1982) e “Um pedaço de Angola na Vila do João” de Cláudia Amorim (2002).
Obra
de grande utilidade, a Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana
apresenta-se como o único inventário, em língua portuguesa, sobre este
domínio e um instrumento, essencial, no conhecimento da história
extramuros do Quadrilátero, que esta a espera da constituição do seu
Commonwealth.
Por
Simão SOUINDOULA
Comité Cientifico Internacional
do Projeto da UNESCO « A Rota do Escravo »
C.P. 2313 Luanda (Angola)
Tel. : 929 79 32 77
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