Sexta-feira, 25 de Janeiro de 2013
Carta enviada ao Provedor do Jornal "Público" - “Para acabar de vez com a lusofonia”?! Resposta a António Pinto Ribeiro
Exmo. Senhor José Queirós, Provedor do Jornal “Público”
A 18 de Janeiro de 2013, publicou
António Pinto Ribeiro, no Suplemento “Ípsilon” (pp. 38-39) do Jornal “Público”,
um texto intitulado “Para acabar de vez com a lusofonia”. No dia seguinte,
enviei para publicação o texto «“Para acabar de vez com a lusofonia”?! Resposta
a António Pinto Ribeiro». O texto foi recebido (tenho prova disso), mas não publicado.
Sei que lhe não cabe tomar
posição sobre o teor do(s) texto(s). Apenas lhe pergunto se há alguma directriz
editorial no jornal “Público” adversa ao conceito de Lusofonia – pergunta pertinente
dado que, sendo o texto citado um veemente manifesto anti-lusófono (que deu azo
a várias respostas – suponho que não terei sido o único a ter enviado um texto
de resposta para o jornal), não foi dada a possibilidade de qualquer espécie de
contraditório a quem defende tal conceito.
Considero mesmo que, face à
gravidade do texto em causa – recordo que nele se define a Lusofonia como uma
“forma torpe de neo-colonialismo” –, deveria ter ser sido o “Público” a ter
tomado a iniciativa de auscultar outras pessoas: aquelas (muitas, algumas bem
prestigiadas, como sabe) que, defendendo o conceito de Lusofonia, repudiam por
inteiro o epíteto de “neo-colonialistas”. Solicito-lhe, pois, um parecer
público sobre esta questão.
______________________
A 18 de Janeiro de 2013, publicou António Pinto Ribeiro (APR), no Suplemento “Ípsilon” (pp. 38-39) do Jornal “Público”, um texto intitulado “Para acabar de vez com a lusofonia”, que, alegadamente, tem sido “alimentada pela esquerda mais retrógrada e pela direita mais nacionalista e nostálgica do império”.
A 18 de Janeiro de 2013, publicou António Pinto Ribeiro (APR), no Suplemento “Ípsilon” (pp. 38-39) do Jornal “Público”, um texto intitulado “Para acabar de vez com a lusofonia”, que, alegadamente, tem sido “alimentada pela esquerda mais retrógrada e pela direita mais nacionalista e nostálgica do império”.
No seu manifesto anti-lusófono,
APR consegue até a proeza de apresentar o Ultimato Inglês de 1890 com um acto
anti-colonialista – quando se tratou, tão-só, da afirmação (vitoriosa) do
colonialismo inglês sobre o colonialismo português –, isto para além de
caricaturar o pensamento de Gilberto Freyre (que, alegadamente, “nunca vira
sinais de tensão no multi-racialismo”) e de diabolizar a colonização
portuguesa, como se a “expressão da barbárie” tivesse sido a sua única face.
Tudo isto para concluir que a
lusofonia é um “logro”, uma “forma torpe de neo-colonialismo”, a “última marca
de um império que já não existe”. Tal virulência “argumentativa” só se destina,
porém, aos portugueses – já que, alegadamente, “os portugueses valorizam-na [a
lusofonia], os africanos rejeitam-na”. Na sua virulência sectária, APR acaba
pois por atirar sobre si próprio, renegando-se como português.
Para o evitar, ainda que correndo
o risco das generalizações, bastaria salvaguardar que “em geral…”. O problema é
que nem sequer isso é verdade. Conforme pode ser confirmado por pessoas que
sabem do que falam quando falam de lusofonia (como, por exemplo, o Embaixador
Lauro Moreira, que trabalhou longos anos na Missão Brasileira da CPLP:
Comunidades dos Países de Língua Portuguesa), esta é cada vez mais valorizada –
não só pelos portugueses, mas também pelos africanos dos países de língua
oficial portuguesa, não esquecendo o Brasil e Timor-Leste.
Timor-Leste, de resto, é,
provavelmente, o país que mais valoriza, para desgosto de APR, a lusofonia. Por
razões óbvias: se Timor-Leste conseguiu resistir à ocupação indonésia, mantendo
a sua autonomia cultural, e, depois, aceder à independência política, foi, em
grande medida, por causa de tão maldita palavra: lusofonia. Não decerto por
acaso, as autoridades timorenses fizeram questão de consagrar o português como língua
oficial do país, e não o inglês, como pretenderam (e pretendem) a Austrália e outros
países anglófonos. A razão é simples: Timor-Leste sabe bem que a lusofonia é a
melhor garantia do seu futuro político.
Bastaria o exemplo timorense para
afirmar a lusofonia como factor de libertação e não de opressão, como pretende
APR. Mas vamos aos PALOPs: Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Se,
como pretende APR, a língua portuguesa é a memória viva da “violência dos
portugueses sobre os africanos”, por que estranha razão nenhum desses países
renegou a língua portuguesa como língua oficial? – antes, pelo contrário, tudo
têm feito para sedimentar a língua portuguesa em cada um desses países. Será
porque continuam a ser “colonialistas”?? Ou serão apenas mosoquistas???
Decerto, não é porque valorizem a lusofonia – já que, não o esquecemos, por uma
qualquer “excepcionalidade mítica” que nos transcende, “os africanos rejeitam a
lusofonia”.
E passemos ao
Brasil – segundo APR, “Lula da Silva, enquanto Presidente do Brasil, estabeleceu
parcerias económicas Sul-Sul com a maioria dos países subsarianos. Para esta
estratégia, a lusofonia pouco importou”. Para azar de APR, não há muito tempo, o
Embaixador brasileiro Jerónimo Moscardo, na insuspeita Fundação Mário Soares, esclareceu
precisamente que assim não é, na sua conferência “Agostinho da Silva e a
política externa independente do Brasil”. De resto, como APR sabe ou, pelo
menos, deveria saber (mas, estranhamente, não refere), Agostinho da Silva foi, em
Portugal e no Brasil, onde foi assessor do Presidente Jânio Quadros, o grande
prefigurador de uma comunidade de língua portuguesa[1].
Temos plena
consciência que há muita gente que, no que concerne à lusofonia, apenas
valoriza a dimensão económica. Mas isso, por si só, não desqualifica a
lusofonia – também, entre nós, houve muita gente a valorizar a Europa por causa
dos famosos “fundos”. Pertinente referência, esta – tanto mais porque APR,
falando do “estilhaço da lusofonia”, não fala uma única vez da Europa, do Euro
ou da União Europeia. Compreende-se bem porquê tão gritante omissão: é
precisamente face ao estilhaço (este sim, real) da União Europeia que cada vez
mais portugueses compreendem que foi um colossal erro estratégico termos,
durante décadas, desprezado os laços com os restantes povos lusófonos. Isso
fragilizou, em muito, a nossa posição no plano global e na própria União
Europeia – onde estamos, cada vez mais, numa posição subalterna.
Face ao
estilhaço (este sim, igualmente real) da globalização, o que acontecerá
naturalmente, por mais que isso desgoste os arautos do pós-modernismo, é que os
países se religarão com base naquilo que de historicamente há de mais sólido:
as afinidades linguístico-culturais. Nessa medida, também para Portugal a
lusofonia é a mais sólida garantia do seu futuro: cultural, económico e
político. Não perceber isto é não perceber nada. A lusofonia não é pois uma
excrescência do passado mais o fundamento maior do nosso futuro. Um fundamento
firme: sem escamotear a violência da colonização portuguesa – não há
colonizações não violentas –, a verdade, que pode ser confirmada todos os dias,
é que a relação que existe entre o povo português e os outros povos lusófonos
não é equiparável à relação que há entre outros povos ex-colonizadores e
ex-colonizados. Não perceber isto é não perceber nada. Mesmo nada.
De uma forma
paternalista (para não dizer neo-colonialista), APR pretende aconselhar os
outros povos lusófonos a renegarem a lusofonia, como se eles não pudessem escolher
qual o melhor caminho para o seu próprio futuro – como até APR já percebeu, a
lusofonia é, cada vez mais, essa escolha. Daí, de resto, o tom virulento do
artigo – se a lusofonia fosse algo assim tão estilhaçado… Apenas num ponto
damos razão a APR: “os portugueses não têm nenhum atributo de excepcionalidade
mítica”. Ou seja, o nosso futuro enquanto país não está garantido. Mas isso,
precisamente, só reforça a importância desse caminho que se cumprirá pela
simples mas suficiente razão de que interessa a todos. Como aconteceu no caso
timorense. Como, apesar de tudo, acontece com a Guiné-Bissau – se esta tem
futuro, é porque há uma Comunidade Lusófona que está disposta a fazer algo
(ainda que, até ao momento, não o suficiente). Como acontece também, enfim, com
Portugal – no beco sem saída da troika,
a Lusofonia é, cada vez mais, a nosso único caminho de futuro. Pena que APR não
o perceba.
Renato Epifânio
Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono[2]
www.movimentolusofono.org
... polémico, porém mal escrito e ainda pior argumentado, surgiram respostas várias (ver abaixo) que, concorde-se com elas ou não, são pelo menos mais honestas nos seus propósitos.
A pergunta que fazemos na 10pt é com quem terá António Pinto Ribeiro falado para poder provar tais afirmações. Do alto da torre de marfim onde muitos intelectuais e pensadores se escondem do mundo, nem sempre, pela distância, o discernimento sobre o povo no seu dia-a-dia se torna nítido. Há que falar com as pessoas, as pessoas mesmo (não só com os tais pensadores) amigo António, antes de sobre elas traçar o início ou o fim seja do que for.
Da nossa parte, o que gostaríamos muito de ver desaparecer era a marca de uma arrogância não fundamentada, para que esse Império da prepotência, de uma voz sobre todas as outras, possa por fim, e por favor, deixar de existir.
RESPOSTAS AO ARTIGO:
- Renato Epifânio, "a relação que existe entre o povo português e os outros povos lusófonos não é equiparável à relação que há entre outros povos ex-colonizadores e ex-colonizados. Não perceber isto é não perceber nada. Mesmo nada."
http://mil-hafre.blogspot.pt/ 2013/01/ para-acabar-de-vez-com-lusofoni a.html
- Alexandre Pomar (ver também lusofonia 2, 3 e 4), "O essencialismo identitário tem feito muito mal a muitos pensadores..."
http:// alexandrepomar.typepad.com/ alexandre_pomar/2013/01/ lusofonia.html
- Alcipe, "Um pouco mais de estudo ficava-lhe bem."
http:// timtimnotibet.blogspot.com.br/ 2013/01/leituras_21.html
- AICL
http://blog.lusofonias.net/ ?cat=14
em resposta ao polémico artigo "Para acabar de vez com a Lusofonia" de António Pinto Ribeiro...
... polémico, porém mal escrito e ainda pior argumentado, surgiram respostas várias (ver abaixo) que, concorde-se com elas ou não, são pelo menos mais honestas nos seus propósitos.
A pergunta que fazemos na 10pt é com quem terá António Pinto Ribeiro falado para poder provar tais afirmações. Do alto da torre de marfim onde muitos intelectuais e pensadores se escondem do mundo, nem sempre, pela distância, o discernimento sobre o povo no seu dia-a-dia se torna nítido. Há que falar com as pessoas, as pessoas mesmo (não só com os tais pensadores) amigo António, antes de sobre elas traçar o início ou o fim seja do que for.
Da nossa parte, o que gostaríamos muito de ver desaparecer era a marca de uma arrogância não fundamentada, para que esse Império da prepotência, de uma voz sobre todas as outras, possa por fim, e por favor, deixar de existir.
RESPOSTAS AO ARTIGO:
- Renato Epifânio, "a relação que existe entre o povo português e os outros povos lusófonos não é equiparável à relação que há entre outros povos ex-colonizadores e ex-colonizados. Não perceber isto é não perceber nada. Mesmo nada."
http://mil-hafre.blogspot.pt/
- Alexandre Pomar (ver também lusofonia 2, 3 e 4), "O essencialismo identitário tem feito muito mal a muitos pensadores..."
http://
- Alcipe, "Um pouco mais de estudo ficava-lhe bem."
http://
- AICL
http://blog.lusofonias.net/
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