Com os cumprimentos de Henrique Manhâo
Uma exaustiva história da antiga comunidade portuguesa de Xangai,
uma das maiores da cidade, na primeira metade do século XX, está
guardada em casa de um académico local, à espera de editor. No conjunto
são cerca de 300 páginas, que incluem uma lista das famílias lusas
residentes outrora na grande metrópole chinesa e das "68 empresas que
eram propriedade de portugueses ou geridas por portugueses", contou à
Lusa Wang Zhicheng, investigador da Academia de Ciências Sociais de
Xangai.
De acordo com o Censo de 1930, entre os 48.806 estrangeiros
residentes então em Xangai contavam-se 1.599 portugueses, mais 193 que
os próprios franceses, que governavam uma parte da cidade, conhecida
ainda hoje como "antiga concessão francesa". A lista era encabeçada
pelos japoneses (18.796), seguidos dos ingleses (8.449), russos,
norte-americanos e indianos.
"Entre os europeus, os portugueses estavam em terceiro lugar", realça Wang Zhicheng.
Xangai era uma das cidades mais cosmopolitas do mundo: "Paris do
Oriente" e "Paraíso dos Aventureiros", assinalavam os guias turísticos.
Quase todos oriundos de Macau, filhos de casamentos entre
portugueses e chineses, os portugueses de Xangai constituíam também uma
das mais antigas comunidades estrangeiras estabelecidas na cidade, após a
Guerra do Ópio (1839-42). Em 1850, havia já seis portugueses a viver em
Xangai e quinze anos mais tarde o número ultrapassava a centena.
No século XX, a comunidade estava organizada em dezenas de
associações recreativas e teve vários jornais, quase todos de reduzida
tiragem e curta duração. "Os portugueses tiveram sempre uma posição
influente na comunidade estrangeira de Xangai, mas o seu peso político,
económico e cultural era bastante pequeno", afirma Wang Zhicheng.
Director do Centro de Estudos Eslavos da Academia de Ciências
Sociais de Xangai, nascido em 1940, Wang Zhicheng começou por estudar os
emigrantes russos que se refugiaram naquela cidade após o triunfo da
revolução comunista na Rússia, em 1917. "Era um tema por que ninguém se
interessava", diz.
Em 1993, após dez anos de pesquisa, Wang Zhicheng publicou
"História da Emigração Russa em Xangai", que seria depois traduzida e
editada na Rússia, e que chamaria a atenção da Fundação Macau: "Eles
entraram em contacto comigo e propuseram-me que fizesse uma história
idêntica acerca dos portugueses".
Parte da investigação teve "uma edição
electrónica", há cerca de uma década, mas nos últimos quatro anos, Wang
Zhicheng escreveu mais um capítulo, que continua inédito. O investigador
descobriu também que, muito antes da "Guerra do Ópio", cujo desfecho
obrigou a China a abrir cinco dos seus portos ao comércio internacional,
um missionário chamado José Semedo construiu uma igreja em Xangai: "Foi
o primeiro português a viver em Xangai, em 1622".11
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