domingo, 27 de janeiro de 2013

URBANO BETTENCOURT 1987

Para uma nova arte de balear (comunitária, económica, europeia)

by Urbano Bettencourt on Sunday, 27 January 2013 at 10:30 ·
Se o salitre nos encharca os olhos e o vento se esfarrapa na rama dos pinheiros, é tempo de dizer a solidão extrema da ilha, desoladoramente outonal, e nem Augusto Gil transformaria tudo isto na quieta melancolia dos pinheiros do caminho. E que fazer destas casas naufragadas entre mistério e mistério?
Quereria eu regressar ao apelo da página, mas deverá ser a escrita o lado oposto do silêncio?
Vamos, então, à caça da baleia!
Da arte do fingimento (pessoana, comme il faut) colhamos os ensinamentos necessários à sobrevivência da espécie e do Museu dos Baleeiros desviemos os instrumentos de baleação, de cuja ausência quem suspeitaria?
Poderíamos talvez pintar as baleias de azul celestial, com estrelas na cauda ou nos flancos,  e nelas cavalgar pelas rotas do atlântico. E se de repente estes dorsos inquietos se erguessem das águas e violassem o espaço aéreo, levando-nos para lá das ilhas sem outra palavra que não um breve adeus?
Os turistas não gostariam, por certo, de práticas  tão pouco simulatórias e haveriam de exigir reembolsos e indemnizações à conta de artes folclóricas avessas ao imprevisível do sonho e da loucura.
Rendamo-nos, pois, à mediania dos números  e do poliglotismo das cifras!
Rememos veridicamente pelo Canal fora, acenando com a nossa hospitalidade (con)cordata ao convés vigilante dos cruzeiros multinacionais. Os turistas rebolar-se-ão de gozo ecológico, quando, sobre a proa se alevantar o trancador para arpoar a baleia com agulhas de pinheiro manso.
Quem atentará, então, no olhar perplexo do monstro vindo dos fundos líquidos da história?

(jornal Signo, 24 de Novembro de 1987)
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