sábado, 11 de fevereiro de 2012

Atribulações da Língua Portuguesa


|

Atribulações da Língua Portuguesa

Artur Queiroz 

Jornal de Angolav04 de Fevereiro, 2012

http://jornaldeangola.sapo.ao/19/46/atribulacoes_da_lingua_portuguesa


   Um dia fui convidado pelos responsáveis de uma instituição de defesa da Língua Portuguesa para participar num colóquio, para o qual foram convidados especialistas na matéria. No meio de tanta ciência eu era nitidamente uma carta fora do baralho. Mas ante a insistência dos organizadores, decidi aceitar o convite e escrever a minha comunicação.


Considero os órgãos de informação como instrumentos importantes de defesa da língua. Mas também acho que os jornalistas têm que dominar, isso sim, a linguagem jornalística que, como é público e notório, tem autonomia desde que se desenvolveu a comunicação à distância e sobretudo quando surgiu a Rádio, com todo o seu esplendor. Até ao último quartel do século XIX usávamos no jornalismo, de empréstimo, a linguagem literária. Esse passado de dependência ainda hoje está presente no quotidiano dos jornalistas. Mas tende a desaparecer.
Por isso, eu defendo que devemos conhecer bem a linguagem jornalística, com as suas especificidades e a gramática que a sustenta. O domínio da Língua Portuguesa fica para segundo plano, por duas razões. Até à existência dos revisores, eram eles que tinham de resolver as debilidades dos jornalistas, no que diz respeito ao domínio do português. Desde a informatização das redacções, essa tarefa é do programa de auto correcção, em primeiro lugar. Dos autores do texto, em segundo. Depois dos editores e, finalmente, do copy-desk. Se esta cadeia de produção for respeitada, a mensagem informativa chega em perfeito estado ao consumidor e redigida num português escorreito.


A adopção do Acordo Ortográfico por parte dos órgãos de informação portugueses causou-me uma grande perplexidade, porque, ao mesmo tempo, ignoram a linguagem jornalística e as técnicas de construção da mensagem informativa. Quanto às técnicas de ancoragem, nem se fala, são pura e simplesmente assassinadas, numa olímpica falta de respeito pelos consumidores.


O Acordo Ortográfico é um instrumento para facilitar o comércio das palavras. Literatura, livros técnicos. Nada mais do que isso. Os órgãos de informação não são academias de linguistas e muito menos usam uma linguagem rebuscada. A nossa mensagem é directa, substantiva e afirmativa. Cabe nos nossos produtos, a liberdade de captar certas formas de contar e expressões populares. Por vezes, esses materiais têm uma grande riqueza plástica e até podem ser a marca de um repórter ou de um cronista. Estou a lembrar-me de Ruben Braga ou Ernesto Lara Filho. Mas não passa pela cabeça de ninguém fazer um “acordo” para que esses estilos sejam adoptados por todos os jornalistas de Língua Portuguesa.
No colóquio em que me intrometi, a minha comunicação tinha como título: “A Língua Portuguesa nos jornais só pode ser defendida com G3”. Arrancou alguns sorrisos aos especialistas na matéria, um olímpico desprezo de alguns jornalistas de extracção intelectual presentes e o raspanete de um amigo que é escritor e usa a Língua Portuguesa como poucos usam, desde o Padre António Vieira ou Aquilino Ribeiro.


Continuo na minha. A Língua Portuguesa só pode ser defendida a ferro e fogo. Sobretudo agora, que nos querem impingir um Acordo Ortográfico que pretende pôr os brasileiros a abdicar da sua doce medida, os portugueses da pátria de Pessoa, os angolanos das suas construções harmoniosas, os moçambicanos das laranjas de Inhambane. Tenho pena que os meus amigos cabo-verdianos tivessem aceitado a normalização de uma Língua que tem na sua diversidade a marca da eternidade. Mas nem por isso “Chiquinho” deixa de ser um marco na Literatura de Língua Portuguesa e na Literatura Universal. Aprendi com um poeta cabo-verdiano que se Deus é grande, o amor é ainda maior. E se não me levarem a mal, quero dizer aos portugueses que hipotecarem a sua língua ao difícil comércio das palavras, é pior do que proibir a lírica de Camões.


Os brasileiros dominam a indústria editorial. Se pensarem bem, não precisam do Acordo Ortográfico para nada. Os portugueses podem ser simpáticos para com eles de outras formas. Por exemplo, organizando conferências rotativas nas capitais de cada país da CPLP, para todos perceberem que a riqueza da Língua Portuguesa está nos falantes e na forma como o escritor, na sua oficina, a trabalha e engrandece. Não queiram, à força, tornar igual, aquilo que é belo, exactamente por ser diferente.


Uma boa notícia veio do Centro Cultural de Belém. O seu presidente, Vasco Graça Moura, decidiu ignorar o documento e ordenou que se continuasse a escrever na “doce medida velha”. Ele, que é um camoniano, fez o que se impunha. Espero que seja o princípio do triunfo do bom-senso.    









Sem comentários:

Enviar um comentário