quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Spirito Santo - As origens do samba


REVISTA ÁFRICA21

Spirito Santo - As origens do samba

"Esta minha teoria, em parte, é baseada na opinião de especialistas angolanos como Mário Rui Silva e Liceu Vieira Dias, do ‘Ngola Ritmos’, por exemplo. Mas há outras explicações para esta origem…"
Redação revista África21
 
Brasília - Educador, pesquisador, escritor, artista especializado na música afro-brasileira e artesanato musical (organologia), professor visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde desde 1995 coordena o projeto de extensão Universitária Musikfabrik, o brasileiro Spirito Santo, (Antonio José do Espírito Santo), 64 anos, é ainda uma pessoa que não aceita as verdades estabelecidas sem questioná-las, doa a quem doer.

ÁFRICA21- O título do seu livro, Do Samba ao Funk do Jorjão, evidencia uma relação entre o samba e o funk. Que relação é essa?

SPÍRITO SANTO  - Há uma forte relação sim, mas ela é mais sutil do que parece. É que ambos, samba e funk, são gêneros musicais diaspóricos e irmãos. São uma espécie de síntese urbana da música tradicional que veio da África para as Américas, os work songs, o blues e o rag time dos EUA e coisas como o maxixe dos Oito batutas e Pixinguinha por aqui, os cantos de trabalho das plantations de lá e daqui, saídos de gêneros rurais como jongos, congadas, vissungos, etc. A relação é bem estreita. Uma história que não se explica sem a outra. Isto aparece nítido na evolução do samba carioca.

No livro você questiona algumas verdades estabelecidas a partir da própria origem do samba…

O samba, tal qual o conhecemos, muito provavelmente nasceu do jongo tradicional (manifestação sociocultural dos escravos da área Congo-Angola trazidos para as plantations de café no Rio de Janeiro). Pelas conclusões da minha pesquisa o ritmo seminal do samba teria tido como origem remota entre outros ritmos da área da Angola atual, o kaduke, que é uma dança que era moda em Mbaka (Ambaca) ao tempo de Capello e Ivens (meados do século XIX). Os escravos trazidos para cá nos anos finais da escravidão trouxeram em sua memória esta dança, genericamente conhecida aqui como batuque (e a música a ela correspondente). Esta minha teoria, em parte, é baseada na opinião de especialistas angolanos como Mário Rui Silva e Liceu Vieira Dias, do ‘Ngola Ritmos’, por exemplo. 
Mas há outras explicações para esta origem…

A confusão que criaram aqui, já no âmbito de nossa música urbana, nasceu do fato de a palavra samba, num fenômeno típico da cultura popular urbana ou de massa que nascia ali mesmo naquela época, estar virando uma marca muito forte para o nascente mercado fonográfico e radiofônico brasileiro como sinônimo de ‘música popular de negros’, numa época em que o mainstream, o conceito de ‘música para se vender’ também estabelecia as suas estratégicas mercadológicas iniciais. 

O fato é que o ritmo que acabou vingando e que ganhou a disputa para ser batizado por fim pelo mercado para sempre como samba, acabou sendo não o maxixe-novo, praticado na Praça Onze da Tia Ciata por músicos populares de elite como Pixinguinha, Donga, etc., mas sim uma fusão de ritmos ‘congo-angolanos’ trazidos para a Corte após a abolição da escravatura pelos negros oriundos do êxodo que se deu das fazendas de café nos anos finais da escravidão brasileira. Eu acredito que é na área do Cais do Porto, onde estes egressos ex-escravos das fazendas de café passaram a trabalhar como carregadores, portanto, que o «verdadeiro» ritmo do samba, tal qual o conhecemos, é fermentado e se cristaliza.

Leia na íntegra a entrevista feita por João Belisário, na edição de março da revista África21

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