Rio domingo, 24 de julho de 2011- Temos recebido de vários leitores uma pergunta muito oportuna neste período em que se intensificam entre portugueses críticas ao novo Acordo Ortográfico: por que os portugueses rejeitam tão veementemente aquilo que seu representante legal se comprometeu a adotar?
As críticas dos portugueses chegam a apelar, nos sucessivos abaixo-assinados às autoridades governamentais competentes, para que se revogue o compromisso de implantação do sistema ortográfico aprovado pelos sete países de língua oficial portuguesa.
A indagação é oportuna nesta coluna, porque, no meio da gritaria, quase sempre não aparecem razões de ordem técnica que invalidem as Bases em que se assentam as normas do novo sistema. Já em 1911, depois de aprovada a reforma ortográfica elaborada pelos melhores filólogos que Portugal tinha à época, confessava D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos:
‘O público! Qual foi o acolhimento que fez à Reforma? Naturalmente as opiniões estão divididas. Houve e há entusiastas, críticos, indiferentes e adversários. Reacionários rombos, avessos a todo e qualquer progresso, aos quais as quarenta e tantas regras mostraram, pela primeira vez, quantas e quais são as dificuldades da ortografia nacional, entendem que fomos nós que as inventamos, baralhando e complicando tudo. Constou mesmo que esses descontentes iam angariar assinaturas a fim de reclamar a revogação da portaria de 1 de setembro [DE 1911].
Podemos começar a dizer que as novas normas não são tão novas para os portugueses, porque em geral ratificam usos que já vêm praticados desde 1945, ou antes, portanto há mais de meio século. Os pontos de que se afasta a nova proposta de 1990 praticamente dizem respeito a questões mal resolvidas pelo sistema de 1945, e que também se tornam mal resolvidas pelo sistema vigente no Brasil desde 1943. Dentre essas questões cumpre ressaltar o emprego do hífen. Bem ou mal, os redatores do texto oficial, sem se afastar muito das normas de 1945 na sua redação, nos seus exemplos e até nas suas exceções, procuraram sistematizar melhor o que foi possível, numa área da ortografia que se mostra muito sutil quando os fundamentos se baseiam no desvanecimento da noção da composição, na evolução semântica, na aderência de sentido, no sentimento do falante ou na perda em certa medida da noção de composição. O espaço limitado desta coluna não nos permite aprofundar nossa pesquisa para demonstrar os íntimos laços que aproximam as Bases do Acordo de 1990 ao Formulário Ortográfico de 1945.
Vamos nos limitar a apontar as principais alterações gráficas nas regras de acentuação a serem adotadas pelos brasileiros, regras que já vinham do sistema ortográfico de 1945, com as alterações levadas a efeito por lá em 1975, praticadas, portanto, pelos portugueses e africanos:
1) desaparece o circunflexo de ‘voo, enjoo, perdoo’, etc.;
2) desaparece o circunflexo de ‘creem, leem, deem, veem’;
3) desaparece o acento gráfico agudo dos ditongos abertos ‘oi’ e ‘ei’ dos paroxítonos (‘heroico’, sem acento, mas ‘herói’ com acento; ‘ideia’, sem acento, mas ‘réis’ com acento);
4) desaparece o acento gráfico agudo das vogais ‘i’ e ‘u’ da sílaba tônica de paroxítonos quando procedidas de ditongo decrescente (‘feiura’, ‘baiuca’);
5) desaparece o acento gráfico tônico do hiato ‘ii’ dos paroxítonos (‘xiita’, ‘tapiira’);
6) desaparece o uso do trema;
7) desaparece o acento diferencial, exceto em ‘pôde’ e ‘pôr’.
Neste particular, a única cedência do lado português relativa ao sistema de 1945 será o desaparecimento das consoantes não pronunciadas ‘c’ e ‘p’ para indicar o timbre aberto da vogal anterior, ou por força da etimologia, ou ainda por força da tradição ortográfica: ‘diretor’, ‘Egito’. Reforma que haverá de agradar às criancinhas portuguesas que começam a escrever.
Cremos que estas cedências brasileiras de seus hábitos ortográficos bem demonstram o desejo firme de colaborar para a unificação tão almejada por todos os que sonham que nossa escrita reflita a maturidade cultural e política tão necessária à divulgação e ilustração do idioma compartilhado por tantos países soberanos.
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