sábado, 11 de fevereiro de 2012

desmistificando erros no AO1990


O QUE É E O QUE NÃO É O ACORDO ORTOGRÁFICO
De que é que falamos quando nos referimos ao Acordo Ortográfico? Referimo-nos a um acordo assinado em 1990 entre os sete países de língua oficial portuguesa de então que estabelece normas ortográficas, ou seja regras de como escrever palavras.
Muitas pessoas fazem uma ideia completamente errada do que é o Acordo Ortográfico. Algumas são cultas mas estão mal informadas – indesculpavelmente mal informadas. Com a maior das leviandades dizem disparates inconcebíveis sobre o acordo, que outros repetem como desmiolados papagaios. Impõe-se por isso ver o que é e o que não é o Acordo Ortográfico.
O Acordo Ortográfico não altera a pronúncia de qualquer palavra. Isso é verdade para qualquer reforma ortográfica. Quando em Portugal se aboliu o acento de idéia e se passou a escrever ideia, o e continuou aberto; não se tornou semelhante ao de feia. Antes de 1974 tínhamos pesada e pèzada. Pronunciavam-se em Portugal pezada (com o e pronunciado como em de) e pèzada, respetivamente.  Em 1974 foi abolido o acento de pèzada, mas a nova grafia – pezada – não deu origem a uma nova pronúncia. Pezada não passou a pronunciar-se como pesada.
Atualmente, no Brasil escreve-se Coréia e européia, o que está de acordo com a pronúncia das duas palavras no outro lado do Atlântico. Em Portugal e noutros países diz-se Corêia e europêia. Com o Acordo Ortográfico os brasileiros passarão a escrever Coreia e europeia, mas isso em nada altera a pronúncia brasileira de tais palavras e de outras com a mesma terminação, como atéia.
Fixem bem: o Acordo Ortográfico muda a grafia de certas palavras, a maneira como se escrevem, mas não altera a pronúncia de nenhuma palavra.
Há uns anos um leitor dum jornal mostrava-se surpreendido com a palavra embaixadora e perguntava se ela se devia ao Acordo Ortográfico. A palavra embaixadora – antiga na língua portuguesa – designa mulher que desempenha as funções de embaixador, distinguindo-se de embaixatriz, mulher de embaixador. A palavra embaixadora não se deve ao Acordo Ortográfico, que só tem a ver com a ortografia, maneira de escrever palavras.
Fixem bem isto: o Acordo Ortográfico não cria nem elimina palavras. Ele só tem a ver com a maneira como se escrevem palavras.
Cachopo significa rochedo quase à flor da água. Também pode significar rapaz, moço, mas no Brasil a palavra não se usa com esse significado.
A palavra registrar não é hoje usada em Portugal, mas já o foi. Ela aparece na primeira página da primeira edição do Diário de Notícias, de Lisboa, que viu a luz do dia na segunda metade do século XIX. Em contrapartida, registar é pouco usado no Brasil. Ambas as formas são bem portuguesas.
Esta discussão pode ser interessante, mas não tem a ver com o Acordo Ortográfico.
Não esqueçam: O Acordo Ortográfico não tem a ver com as variações de uso ou significado de palavras, mas sim com a maneira como se escrevem.   
Um semanário deu uma vez a "informação" de que, com o Acordo Ortográfico, pacto passaria a pato. Uma completa imbecilidade é o nome que merece essa “notícia”, digna antecessora do telelixo. Já vimos que o acordo, por ser ortográfico, não muda a pronúncia de nenhuma palavra; só muda o modo como algumas se escrevem. Portanto, segundo o jornal, passaríamos a escrever pato e a dizer pacto – uma completa burrice. Pensemos um pouco. Alguém em seu perfeito juízo acredita que pessoas como o Prof. Lyndley Cintra, um dos eminentes linguistas envolvidos no acordo, iam propor uma coisa tão idiota? Alguém com dois dedos de testa acredita que os deputados iam aceitar uma tão incrível cretinice? Só se estivessem todos irremediavelmente doidos …
O jornalista que deu a “notícia”, se estivesse interessado em investigar uma coisa tão absurda, teria procurado algum dos linguistas que negociaram e redigiram o acordo. Teria, pelo menos, lido o texto do acordo para saber o que é que ele realmente diz. Se calhar, o que o acordo diz pouco lhe interessava. O que lhe interessava era uma notícia escandalosa que ajudasse o jornal a vender papel. Do que precisava era de lançar uma boca, como se diz em Portugal, mesmo se fosse completamente falsa e idiota.
Aí por 1990, durante uma concorrida reunião pública sobre o Acordo Ortográfico, o Dr. Fausto Lopo de Carvalho, diretor dum jornal e pessoa culta com livros publicados, mostrou-se angustiado e irritado com a ideia de passar a escrever fato em vez de facto, que em Portugal tem um cê que se pronuncia. O Dr. Fausto Lopo de Carvalho acreditava que o acordo estabelecia tal absurdo. A Dr.ª Edite Estrela explicou-lhe então que estava mal informado, para grande alívio do homem. De vez em quando, aparecem pessoas com pretensões a intelectuais a insistir no mesmo erro e a mostrar a sua revolta. Custa a crer …
No Brasil o segundo cê de cacto é pronunciado; em Portugal não é. Agora imaginemos uma reforma ortográfica que estabelecesse o seguinte: os brasileiros continuarão a dizer kakto, mas escreverão cato porque em Portugal se diz kato e não kakto. Isto seria completamente absurdo, tão absurdo como obrigar os portugueses a escrever fato continuando a dizer fakto lá porque os brasileiros não dizem fakto mas fato.
Se certos pontos do Acordo Ortográfico fossem como alguns dos seus inimigos julgam que são, realmente ele seria de combater com todas as forças.
Como se pode concluir da leitura da edição de 25 de abril 2007 do quinzenário cultural lisboeta JL, continua a existir gente com responsabilidades que acredita que em Portugal vamos deixar de escrever facto, que é substituído por fato. A ser verdade, seria um absurdo de todo o tamanho. É completamente falso. Custa a perceber que haja quem acredite em tais tolices.
Há letras que não se escrevem embora se possam ouvir na pronúncia. É o caso do i de a iágua. Nestes casos o Acordo Ortográfico não as manda escrever. Trata-se de pronúncias não-cultas. O Acordo Ortográfico só trata de pronúncias cultas da língua.
Tomem boa nota: o Acordo Ortográfico não elimina em nenhuma palavra qualquer letra que se leia numa pronúncia culta da língua.
Durante a transmissão pela estação portuguesa de televisão SIC em cadeia com uma emissora brasileira ouviu-se o locutor dizer: “o avião está agora se aproximando”. Esta ordem das palavras não se usa no português europeu. Na África lusófona a ordem das palavras também é por vezes diferente da do português europeu.
A parte da gramática que trata do modo como se combinam as palavras para a expressão do pensamento chama-se sintaxe. O Acordo Ortográfico não estabelece regras de sintaxe.
Tomem boa nota: o Acordo Ortográfico não estabelece regras de sintaxe; tem a ver somente com a maneira de escrever as palavras.
A língua portuguesa é falada em mais de um país e de um continente. Como era de esperar, tem variedades. Algumas estão em formação como a moçambicana, que tem sido objeto de estudo como o da Prof. Perpétua Mendonça, autora, entre outras obras, de Português de Moçambique – Uma Variedade em Formação.
Pouco depois da independência de Moçambique e em resposta a uma pergunta duma jornalista brasileira, a Ministra da Educação Graça Machel, afirmou ser Portugal o modelo em termos linguísticos até os gramáticos moçambicanos estabelecerem as regras do português de Moçambique.
Temos, portanto, variedades do português, que podem ter normas próprias, que, nalguns aspetos, poderão estabelecer regras diferentes ou mesmo contrárias.
O que é esta questão das normas tem a ver com o Acordo Ortográfico? Nada.
Notem bem: o Acordo Ortográfico não interfere com a coexistência ou com as regras de normas linguísticas regionais.
Neste momento a língua portuguesa tem duas normas ortográficas: a usada no Brasil e a dos restantes países de língua portuguesa. Da aplicação das duas normas resultam bastantes diferenças de ortografia. Reformas introduzidas no Brasil por uma lei de 1971 reduziram bastante as diferenças, mas persistem importantes divergências.
O Acordo Ortográfico não introduz uma completa uniformização na grafia das palavras, mas naturalmente a redução ao mínimo possível das diferenças é um dos objetivos. Com o acordo escreveremos as palavras nos países de língua portuguesa de harmonia com uma única norma.
Tomem nota: Com o Acordo Ortográfico a grafia das palavras passa a ser regulamentada nos países de língua portuguesa por uma única norma.
Vejamos agora quais as principais alterações que o Acordo Ortográfico introduzirá no nosso uso habitual da língua.
Principais alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico em Portugal, países africanos de língua oficial portuguesa e Timor
Eliminação de cês e pês não pronunciados em palavras como director, acção, protecção, baptismo, adoptar e excepção, as quais passam a escrever-se diretor, ação, proteção, batismo, adotar e exceção.
Parece que o primeiro-ministro português Marcelo Caetano se preparava para eliminar estas consoantes mudas quando a revolução do 25 de abril de 1974 pôs termo à sua governação. Pouco antes ele quase eliminou o acento grave. Devemos estar-lhe muito gratos por isso.
Principais alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico no Brasil
  • Desaparece o trema. Em Portugal escreve-se aguentar, arguido, frequente e tranquilo. No Brasil as normas ortográficas em vigor estabelecem que estas palavras se escrevem agüentar, argüido, freqüente e tranqüilo. O trema é colocado sobre o u para indicar que esta letra é pronunciada. Em Portugal o trema não se usa desde 1945.
  • O ditongo ei em palavras graves nunca é acentuado graficamente. Por isso, deixa-se de usar acento em palavras como assembléia e idéia. Atualmente tais palavras não levam acento em Portugal.
Principais alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico comuns a todos os países de língua portuguesa
  • É simplificado e reduzido o emprego do hífen.
  • O ditongo oi em palavras graves ou paroxítonas não leva acento. Escreveremos boia e heroico em vez de bóia e heróico.

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