BRASÍLIA, 30 de dezembro de 2010 - O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou quatro decretos de
promulgação do novo Acordo Ortográfico no âmbito da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP) no dia 29 de setembro de 2008, na
Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio de Janeiro, em homenagem ao
escritor Machado de Assis, que
completava cem anos de morto (1839-1908). “Com esses atos, Machado de
Assis será duplamente exaltado: de um lado, a Academia lhe rende a mais
expressiva homenagem neste ano em que celebramos o centenário de sua
morte. E, de outro, a assinatura pelo presidente Lula dos decretos que
promulgam o Acordo Ortográfico dos sete países lusófonos" – declarou,
então, o presidente da ABL, Cícero Sandroni.
Segundo
Cícero Sandroni, a promulgação do Acordo Ortográfico concretizava uma
antiga aspiração de Machado de Assis, manifestada num de seus discursos,
em 1897. “A Academia buscará ser a guardiã de nosso idioma, fundado em
suas legítimas fontes - o povo e os escritores, todos os falantes de
língua portuguesa” - disse, na altura, o autor de Memórias
Póstumas de Brás
Cubas.
O
argumento para mudanças ortográficas na língua portuguesa é que a
alegada unificação da escrita no Brasil e em Portugal tornaria o
português língua oficial da Organização das Nações Unidas (ONU).
Supondo-se que fosse possível unificar a escrita das duas variações
linguísticas, mesmo frases burocráticas, de documentos, são marcadas
pela sintaxe, pelo estilo oriundo da cultura de cada um dos dois países.
O fato é que o novo Acordo Ortográfico não unifica o português de
Portugal e o português do Brasil, nem etimologicamente, muito menos em
estilo, mesmo que se trate de escrita burocrática. E qualquer tradutor
na ONU terá que ser bom de ouvido, tanto para o falar lusitano, típico
dos países de clima frio, como para o falar brasileiro,
tropical, aberto. Isso,
sem falar do crioulo.
A
pergunta que lateja é: A “unificação” da língua portuguesa escrita no
Brasil com o português grafado em Portugal tem alguma utilidade? No caso
do Brasil, não seria melhor investir maciçamente no ensino básico? E
depois o Brasil tem mais com que se preocupar. Enquanto Lula levava seu
palanque para a Academia Brasileira de Letras, o Correio Braziliense,
maior jornal da capital do país, publicava uma série de reportagens
sobre crianças, meninas e meninos, que embarcavam em carros de luxo, no
coração de Brasília, para serem estuprados a troco de comida.
A propósito, exploração sexual
de crianças e escravidão sexual são comuns na província potencialmente
mais rica do planeta, mas onde a miséria humana, a escravidão, o
assassinato, campeiam - a Amazônia. A grande tragédia brasileira é a
escola pública. O senador Cristovam Buarque (PDT/DF) costuma comparar as
escolas públicas brasileiras, regidas por orientação federal, com o
Banco do Brasil. Se as agências do BB em Brasília contam com a mesma
estrutura das agências nos grotões brasileiros, como, por exemplo, o
sertão do Maranhão, uma escola pública do Plano Piloto não é a mesma na
hiterlândia da Amazônia.
O
novo Acordo Ortográfico só beneficia editoras, principalmente as que
integram a panelinha do Ministério da Educação; faturarão bilhões.
Quanto ao ensino público e à
pesquisa no Brasil são
para inglês ver. E a CPLP tem mais com se ocupar. Ela poderia encampar o
Instituto Camões e criar o Instituto Machado de Assis, e, por meio
deles, difundir mundialmente a língua portuguesa, que são várias: a de
Portugal; a do Brasil; a crioula, ou africana; a galega; a do
Timor-Leste etc. Cada um desses países conta com escritores que
representam bem suas culturas, e que não estão absolutamente preocupados
com burocracia. Os grandes escritores deste continente chamado Brasil
são tradutores da nossa mestiçagem mulata, cafuza e mameluca, das nossas
cores, cheiros e alegria. A CPLP pode e deve é influenciar a democracia
e se aperfeiçoar como bloco econômico.
Considerando-se
o Brasil isoladamente, passamos à frente de Portugal, como os Estados
Unidos superaram a
Inglaterra. No nosso
caso linguístico, enquanto o português lusitano se esgotou, o português
brasileiro é uma língua jovem, enriquecida por idiomas africanos, pelo
tupi-guarani, por estrangeirismos e pelo calor, cores, aromas, sabores e
contexturas dos trópicos e da Amazônia - que encerra uma dimensão que
transcende os sentidos – realismo-fantástico, como diriam os europeus.
O
Acordo Ortográfico é mais uma peça de marketing do governo lulapetista,
em um país de esmagadora maioria de alfabetizados funcionais - que leem
mas não entendem o que leem -, com pelo menos 20 milhões de pessoas que
vivem na Idade da Pedra – não sabem ler e, muitíssimos deles, não têm
sequer certidão de nascimento; outros, são escravos mesmo,
principalmente nos medievais estados da
Amazônia.
No
Brasil, nós não precisávamos de reforma ortográfica. Precisamos de
reforma política, de reforma fiscal, de reforma educacional, de reforma
do Judiciário, de reforma administrativa, de reforma previdenciária, de
pacto federativo, e, sobretudo, de jogar os ladrões de colarinho branco
na cadeia e fazê-los pagar tudo o que roubaram, carregando pedra. É
preciso acabar com a indecência da imunidade parlamentar, faz-se
necessário passar a limpo este Brasil corrupto.
A curta história da
língua brasileira, que leva ao mundo as cores do trópico
Originada
em Portugal, a língua brasileira cada vez mais se impõe no planeta,
levando para as regiões frias, que antes sediavam a metrópole, a riqueza
cultural e a alegria dos trópicos, por meio da literatura, da
tecnologia e do trabalho.
RAY CUNHA
Para a revista Século 21
Esta curta história da língua portuguesa é
baseada em relatos de arqueólogos e historiadores. Tudo
começou na região ocidental da Península Ibérica, há 300 anos Antes de
Cristo, com soldados romanos e seu latim vulgar. Oitocentos anos depois,
o Império Romano começou a desabar, mas deixava, firmes, várias
línguas, variantes do latim. O português escrito começou a ser
utilizado, em documentos, no século IX, e, no século XV, já se tornara
língua literária. Desde os romanos, havia duas províncias na região em
que se formou a língua portuguesa: Lusitânia, hoje Portugal, e Galécia,
ou Galícia para nós, brasileiros, ao norte.
O
Império Romano conquistara a região ocidental da Península Ibérica,
criando as províncias da Lusitânia e da Galécia, equivalentes, hoje, ao
centro-norte de Portugal e à província espanhola da Galícia, a noroeste
da
Espanha, nas quais se
começou a falar latim vulgar, do qual nasceram as línguas neolatinas e
90% do léxico, ou dicionário, do português. Os únicos vestígios das
línguas nativas dessa região dormem na toponímia da Galícia e de
Portugal.
Entre
409 e 711, depois de Cristo, o Império Romano entrava em colapso e a
Península Ibérica era novamente invadida, agora por povos de origem
alemã – suevos e visigodos -, que os romanos chamavam de bárbaros.
Entretanto, os novos invasores absorveram a língua romana da península.
Como cada tribo bárbara falava latim à sua maneira, o resultado foi a
formação do galaico-português ou português medieval, espanhol e catalão.
Os estudiosos acreditam que foram os suevos os responsáveis pela
diferenciação linguística dos portugueses e galegos
quando comparados
aos castelhanos. Durante o reinado suevo, proibiu-se nominar os dias da
semana em latim e as palavras guerreiras foram impostas em línguas
germânicas, tal como “guerra”.
Em
711, depois de Cristo, a península foi invadida pelos mouros, de língua
árabe, oriundos do norte da África. O árabe foi utilizado, nessa época,
como língua administrativa nas regiões conquistadas, mas a população
continuou a falar latim vulgar. Em 1249, os mouros foram expulsos, mas
deixaram grande número de palavras árabes, especialmente relacionadas à
culinária e à agricultura, sem equivalente nas demais línguas
neolatinas, além de nomes de locais no sul de Portugal, como Algarve e
Alcácer do Sal. Muitas palavras portuguesas que começam por “al” são de
origem
árabe.
O mais antigo documento latino-português de que se tem conhecimento é aCarta de Fundação e Dotação da Igreja de S. Miguel de Lardosa, datada de 882, depois de Cristo. O Testamento de Afonso II,
de 1214, é o texto em escrita portuguesa considerado mais antigo. Esses
documentos estão guardados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em
Lisboa. O vernáculo escrito passou, gradualmente, para uso geral a
partir do fim do século XIII. Portugal se tornou país independente em
1143, com o rei Dom Afonso I. Em 1290, o rei Dom Dinis criava a primeira
universidade portuguesa em Lisboa - Estudo Geral - e decretou que o
português, então chamado “linguagem”, substituísse o latim no contexto
administrativo.
Em
1296, o português foi adotado pela Chancelaria Real. A partir daí, a
língua galego-portuguesa passou a ser utilizada também na poesia. Já em
meados do século XIV, o português alcançara tradição literária. Nessa
época, os nativos da Galícia começaram a ser influenciados pelo
castelhano, base do espanhol moderno. Entre os séculos XIV e XVI, com as
grandes navegações, a língua portuguesa é difundida na Ásia, África e
América. Na Renascença, aumenta o número de palavras eruditas do latim
clássico e do grego arcaico, ampliando a complexidade do português. O
fim do português arcaico é marcado pela publicação do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em 1516.
Fala-se
oficialmente português
nos oito países que integram a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP): Angola (África), Brasil (América do Sul), Cabo Verde
(África), Guiné-Bissau (África), Moçambique (África), Portugal (Europa),
São Tomé e Príncipe (África), e Timor- Leste (Ásia). Mas em cada uma
das ex-colônias portuguesas falam-se, na verdade, variantes do português
de Portugal. Também falam-se variantes de português nas seguintes
regiões: Galícia (província da Espanha, Europa); Goa, Diu e Damão
(Índia, Ásia); Macau (China, Ásia), Málaca (Malásia, Ásia) e Zanzibar
(Tanzânia, África).
A
escrita da língua portuguesa é semelhante em todos os países da CPLP,
com poucas variações gramaticais. O que muda, de forma mais evidente,
além da grafia de um certo número
de palavras, é o
significado de outras tantas palavras, com conotações diferentes de
região para região; o modo de se utilizar formas verbais; e o estilo
erudito, isto é, o modo de se construir frases e contextos literários.
Quanto ao falar, um brasiliense só se entenderá com um lisboeta, por
exemplo, se ambos conversarem vagarosamente e pronunciarem claramente as
sílabas das palavras.
Contudo,
trata-se da quinta língua mais falada no planeta, por cerca de 240
milhões de pessoas, em quatro continentes. Se Portugal é o portão de
entrada da lusofonia no Velho Continente - a Europa -, o Brasil é o
gigante do bloco. No Brasil, a língua portuguesa sofreu influências do
tupi-guarani - tronco linguístico dos índios da América do Sul - e de
várias línguas africanas. Desde o
início do século XX,
Portugal e Brasil buscam a unificação da língua portuguesa escrita em
ambos os países, para chegar, pelo menos, ao consenso de um texto
burocrático, que possa reforçar o idioma na Organização das Nações
Unidas (ONU). Mas a verdade não pode ser mudada. O português de Portugal
se esgotou, enquanto o português do Brasil foi enriquecido pelo índio,
pela África e pelo trópico, e é aberto.
A reforma ortográfica tudo muda para nada mudar, como diz uma personagem do romance O Leopardo,
de Giuseppe Tomasi Di Lampedusa, referindo-se à monarquia italiana,
então com as ventosas no erário, como ocorre hoje e sempre no Brasil
chavista de Lula e patrimonialista de Sarney. A célebre frase literária
se ajusta à nomenklatura lulapetista, embora o destino do
Brasil, a província
agrícola, florestal e mineral mais rica do planeta, é o de ser uma
potência mundial, o que só poderá conquistar por meio da democracia. E a
democracia dorme no idioma. Só então, a língua brasileira será
respeitada, procurada e aprendida.
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