Culturas lusófonas
Música dos judeus no Brasil Holandês
A presença de judeus no Brasil e seu impacto na cultura
brasileira ainda estão completamente sub-dimensionados. Um autor que
afirma isso é Martin Dreher, no 4º volume de sua série da História do
Cristianismo, e também em sua história das leituras da Bíblia (veja sobre estes livros aqui).
Mas mesmo este autor apenas dá a dica de que houve forte presença de
judeus (na verdade cristãos-novos ou cripto-judeus) que praticaram suas
festas litúrgicas na América Portuguesa e cuja religiosidade teve
profundo impacto no catolicismo popular gestado nos três séculos de
colonização portuguesa e depois violentamente reprimido pelo
ultra-montanismo a partir de meados do século XIX. (Uma outra dica
quente está aqui no Contra-senso)
Vem da musicologia uma bela contribuição ao conhecimento desta
presença judaica. Ana Maria Kieffer reconstituiu algumas canções que
testemunham a presença judaica: elas estão gravadas no disco Teatro do descobrimento, e as explicações da gravação estão no mesmo texto que explica a gravação dos Cantos Tupinambás.
Três canções são reconstituições de cantos sinagogais registrados no
período do domínio holandês em Pernambuco (1630-1655) – único período
em que a prática do judaísmo foi tolerada no continente colonizado pelos
europeus. Outras duas são aboios recolhidos no nordeste por Mário de
Andrade em 1928 – ambos com forte indício de influência judaica no
folclore nordestino.
A primeira gravação é um poema de Isaac Aboab da Fonseca, rabino da sinagoga do Recife entre 1642 e 1654. Zecher asiti leniflaot El (1646) é considerado o primeiro poema judaico das Américas. Nesta gravação a melodia é criada e cantada pelo hazan David
Kullock, estudioso da cultura sefardita, e complementada por rabeca e
cravo (grupo Anima - faixa 14 do disco). O poema ficou assim na tradução
de Sami Goldestein:
Memorial em nome de Deus, pois as lágrimas cessaram Cantarei na minha cidade vivo com todo meu júbilo Também cantarei sua misericórdia, se não cessarem Uma canção não conforme Seu tamanho mas com toda minha força.
Pois quem poderia exaltar Suas Maravilhas elevadas Sobre toda criação acima e abaixo de minha lua? Será como lembrança para elogiar o Nome de Deus Para a congregação do Deus Excelso e Rocha de Israel
A segunda música é exclusivamente vocal, um canto-recitado sinagogal – Mi chamocha,
poema de autoria do mesmo rabino em comemoração à chegada de navios
holandeses com víveres para abastecer a população do Recife faminta
devido ao cerco de tropas portuguesas em 1647. Em 1648, nos estatutos da
Congregação Tsur Israel, estabelece-se que este poema ou salmo
seja recitado na data de celebração da chegada dos navios. Essa forma
de recitar cantando é antiqüíssima na tradição sinagogal, e
provavelmente foi desta prática que derivou o canto cristão que hoje se
conhece (erroneamente) como Canto Gregoriano. (faixa 15 do disco)
A terceira música é o Cântico de Moisés, mencionado no mesmo
estatuto de 1648, e cantado nesta gravação com a melodia mantida até
hoje na Sinagoga Portuguesa Sherit Israel em Manhattan. Esta região de
Nova Iorque (antiga Nova Amsterdã) foi fundada pelos judeus portugueses
que fugiram do Recife após o fim do período holandês quando as chacinas e
perseguições voltaram com força total. O acompanhamento instrumental
(cravo e flauta – grupo Anima) tenta uma referência à harpa de Davi e às
flautas dos pastores, bem como à prática dos comerciantes judeus
abastados do Recife holandês, que se reuniam em suas casas para tocar
instrumentos musicais. (faixa 16 do disco)
As duas cantigas de aboio recolhidas por Mário de Andrade denunciam a
presença judaica. Na primeira delas o personagem encomenda ao sapateiro
um calçado para a celebração do sábado judaico (faixa 13 do disco). Na
segunda, uma referência a um certo “boi judeu” que a autora especula ser
uma Torá presente nas casas de judeus do Recife. Pergaminhos de rolo
guardados em uma caixa preta com pontas de fora e penduradas na parede,
vistas da janela da rua podiam parecer a um cristão a cabeça de um boi
chifrudo. Ainda mais quando a resposta do que fosse o objeto (Torá) pudesse ser equivocadamente entendido comotoura, conforme uma denúncia anotada contra um cristão-novo em Olinda, 1593 (faixa 17 do disco).
As gravações:
(no final do link: http://omelomano.blogspot.de/2008/05/msica-dos-judeus-no-brasil-holands.html)
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