A teoria das gafes
– Parabéns! Está grávida!
O sorriso desabou. O vendedor ao lado caiu na risada.
– Gravidez coisa nenhuma. É banha!
Dizer o que numa situação dessas?
Como eu, muitos amigos enfrentam o carma da gafe. Júlio encontrava com frequência, no shopping, uma garota acompanhada por um senhor idoso. Dia desses, ela estava sozinha. Só para puxar papo, perguntou:
– E seu avô, como vai?
Veio a resposta gélida.
– É meu marido, o desembargador.
Não há amizade que sobreviva a um tal diálogo. Há uma teoria da gafe, sem dúvida. Seu primeiro princípio é que tudo o que a gente diz se volta contra. Mesmo elogio. Numa festa, outro amigo, Marcelo, deparou com um ator de musical, seu conhecido.
– Fui ver, mas justamente naquela noite quem fez foi seu substituto. Soube que você é muito melhor.
O rapaz ao lado dardejou:
– O substituto sou eu.
O jeito foi agarrar um salgadinho e enfiar na boca.
Se estou no teatro, por mais chata que a peça seja, jamais comento com quem estiver ao lado. A mãe do ator certamente está sentada atrás de mim, de orelhas abertas como leques para me ouvir. Tenho medo de falar até de morto em velório. Alguma coisa vai dar errada.
Sinceridade e gafes andam juntas. No aniversário de uma atriz elogiei, entusiasmado:
– Como você está bem! Fez Botox?
A reação foi pior do que se eu tivesse dito um palavrão. Há uma série de frases elogiosas que deveriam ser bem-vistas, mas costumam ser mal recebidas. Como:
– Você está ótima para sua idade!
– Fiquei tão contente por reduzirem a pena de seu sobrinho!
– O jantar está excelente. Gosto de comida salgada!
De acordo com a teoria das gafes, o espírito crítico deve ser refreado em qualquer ocasião, para evitar situações desesperadoras. Jamais diga que plásticas em excesso dão a aparência de um cachorro pequinês a qualquer pessoa. Você certamente estará diante de um cirurgião plástico. Ou que não suporta filme nacional, pois seu interlocutor provavelmente será um diretor de cinema.
Evitar gafes é aceitar a falsidade alheia. Quando era adolescente e nem pensava em trabalhar na televisão, havia algumas estrelas de novelas que admirava. Hoje, são mais novas que eu! Pelas minhas contas, algumas teriam de estar fazendo cenas de amor e paixão aos 11 anos! Quando alguma declara a idade na minha frente, permaneço em silêncio. Já perdi amigos demais por excesso de franqueza, e é preciso aprender com as lições da vida.
Mas que injustiça! Quando a gafe é contra mim, sou obrigado a sorrir e fingir que não me importo, mesmo fervendo por dentro. Minha barriga e meu peso são temas de frequentes comentários:
– Para quando é?
– É lindo, você está igualzinho a Buda!
– É uma sorte, você tem poucas rugas. A gordura estica a pele.
Gostaria de responder de forma baixa, é uma delícia ser baixo de vez em quando. Mas disfarço. A modalidade mais recente é transferência de gafe. Cada vez que convido alguém para jantar em casa, sofro com isso. Se preparo camarão, a pessoa se declara alérgica. Carne, vegetariana. Se há mais de duas pessoas, a terceira odeia frango. No passado, o convidado disfarçaria, enchendo o prato e jogando a refeição no vaso de orquídeas na primeira oportunidade. Hoje, informa que não vai comer e está acabado. Eu que me vire. A gafe seria dele, por recusar o que é servido. Transfere-se para mim, por oferecer o menu errado. Antes de convidar para jantar, é preciso pedir currículo? Pior: quando alguém avisa tranquilamente que não come isso ou aquilo, quem fica sem jeito sou eu!
Acredito na teoria das gafes. E ela está contra mim. Vivo pisando em ovos, mas sempre acabo numa situação constrangedora. Minha única esperança é que exista uma teoria de como evitar as gafes. Só preciso descobrir qual é.
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