O colecionismo como fonte histórica e cultural
SÁBADO, 12 DE JANEIRO DE 2013
Padre António Vieira
Séc. XVII - Retrato de Arnold Van Westerhout |
Padre António Vieira
Nasceu a 6 de Fevereiro de 1608 em Lisboa
Faleceu a 18 de Julho de 1697 em Salvador (Brasil)
Nasceu a 6 de Fevereiro de 1608 em Lisboa
Faleceu a 18 de Julho de 1697 em Salvador (Brasil)
Em 1654, o célebre orador jesuíta, PeAntónio Vieira, sofre um naufrágio junto da ilha do Corvo, sendo salvo in extremis por corsários holandeses. É graças a este naufrágio que a devoção do terço se inicia nas ilhas dos Açores.
Logo
após a sua subida ao trono, aquando da restauração de 1640, D. João IV
encontra um Império Português em franca decadência. Com efeito, um mês e
meio depois da conjura de 1 de Dezembro, Malaca cai em poder dos
Holandeses. Mesmo após a celebração do Tratado de Aliança de 12 de Junho
de 1641, os Estados Gerais das Províncias Unidas teimam em consolidar
as suas posições em território português, conquistando Luanda a 24 de
Agosto do mesmo ano e o forte de Achém, em Março de 1642.
Na mesma altura, o Pe António Vieira era enviado em missões diplomáticas a Haia e a Paris de modo a tentar obter o apoio de Mazarino para o resgate das terras brasileiras ocupadas pelos Holandeses. É também nesta altura que este clérigo propõe várias medidas revolucionárias que visavam combater o miserável estado do Reino,tais como o retorno dos judeus mercadores que se encontravam exilados pela Europa e a não confiscação, pela Inquisição, dos bens dos sentenciados.
FDC comemorativo do 300º aniversário da sua morte |
Será
só em Janeiro de 1654 que se obtém a capitulação dos Holandeses
residentes no Brasil, o que marcará a reconstituição do Brasil português
tal como ele existia antes da junção das duas coroas ibéricas.
É também no ano de 1654, logo após a célebre Pregação aos Peixes - por falta de ouvidos da parte dos habitantes do Maranhão - que o PeAntónio
Vieira parte para Lisboa, juntamente com dois companheiros, a bordo de
um navio da Companhia Geral carregado de açúcar. Partia para, mais uma
vez, defender junto do monarca os direitos dos índios escravizados
contra a cobiça dos colonos.
Como
era habitual nos navios ibéricos, a vida quotidiana a bordo era regida
pelas práticas religiosas, conduzidas neste caso pelo Pe António
Vieira, grande partidário da reza pública do terço do Rosário. Esta
monotonia foi intempestivamente quebrada por uma tormenta desfeita que
se abateu sobre o navio cerca de 2 meses após a sua partida do Brasil,
já à vista da ilha do Corvo.
Subitamente,
as vagas tornaram-se excepcionalmente altas; o mar ficou completamente
coberto de espuma e a visibilidade ficou reduzida ao mínimo. Como única
salvação, o piloto mandou arriar todas as velas, à excepção da do
traquete e deixou o navio correr com o tempo, à capa. De repente, uma
rajada mais forte arrancou a vela e fez adornar a embarcação, ficando o
seu bordo direito sob as ondas. Imediatamente, os passageiros em pânico
correram para o costado oposto em tropel confuso.
O Pe António Vieira, depois de a todos dar a absolvição geral, levantou a voz aos elementos e, bradou aos “Anjos da guarda das almas do Maranhão, lembrai-vos que vai este navio buscar o remédio e salvação delas. Fazei agora o que podeis e deveis, não a nós, que o não merecemos, mas àquelas tão desamparadas almas, que tendes a vosso cargo; olhai que aqui se perdem connosco.”
O Pe António Vieira, depois de a todos dar a absolvição geral, levantou a voz aos elementos e, bradou aos “Anjos da guarda das almas do Maranhão, lembrai-vos que vai este navio buscar o remédio e salvação delas. Fazei agora o que podeis e deveis, não a nós, que o não merecemos, mas àquelas tão desamparadas almas, que tendes a vosso cargo; olhai que aqui se perdem connosco.”
Após
tal exclamação, fez com que todos fizessem voto à Rainha dos Anjos de
lhe rezarem um terço todos os dias se, porventura, conseguissem escapar
das garras da morte. Um quarto de hora esteve o navio adornado sob as
ondas, até que os mastros se partiram. Com a sua quebra e com o peso da
carga de açúcar que se encontrava estivada até ás escotilhas,
o navio girou sobre si próprio e retomou a sua posição natural. Todos
se apressaram a recolher ao convés e, de joelhos, prestaram graças à
Soberana Mãe de Deus.
No entanto, sem mastros, sem velas, sem enxárcia e ao sabor dos elementos em fúria, a sua perdição tinha sido apenas adiada. Eis senão quando, ao longe, aparece outra nau que também corria com o tempo. Um nova esperança se levantava nos náufragos, esperança esta que depressa morreu com o afastamento do navio desconhecido. Este, cego ao navio destroçado e raso com o mar, acabou por mais tarde milagrosamente seguir uma derrota que o fez atravessar directamente a embarcação portuguesa a meio da noite.
Esta embarcação era um dos tais famosos corsários holandeses que cruzavam o Atlântico embusca de presas. Recolheram os náufragos a bordo, pilharam o que puderam do navio à deriva - que acabaria por ir a pique - e fizeram desembarcar os portugueses na ilha Graciosa após os terem despojado de todos os seus pertences pessoais.
Ermida da Boa Nova |
Quando
conseguiu passar à ilha Terceira, a sua acção determinou também o
aprestamento de uma embarcação para que todos os seus outros colegas de
infortúnio pudessem tomar o porto de Lisboa.
O Pe António Vieira permaneceu na Terceira durante mais algum tempo, iniciando também aqui a devoção do terço, que pela primeira vez foi cantado na igreja da Boa Nova.
O Pe António Vieira permaneceu na Terceira durante mais algum tempo, iniciando também aqui a devoção do terço, que pela primeira vez foi cantado na igreja da Boa Nova.
Da
Terceira passou a São Miguel e daqui embarcou a bordo de um navio
inglês para Lisboa, a 24 de Outubro de 1654. Quis a Providência que,
mais uma vez, a sua viagem fosse marcada por um temporal que afligiu
sobremaneira os passageiros portugueses - que se entregaram como de
costume às habituais ladainhas em que como Católicos, como quem cria na outra vida, repetidamente se confessavam para morrer -
mas que em nada preocupou os marinheiros ingleses que, talvez por serem
hereges ou talvez por serem mais confiantes na sua embarcação do que os
seus passageiros, se limitaram a comer como se nada fosse, embalados
que estavam pelo canto dos canários-da-terra que levavam a bordo.
1685 - A Inquisição em Portugal |
E foi assim que, em Novembro de 1654, aportou ao Tejo o homem que acabaria por falecer na Baía, cego e surdo, a 18 de Julho de 1697. Durante a sua vida passara mais de 10 anos a lutar pela independência de Portugal, outros tantos a lutar pelos direitos dos índios da Amazónia e outros sem fim a combater os inquisidores de Coimbra. Estes, que o fizeram encarcerar de Fevereiro de 1663 a Outubro de 1665 e que o forçaram a ouvir durante duas horas, de joelhos, a enumeração das suas culpas e que o proibiram de sair do reino e de usar de voz activa e passiva, viram a sua Inquisição suspensa durante 27 meses graças à acção do Pe António Vieira. Este feito único só não se prolongou por mais tempo e conduziu à extinção da Inquisição em Portugal porque os bispos portugueses ameaçaram a Santa Sé com um cisma da igreja nacional.
Foi também assim que este grande orador - a quem Fernando Pessoa apelidou de Imperador da Língua Portuguesa - e verdadeiro Homem de Deus escapou (por milagre divino?) da morte ao largo dos Açores.
Autor do texto: Paulo Monteiro
-- Chrys Chrystello, An Aussie in the Azores /Um Australiano nos Açores, http://oz2.com.sapo.pt
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