quarta-feira, 16 de novembro de 2011

“A DIPLOMACIA DA LÍNGUA NA C.P.L.P. “ josé augusto seabra


1)   JOSÉ AUGUSTO SEABRA  

EMBAIXADOR DE PORTUGAL NA ROMENIA,
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, POETA, ENSAÍSTA, CRÍTICO, E DIRECTOR DA REVISTA INTERNACIONAL DE LÍNGUA PORTUGUESA

JOSÉ AUGUSTO SEABRA
Poeta, Ensaísta, Crítico, Professor Universitário e Diplomata. Opositor democrático ao regime de Salazar, quando estudante, foi preso e condenado por motivos políticos, tendo de exilar-se e só regressando a Portugal com a queda da ditadura em 1974.
Em Paris doutorou-se em Letras, pela Sorbonne, em 1971 com uma tese sobre Fernando Pessoa, sob a orientação de Roland Barthes, tendo sido professor na Universidade de Paris X e na Escola Normal Superior. Professor catedrático na Universidade do Porto, foi fundador do Centro de Estudos Pessoanos e do Centro de Estudos Semióticos e Literários, sendo Diretor da Revista “Nova Renascença”.
Deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, foi Ministro da Educação do IX Governo Constitucional (1983-1984).
Embaixador de Portugal junto da UNESCO, em Nova Delhi, em Bucareste e em Buenos Aires.

Bibliografia Essencial:
1. Poesia:
A Vida Toda (1961)
Os Sinais e a Origem (1967)
Tempo Tátil (1972)
Desmemória (1977)
O Anjo (1980)
Gramática Grega (1985)
Fragmentos do Delírio (1990)
Do Nome de Deus (1990)
Enlace, em colaboração com Norma Tasca (1993)
Sombras de Nada (1996)
Amar a Sul (1997)
Conspiração da Neve (1999)
Oximoros (2001)
Tangos Mentais (2002)

2. Ensaio:
Fernando Pessoa ou o Poetodrama (1974)
Poética de Barthes (1980)
O Heterotexto Pessoano (1985)
Cultura e Política ou a Cidade e os Labirintos (1986)
Poligrafias Poéticas (1994)
O Coração do Texto / Le Coeur du Texte (1996)
Edição crítica de Mensagem e Poemas Esotéricos de Fernando Pessoa (1993)
Tradução de Poemas de Mallarmé Lidos por Fernando Pessoa (1998)

SINOPSE:

A génese de uma comunidade, desde a sua conceção ao seu nascimento e emergência para uma vida própria, é sempre um processo gradual e complexo, com as suas fases de maturação endógena e as suas respostas aos estímulos e obstáculos que pontuam o seu crescimento orgânico. Assim aconteceu com a Comunidade dos países de Língua Portuguesa, consequência imediata da independência das ex-colónias africanas de Portugal, um século e meio mais tarde do que a do Brasil, surgiu na cena internacional como um efeito diferido de uma mudança fundamental nas relações entre povos cuja origem antropológica era étnica e civilizacionalmente diferenciada, mas que uma língua religou nas descobertas, sobrevivendo às vicissitudes políticas, com um património partilhado, transcontinental e transoceânico.
O Português é já língua oficial da UNESCO, embora não ainda língua de trabalho, sendo o seu uso possível em agências como a FAO, a OMS, a OIT, a OMPI, etc. A utilização da língua portuguesa nas instâncias das Nações Unidas não releva apenas de uma questão de prestígio. Ela é um meio essencial para a sua afirmação como língua de comunicação internacional, falada por mais de 200 milhões de habitantes dos oito países membros da CPLP, além de uma diáspora migratória espalhada pelo mundo inteiro. Na verdade, como pôs em relevo o historiador da língua portuguesa Paul Tyssier, o nosso idioma apresenta todas as caraterísticas dessa universalidade: disperso por todos os continentes, ele não é restrito a um grupo étnico, a uma comunidade religiosa, a um tipo de sociedade ou a um regime político, sendo uma língua de mestiçagem cultural, de contacto e de diálogo entre vários povos.
A disseminação de uma língua que, a partir da sua matriz galaico-portuguesa, se tornou primeiro uma língua nacional e depois uma língua de contacto entre civilizações, cumpriu-se de facto, a partir da grande empresa marítima das Descobertas.
Nesta época de desassossego global, em que o retorno dos fanatismos, dos fundamentalismos e dos terrorismos de toda a ordem impende sobre a nossa condição planetária, saibamos ser de novo, através da nossa “portuguesa língua”, interlocutores de um polígolo de civilizações, culturas e religiões como recentemente fomos na “Cidade do Nome de Deus” de Macau, que Camilo Pessanha considerava “o mais remoto padrão da estupenda atividade portuguesa no Oriente”, de que a “Gruta de Camões” é o símbolo por excelência. Símbolo de uma língua que se volveu uma pátria de tantas pátrias quantas são as nossas, de tal modo que poderíamos dizer, parafraseando uma vez mais Pessoa “Nossa Pátria é a língua portuguesa”.

TEMA 1. A LÍNGUA PORTUGUESA HOJE: SITUAÇÃO E PERSPECTIVAS
EMBAIXADOR DE PORTUGAL, PROFESSOR
UNIVERSITÁRIO, POETA, ENSAÍSTA, CRÍTICO, E DIRECTOR DA REVISTA
INTERNACIONAL DE LÍNGUA PORTUGUESA

A génese de uma Comunidade, desde a sua conceção ao seu nascimento e emergência para uma vida própria, é sempre um processo gradual e complexo, com as suas fases de maturação endógena e as suas respostas aos estímulos e obstáculos que pontuam o seu crescimento orgânico. Assim aconteceu com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Sendo uma consequência imediata da independência das ex-colónias africanas de Portugal, um século e meio mais tarde do que a do Brasil, ela surgiu na cena internacional como um efeito diferido de uma mudança fundamental nas relações entre povos cuja origem antropológica era étnica e civilizacionalmente diferenciada, mas que uma língua religou nas descobertas, sobrevivendo às vicissitudes políticas, como um património partilhado, transcontinental e transoceânico. Essa língua volveu-se ao longo dos séculos numa língua franca em vastos espaços geoculturais, com variedades e interferências múltiplas, através de dialetos e crioulos, sem deixar de manter a sua unidade estrutural, apesar da sua ductilidade e da sua capacidade de adaptação aos mais diversos contextos envolventes. Numa palavra, ela propiciou o que temos chamado um polígolo, isto é, um diálogo plural e cruzado entre povos com costumes, crenças e mentalidades várias, que foram postos pelos portugueses em contacto, pela missionação, o comércio – incluindo a escravatura e a soberania política. Daí decorreu uma mestiçagem não apenas étnica mas cultural, de que o Brasil viria a ser o exemplo mais significativo.

Pode pois dizer-se que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa estava já inscrita nas relações, mesmo assimétricas, entre os povos lusófonos, para lá de qualquer dominação circunstancial. Disso tiveram consciência os próprios dirigentes dos movimentos de libertação, ao distinguirem o povo português do regime opressor colonial, adotando o seu idioma após a independência, ao lado das outras línguas nacionais. Personalidades culturais africanas de relevo houve – quero lembrar, entre elas, o presidente-poeta do Senegal, Léopold Sedar Senghor – que defenderam, antes mesmo da descolonização, a criação de uma Comunidade de povos lusófonos, não tendo sido infelizmente escutadas. A instauração da Democracia e o fim da guerra colonial eram a condição sine qua non para tornar viável esse projeto, favorecido depois também pelo retorno do Brasil a um regime democrático com o termo da ditadura militar.

A C.P.L.P. nasceu assim sob o duplo signo da independência e da liberdade, uma vez estabelecidas relações de igualdade e fraternidade entre povos que souberam superar o ressentimento e cicatrizar as feridas do passado, cultivando uma amizade recíproca. Mas isso só foi em primeira e última instância possível porque havia uma língua a unir esses povos, que comungavam em valores comuns, emergindo de civilizações diferentes, numa simbiose criadora, sem perda da sua identidade e respeitando a sua alteridade. Foi nesse horizonte histórico que a C.P.L.P. se constituiu, reforçou e alargou. A adesão mais recente de Timor-Leste foi também o resultado da sua independência da Indonésia, ao mesmo tempo que da permanência nesse território da língua portuguesa e de uma cultura de matriz cívica e religiosa a ela ligada, que alimentou o fogo da resistência ao invasor.

Pode, pois, dizer-se que a conjugação do fator linguístico com a dimensão intercultural constitui a principal alavanca da cooperação entre os povos lusófonos e da sua afirmação perante os outros povos. É dessa alavanca que a C.P.L.P. tira a sua principal razão de ser, tendo-se dela servido como mola impulsionadora da sua ação. Cabe-lhe, pois, lançar a estratégia a seguir para pôr em prática uma diplomacia cultural, e antes de mais uma diplomacia da língua, que não pode prescindir da tal alavanca, bem manejada pelos que da língua e da cultura curam e sabem. Para esse efeito foi fundado, em 1989, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que, no entanto, logo entrou em hibernação, tornando-se numa espécie de concha vazia, durante mais de uma década, só há pouco reativado. Com esse Instituto deve a C.P.L.P. passar a colaborar estreitamente, pois por ele será sem dúvida prosseguida, enfim, a coordenação da ação diplomática, que há muito se impõe entre os países membros.

Essa ação diplomática conjunta deve sobretudo exercer-se no plano multilateral. A começar pelas organizações internacionais de Sistema das Nações Unidas, onde já é língua oficial da UNESCO, embora não ainda língua de trabalho, sendo o seu uso possível em agências como a FAO, a OMS, a OIT, a OMPI, etc., desde que haja uma vontade diplomática nesse sentido. Não esqueçamos também as organizações regionais desde a Europa, onde Portugal é membro da União Europeia, à América Latina e à África, onde o Brasil e os Estados africanos lusófonos estão representados. E lembremos uma importante organização inter-regional, como a União Latina, que engloba países europeus, latino-americanos, africanos e até um asiático – as Filipinas –, em que o Português ombreia com as outras línguas românicas, das quais é um aliado solidário.

A utilização da língua portuguesa nas instâncias das Nações Unidas não releva apenas de uma questão de prestígio. Ela é um meio essencial para a sua afirmação como língua de comunicação internacional, falada por mais de 200 milhões de habitantes dos oito países membros da C.P.L.P., além de uma diáspora migratória espalhada pelo mundo inteiro. Na verdade, como pôs em relevo o historiador da língua portuguesa Paul Teyssier, o nosso idioma apresenta todas as caraterísticas dessa universalidade: disperso por todos os continentes, ele não é restrito a um grupo étnico, a uma comunidade religiosa, a um tipo de sociedade ou a um regime político, sendo uma língua de mestiçagem cultural, de contacto e de diálogo entre vários povos.

Mas foi antes de mais como língua de civilização e cultura que o Português se impôs historicamente, na sua irradiação pelo mundo, tal como profetizou o poeta-humanista António Ferreira:

“Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
A portuguesa língua e lá onde for
Senhora vá de si, soberba e altiva...”

Esta profecia poética da disseminação de uma língua que, a partir da sua matriz galaico-portuguesa, se tornou primeiro numa língua nacional e depois numa língua de contacto entre civilizações, cumpriu-se de facto, a partir da grande empresa marítima das Descobertas. Mas isso implicou, também, a sua diversificação. Se já no espaço originário se verificava uma diferença entre os dialetos galego e português, mesmo se a comunicação e o cordão umbilical entre os dois perdurou até hoje, essa diversificação tornou-se mais nítida ao longo do percurso que levou o Português, pelas rotas do Atlântico, do Índico e do Pacífico, do Norte ao Sul e do Ocidente ao Oriente.

Assim como observou Lindley Cintra, “na África, como aliás na Ásia, é preciso antes de mais nada distinguir entre a presença de duas variantes essencialmente diversas da língua: o Português propriamente dito e os crioulos de base portuguesa mas profundamente afastados da língua de origem”. De Cabo Verde à Guiné, ao Senegal e a São Tomé e Príncipe, da Índia ao Ceilão, a Malaca, a Macau, a Timor, os crioulos africanos e asiáticos constituem uma verdadeira disseminação linguística do Português, que os oceanos espalharam quando em muitas dessas longínquas paragens ele foi língua franca.

De igual modo, como também acentuava Lindley Cintra, “na América, além de alguns crioulos de base portuguesa, como o papiamento de Curaçau, Aruba e Bonaire e do dialeto de Suriname na Guiana, está o vastíssimo domínio do Português do Brasil, com as suas variedades internas, mas sobretudo com a sua unidade essencial, verdadeiramente de admirar tratando-se de um território tão extenso”.

Esta diáspora linguística não está ainda completa, se não lhe acrescentarmos as comunidades de emigrantes, também dispersas pelo mundo inteiro e que, mesmo quando se adaptaram às sociedades dos países de acolhimento, não deixaram de manter vivo o amor pela sua língua de origem, apesar da erosão que, de uma geração a outra, ela vai sofrendo, inevitavelmente, o que exige um grande esforço para a preservar, através de uma política de apoio ao ensino do Português no estrangeiro, que o Instituto Camões tem levado a cabo, mas vem infelizmente esmorecendo, pela restrição de meios pedagógicos e financeiros.

Os efeitos da geografia e da história não deixaram de fazer-se sentir, evidentemente, no destino do Português. O facto, porém, mais significativo e extraordinário é que, tendo dado lugar a pelo menos duas normas linguísticas, além da galega inicial – a norma europeia e brasileira – o Português guardou, através das suas variedades ou variantes, as estruturas fundamentais, ao mesmo tempo que se desdobrava em crioulos e línguas de papiamento. Pode dizer-se, em suma, que a diversidade se tornou uma condição da unidade, mas não da unicidade, da língua portuguesa. Esta tornou-se, segundo os sujeitos falantes em cada território que a acolheu, uma língua plural, como aliás a assumiu o poeta dos heterónimos, que fez dela a sua pátria múltipla, na diversidade dos seus discursos e sujeitos poéticos.

Respeitando a diversidade do Português, que é aliás a sua grande riqueza, impõe-se fazer um esforço no sentido de uma aproximação das suas formas, sim, mas em domínios ligados ao seu uso contemporâneo, como é o caso da terminologia científica e técnica ou dos neologismos decorrentes de novos modos de vida e de convivência internacional, sem prejuízo da salvaguarda das especificidades de cada variante, enquanto manifestações que são de identidades e alteridades culturais irredutíveis. No horizonte de uma política internacional e de uma diplomacia da língua, que cabe à C.P.L.P., através do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, definir, sem perda da soberania de cada país membro, impõe-se promover tudo o que vá no sentido dessa aproximação gradual, não imposta mas livremente aceite pelos sujeitos culturais, desde que os povos que a falam aos escritores e poetas que a escrevem, cada qual à sua maneira. Assim, unidos nas nossas diferenças, todos poderemos dizer, como o poeta:”Nossa pátria é a língua portuguesa”

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